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Christine Chapman, falando como Grã-Mestre da Loja Feminina da Inglaterra |
Por Nelson Gonçalves
A Maçonaria é vista como
uma instituição estritamente masculina, onde as mulheres não tem voz e nem acesso. O que
pouco se escuta falar é que existe também a Maçonaria Feminina. Em número
bastante reduzido, se comparado com a Maçonaria dos homens. A feminina existe
há mais de um século, funcionando há 126 anos na França. No Brasil existe também, há 55 anos, a Maçonaria Mista, que congregam homens e mulheres numa
mesma loja.
A Maçonaria é uma das mais
antigas e misteriosas organizações do mundo. Suas raízes estão fincadas nas
tradições dos pedreiros medievais que construíram catedrais e castelos
históricos, que resistem há milênios no tempo. E existem dezenas de lendas ao redor do termo Maçonaria.
Apenas uma década após a
fundação, em 1717, da Grande Loja da Inglaterra, sua principal e mais antiga
obediência em atividade no mundo, a Maçonaria havia se tornado a mais influente
das organizações da sociedade mundial. Sempre cercada de mistérios e
especulações, em razão de suas reuniões secretas, criou-se no senso comum
muitas lendas e mitos em relação à Maçonaria, entre elas, a suposta relação da
organização com o satanismo e alusões ao poder, no imaginário popular, de que
seus membros irão dominar o mundo. Tudo sempre veementemente negado pelos
líderes maçons.
Fraternidade Feminina
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Maçonaria Feminina na França, por volta de 1920 / Foto divulgação Facebook |
A primeira Fraternidade
Feminina dos Maçons foi fundada em 1913 na Inglaterra. Mas antes disso, na
França, em 1882, foi iniciada, numa loja de Le Pecq, pequena cidade próxima de
Paris, Maria Deraismes, jornalista e militante pelos direitos da mulher. Dez
anos depois, Maria Deraismes junto Georges Martin, senador e homem de grande
prestigio, fundava em Paris a primeira loja maçônica mista.
Em 1908 fundou-se a
Honorável Fraternidade Anlient que teve como seu primeiro Grão-Mestre um homem,
o reverendo William Frederick Cobb. A partir de 1913 houve uma cisão e essa nova
ordem que incialmente incluía homens e mulheres, passou a restringir a entrada
apenas de mulheres e não mais admitindo homens. Se tornou uma instituição
feminista.
A Honorável Fraternidade
teve então como primeira Grã-Mestra Elizabeth Boswell Reid, que ocupou esse
cargo entre 1913 e 1933, sendo sucedida por sua filha Seton Challen. Alguns
anos depois ocorreu uma nova cisão entre elas, por briga de poderes entre francesas
e inglesas, e criaram uma nova ordem, também apenas para mulheres. Ambas seguem
exatamente os mesmos preceitos, utilizam paramentos idênticos e realizam o
mesmo tipo de cerimônias praticadas pelos maçons homens. Realizam trabalhos
comunitários e de caridade.
As lojas maçônicas
femininas têm exatamente os mesmos objetivos e ideais que suas contrapartes
masculinas e tem estruturas organizacionais idênticas. Em comparação com a
tradicional masculina ela é infinitamente menor. Tem lojas no Reino Unido e no
exterior e as duas obediências exclusivamente femininas congregam algo em torno
de 3.500 integrantes no mundo inteiro.
Pouca difundida, a
maçonaria feminina é realidade em alguns países. Originalmente incluía homens e
mulheres, mas no início dos anos 1920, foi tomada a decisão de restringir a
admissão apenas das mulheres. Sua sede está situada em Londres, e é
administrada, desde 2010, pela Grã-Mestre Zuzanka Daniella Penn. Numa
entrevista para a jornalista Clarie Jones, ao site do jornal BBC, Christine
Chapman, ex-Grã-Mestre, explica que elas, a exemplo dos maçons homens, usam
faixas e colares para especificar sua posição na hierarquia.
Chapman afirma, porém, que
os sigilos que envolvem a maçonaria servem apenas para criar fascínio e
mistério, mão para esconder “algo sinistro”. “Não estamos tentando dominar o
mundo, apesar de todas essas teorias da conspiração na internet. E nós não
estamos tentando derrubar o governo, nada disso”, esclarece. “Nós temos que
preservar o segredo somente porque é o que faz a maçonaria como algo especial”.
Indagada pela repórter se
existia algum segredo e toques aos maçons para se cumprimentarem, a então
Grã-Mestre confirmou que sim, mas recusou-se a revelar. “Entre em nossa ordem
que nós lhe passaremos todos os segredos”, sugeriu a então Grã-Mestre para a repórter Clarie Jones.
Ainda segundo a ex-Grã-Mestre,
a Grande Loja Unida da Inglaterra tem uma relação de trabalho com as grandes lojas da
maçonaria feminina. No ano passado, por exemplo, convidou as lideranças da
maçonaria feminina para participarem do evento London Open House, quando é
aberto o hall e o interior do templo da Grande Loja da Inglaterra para um
passeio monitorado.
Loja da Inglaterra
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Chistine Chapman, Grã-Mestre, e Macine Besser, Grã-Mestre Adjunta da Grande Loja Feminina da Inglaterra (fotos: Anna Godon) |
A Grande Loja Unida da Inglaterra, cuja sigla em inglês é UGLE, considerada como a loja mãe, bem como outras concordantes da tradição regular não reconhecem formalmente qualquer organismo maçônico que aceite mulheres.
