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“A bruxa está solta”. Saiba de onde vem essa expressão popular

 

"A bruxa está solta" é uma expressão popular que vem desde o Século 18 e causava pânico

Nelson Gonçalves, especial para a Folha2 

“A bruxa está solta”. Muito se fala essa expressão popular. Mas poucos sabem sua origem e como ela surgiu aqui no Brasil. A reportagem da Folha2 foi buscar onde e como surgiu essa temerosa expressão popular. E se deparou, pesquisando nos jornais da Hemeroteca Nacional, com o registro de um conto, sem identificação de autoria, que relata uma provável histórica verídica que vem bem a calhar sobre uma portuguesa, a terrível bruxa, que aterrorizou, por muitos anos, os moradores do Rio de Janeiro.

 Barbara Maria Joaquim nasceu em Portugal em 1770 e, com apenas 18 anos, veio para o Brasil com o marido. Era extremamente bela, daquelas de parar o trânsito, se bem que naquela época não havia muito trânsito por aqui. Bárbara atraía os olhares libidinosos de praticamente todos os homens da elite, mas foi mesmo se apaixonar por alguém da pobreza.

Conta a história que Barbara se apaixonou por um rapaz mulato, cujo nome é desconhecido e, com ele, passou a trair o marido lusitano. Segundo algumas versões, o marido, o último a saber, acabou flagrando os dois e, na briga que se seguiu, ela, Barbara, com agilidade e leveza no uso de uma faca, matou o esposo. Alegando legítima defesa, escapou da prisão.

Passou então a viver com seu amor moreno tropical, mas esse logo se revelou ser um desajustado e quando ela percebeu, seu dinheiro e seus bens, herdados do antigo marido, já tinham ido quase todos para o beleléu...

Outra vez ela mostrou destreza na faca e matou o amante latino e novamente alegando legítima defesa, se manteve livre.

Barbara dos Prazeres, de prostituta à bruxa de horrores

Pintura de John Willian Waterhouse, de 1891, meramente ilustrativa para retratar a prostituta do Arco do Telles, no Rio de Janeiro

Sozinha e pobre, a linda moça teve que lutar pela vida. Naqueles tempos, ainda mais do que hoje, o mercado de trabalho era restrito para as mulheres. Mas Bárbara foi à luta, escolhendo o mercado em que, sem dúvida, sua beleza garantiria sucesso: a prostituição.

Assumiu o nome de Bárbara dos Prazeres e logo se tornou conhecida por todo o Rio de Janeiro. Era uma das mais belas entre as belas. Clientes vinham de outras cidades e até mesmo de outros estados, aproveitavam a ocasião para conhecê-la.

Bastava procura-la, e torcer que ela pudesse atende-los na Travessa do Comércio, na Praça Quinze, muito conhecida pelo “Arco do Telles”, construído em 1743 para não atrapalhar o vai e vem dos transeuntes quando, naquele local, foram construídas inúmeras casas para aluguel residencial a mando de Antônio Telles Barretto de Menezes.

Era lugar chic para a época, mas que entrou em franca decadência quando um incêndio criminoso, em 20 de julho de 1790, que começou numa loja de objetos usados denominados curiosamente de “O Caga dos Negócios”, destruiu o prédio, deixando dezenas de feridos e dois mortos.

A partir desse incêndio, o pessoal chic preferiu morar em outros lugares e a região se tornou palco de boemia e prostituição.

Arco Telles, lugar para os prazeres mundanos 

Arco do Telles era um local com portas e janelas arcadas que ficou conhecido como área de prostituição na cidade do Rio de Janeiro

Pois foi ali, no “Arco do Telles” que Bárbara dos Prazeres reinaria por quase duas décadas, com a dignidade e a felicidade possível à sua situação. Mas o tempo, o maior inimigo de quem depende da beleza, é inclemente com todos e com todas as beldades. E Bárbara viu surgir os primeiros sinais da decadência estética. Algumas rugas, várias estrias, e os cabelos ameaçavam embranquecer de vez.

Além disso, havia contraído uma “doença ruim” ao atender o empresário Gomides D’Assado, o maior fornecedor de carne moída da cidade, e o mal ameaçava sair de controle e expor suas terríveis chagas.