Porém o site da ordem das
mulheres maçons informa que a organização delas foi convidada, no ano passado,
pela Grande Loja Unida da Inglaterra (UGLE) para participar do evento
denominado Open House (Casa Aberta), realizado nos dias 10 e 11 de setembro.
Nesse dia os visitantes, incluindo as mulheres, puderam desfrutar de uma
experiência imersiva e dar uma olhada em partes do hall, museu, salas e até
mesmo partes dos soberbos mosaicos do templo, raramente aberto para visitantes.
Tiveram oportunidades, assim como o público em geral, de falar com membros da
UGLE em trajes maçônicos durante a visitação.
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Ana Paula Campanhão, ex-Grã-Mestre da Grande Loja Maçônica Mista do Brasil (GLMMB)/Foto reprodução do Facebook |
A Ordem Maçônica Mista
Internacional Le Detroit Humain é a primeira e maior federação maçônica mista
do mundo. Com 126 anos de fundação e ininterruptas atividades essa instituição
congrega cerca de 34 mil maçons regulares em todo o mundo e tem sua sede em
Paris, na França.
No Brasil a Maçonaria
Mista iniciou-se, em 1961, em Porto Alegre (RS) com a fundação de uma loja. Era
subordinada ao Supremo Conselho da Maçonaria Mista da Assembleia Latina,
sediada no Chile.
Já a Grande Loja Maçônica
Mista do Brasil (GLMMB) foi fundada em 1968. José Hermenegildo Graciano Vieira da Luz,
Jacob Fonseca dos Santos, Ofélia Martins de Araújo Cabral. Lina Libmoff e
Alfredo Cabral foram os precursores da ideia. Alfredo Cabral foi o primeiro Grão-Mestre
e permaneceu na frente da instituição até 1984, quando faleceu e a sede foi
transferida para Bauru. Sua esposa Ofélia chegou a exercer interinamente o
cargo de Grã-Mestre.
A primeira loja maçônica a
admitir mulheres, no interior paulista, foi instalada em Bauru em 21 de abril
de 1972. A solenidade foi presidida pelo Grão-Mestre Alfredo Cabral e sua
esposa, a venerável mestre Ofélia Martins de Araújo Cabral. Nesse dia, no
templo da Loja 1º de Agosto, foram iniciadas 23 esposas de maçons.
A professora Josyléia Furlanetto e o marido, o dentista Luiz Huss Filho, fazem parte desde 2011 de
uma loja maçônica mista na cidade de Matão. O casal que morou em Londres, na
Inglaterra, sabe das dificuldades das lojas tradicionais em reconhecer as lojas
que tenham participação de mulheres. “Quando moramos em Londres sabíamos da
dificuldade que muitos brasileiros, de lojas regulares masculinas, tinham para
poder conhecer e visitar a Grande Loja da Inglaterra”, afirma, enfatizando a que
a dificuldade é maior ainda para a aceitação das lojas mistas. Um dos integrantes da Loja Maçônica Mista que leva o nome de "Igualdade e Perseverança", de Matão, é o engenheiro Ronald Tristão, que ocupa no Distrito LC-6 o cargo máximo da instituição: o de governador.
O Grão-Mestre da Grande
Loja Maçônica Mista do Brasil (GLMMB), Márcio dos Santos, que profissionalmente
atua como consultor em Tecnologia e Informações (TI), informa que sua potência
possui cerca de 20 lojas espalhadas por seis Estados, nas regiões Sul e Sudeste
do Brasil, congregando quase 300 integrantes, dos quais 56% são mulheres.
“Nosso perfil não é expansionista e não estamos preocupados em criar mais
lojas. Queremos crescer aos poucos, mas com qualidade”, afirma.
Ele critica, no entanto,
os rumores espalhados por "pseudo-maçonarias” que prometem riquezas, ganhos
fáceis e cobram taxas, pela internet, para ingressos em instituições que não
passam de golpes. Márcio Santos fala do seu sentimento de tristeza da sua ordem
ser considerada como espúria pelos maçons das obediências masculinas.
Iniciado em 1995, Márcio
levanta vários aspectos positivos em participar da ordem. Entre eles a essência
da valorização do ser humano e comunhão de ideais com pessoas distintas. Quando
ainda estava no grau de aprendiz foi identificado por um maçom de uma
obediência masculina e ficou chocado ao saber que era considerado como “espúrio”.
“A maioria confundem e usam de forma equivocada os conceitos de regularidade e
reconhecimento. A Grande Loja Maçônica Mista do Brasil é uma obediência
regular, mas não reconhecida pelas obediências masculinas brasileiras”.
“Já vi, li e ouvi,
diversas explicações que tentam justificar o motivo de mulheres não poderem
participar da maçonaria e, claro, respeito as justificativas, mas continuo a acreditar
numa maçonaria igualitária”, afirma o Grão Mestre da GLMMB. “Não vejo uma
sociedade sendo justa e perfeita, quando alija de seus trabalhos, parte
importante da sociedade, pelo mero fato de ser do sexo feminino”.
Márcio sugeriu que a reportagem falasse com a advogada Ana Paula Campanhão, que o antecedeu no cargo. Porém a Folha2 após insistentes ligações, durante quase dois meses, não conseguiu ser atendida pela ex-Grã-Mestre da GLMMB.
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