Não se sabe exatamente como, mas Bárbara acabou convencida de que havia uma maneira de deter a velhice. Era uma receita complicada, cheia de ervas e alguns ingredientes difíceis de achar. Mas o mais chato, surpreendente e desagradável era que tinha que ser sangue fresco de criança na mistura.

Bárbara passou então a sequestrar e matar crianças para obter o seu ingrediente vital. Ela começou a atacar as crianças de rua, sem pais e nem mães que viviam perambulando pelas ruas da cidade. Atraia as crianças com doces, alguns brinquedos e atenção e as levava para casa sem ser notada. Lá, as crianças ingeriam, sem saber, ou forçadas pela faca, que ela sabia muito bem usar, as ervas. As crianças perdiam a consciência. Eram então penduradas de cabeça para baixo e sangradas até morrer

O sangue era recolhido num balde e levados a uma banheira onde rolava um banho ritualístico para ela manter a beleza e a eterna juventude.

Com o tempo, o surgimento de corpos de crianças descartados pela cidade, começaram a chamar a atenção das autoridades. Era evidente que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Bateu pavor em todos que tinham filhos pequenos. As mães trancavam seus filhos em casa antes de escurecer e até as crianças de rua passaram a andar em bandos para se proteger.

A "roda dos inocentes" nos orfanatos 

mães desnaturadas largavam seus filhos na porta dos orfanatos

A “bruxa” teve que mudar de “matéria-prima”, e passou a sequestrar e matar crianças de um nível social mais alto. Isso provocou investigações policiais, alarmismo na Imprensa e crescente pânico na população. Estava ocorrendo assassinato em massa de crianças. E esse crime precisava ser contido o quanto antes.

Bárbara passou então a buscar as novas vítimas na chamada “Roda dos Inocentes”. Antigamente, nas portas dos orfanatos havia uma espécie de bandeja giratória num dos muros, onde as mães sem condições de criar seus filhos recém-nascidos, os abandonavam, na esperança deles serem acolhidos e criados pelas freiras caridosas dos orfanatos. Geralmente essas ações eram feitas no escuro das madrugadas. Ao ouvirem o choro dos bebês, as freiras giravam a roda e resgatavam as crianças sem nem falarem com as mães.

Bárbara começou a esconder-se perto desses locais e quando alguma mulher deixava seu filho e se afastava, ela agia. Antes da roda ser girada ela ia lá e pegava a criança abandonada.

Por algum tempo foi uma espécie de crime perfeito, sem que ninguém notasse a falta desses bebês. Até que um dia a sorte a abandonou. Quando a roda girou e ela ainda recolhia a pobre criança que seria entregue para o orfanato cuidar, seu braço foi agarrado e ela foi descoberta. Mas, mesmo assim, conseguiu se safar e fugiu para nunca mais ser vista.

Barbara dos Prazeres, então com mais de 60 anos de idade, e já denominada de bruxa, passou a ser a mulher criminosa mais procurada do Rio de Janeiro. Consta que a expressão popular “a bruxa está solta” nasceu neste momento.

Seu ponto no “Arco do Telles” foi vigiado dia e noite, mas, permaneceu vazio. Ela nunca mais apareceu por lá. Jamais foi encontrada e presa.

 Em 1830, um corpo de uma mulher apareceu boiando próximo ao Lago do Paço. Mas era impossível reconhecer a vítima. O corpo estava em adiantado estado de decomposição e putrefação, mas a roupa, um casaco de oncinha, altura e algumas pulseiras levaram a polícia a concluir que fosse a terrível bruxa feiticeira.

Bárbara foi dada como morta e o caso foi encerrado, embora, por muitos e muitos anos, a população carioca acreditasse que, de alguma maneira, a bruxa pudesse estar viva e solta à espreita de crianças pela cidade.

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Com calçamento de pedras, as construções chamavam a atenção por causa das portas e janelas arcadas e por isso ficaram conhecidas como Arco do Telles

As casas do Arco do Telles era o lugar onde viviam as mulheres de vida fácil no Rio de Janeiro no início do Século 18

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