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Enéas admitiu que pintava a barba e a deixou crescer para não ser chamado de careca

Enéas admitiu que pintava a barba e a deixou crescer para não ser chamado de careca

 Enéas Carneiro, o político controverso e dono da barba mais longa da história do Brasil, admitiu, pouco antes de falecer, que pintava sua barba de preto. E que a deixou estrategicamente crescer quando resolveu ingressar para a política. “Antes quando me viam de longe, falavam: olha lá o careca. Daí passaram a falar: olha lá o barbudo”, revelou, sem nenhum constrangimento, durante entrevista, no final de 2004, para um grupo de jornalistas.

 Enéas fundou, em 1989, o Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), lançando-se imediatamente à presidência da República nas primeiras eleições diretas do Brasil, após o período da ditadura militar. Como o seu tempo na propaganda eleitoral gratuita era de apenas quinze segundos ele lançou o bordão “Meu nome é Enéas”. Isso fez com que o então desconhecido candidato, debutante na política com discurso inflamado e nacionalista, angariasse mais de 360 mil votos, colocando-o em 12º lugar entre 21 candidatos. A propaganda vinha sempre acompanhada pela 5ª Sinfonia de Beethoven.

A barba e o bordão"Meu nome é Enéas" foram as suas principais marcas


Fenômeno eleitoral em 1994

 Nas eleições de 1994 lançou-se novamente candidato a presidente. Desta vez com o tempo de 1 minuto e 17 segundos no horário gratuito. Utilizando o mesmo bordão “Meu nome é Enéas” o resultado surpreendeu as expectativas de todos. Enéas foi o terceiro mais votado, com mais de 4,6 milhões de votos (7%), posicionando-se à frente de políticos consagrados como o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, e do ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia. Ficou atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Fernando Henrique Cardoso, o vencedor da eleição.

 Em 1998, com 35 segundos disponíveis no horário eleitoral e o mesmo bordão, candidatou-se pela terceira vez para presidente. Participou de alguns debates e expôs discurso defendendo questões polêmicas, como a construção da bomba atômica. Conhecido como “o maluco da bomba atômica” ficou em quarto lugar, com 1.447.090 votos.

Em 2000 foi candidato à prefeitura de São Paulo. Obteve 190.844 votos (3,41%) ficando em sexto lugar entre os 15 candidatos na disputa.

Enéas apareceu sem barba na Câmara dos Deputados e sentou-se ao lado do Clodovil

Em 2002 bateu recorde como o mais votado 

Nas eleições de 2002 foi eleito deputado federal, com 1.573.642 votos, mais votado em números absolutos na história do Brasil até então. Com essa quantidade de votos carregou junto outros cinco candidatos do Prona para a Câmara dos Deputados, todos com votações pífias. A chamada “bancada do Enéas” só conseguiu aprovar um único projeto de lei que inseria o nome do almirante Barroso, comandante na Guerra do Paraguai, no “Livro dos Heróis da Pátria”.

 Não se pode dizer, todavia, que esses deputados não tentaram emplacar projetos. Enéas, Elimar Máximo Damasceno (o único que se manteve no Prona), Vanderlei Assis (foi para o PP). Amauri Gasques (PL), Ildei Araújo (PP) e Irapuan Teixeira (PP) apresentaram, juntos, inexpressivos 120 projetos de lei, segundo reportagem assinada pelos repórteres Ranier Bragon e Letícia Sander na edição do dia 22 de outubro de 2006 na “Folha de S.Paulo”.

Enéas tirou a barba por causa da leucemia, antes que a quimioterapia o fizesse

 Dia da verdade

 Um dos projetos era para se criar o “Dia Nacional da Verdade”, e haviam outras propostas, no mínimo, curiosas como a que estabelecia suporte psicológico a pessoas que “voluntariamente deixassem a homossexualidade” e a que transformava em contravenção penal “beijos lascivos” trocados em público por pessoas do mesmo sexo. Todas elas ou foram rejeitadas para o arquivo ou dormiram em comissões da Câmara, como a de distribuição gratuita de remédios contra a impotência sexual.

 Quatro dos deputados eleitos na sobra de votos do Enéas tiveram acusações de envolvimento na chamada “Máfia dos Sanguessugas”, que desviava dinheiro na compra de ambulâncias. Como resultado da produção quase zero, mais faltas do que presença nas sessões e laivos de corrupção, nas eleições de 2004, com exceção de Enéas, que teve 386.905 votos, ou seja, cerca de ¼ dos votos que obteve em 2002, nenhum dos integrantes da “bancada” se reelegeu. Embora residia e trabalhava no Rio de Janeiro ele foi eleito por São Paulo.

 O próprio Enéas foi acusado pelo seu motorista Levy da Costa Peres de ter embolsado verba de custeio parlamentar. Segundo matéria publicada, em 21 de setembro de 2003, pela “Folha de S.Paulo”, Enéas teria combinado com Peres de dividir meio a meio os valores apresentados como despesas.

Enéas foi fundador do Prona, partido pelo qual se elegeu deputado federal

 Nasceu no Acre e casou três vezes

Enéas Ferreira Carneiro, seu nome de batismo, nasceu em Rio Branco, capital do Acre, em 5 de novembro de 1933. Filho do barbeiro Eustáquio José Carneiro e de Mina Ferreira Carneiro, dona de casa. Perdeu o pai aos nove anos, sendo obrigado a trabalhar desde pequeno para ajudar a sustentar a si e à sua mãe. Mudou-se para Belém, no Pará. Ele chegou a trabalhar na construção civil como apontador de obras, trabalhou em açougue e foi auxiliar de escritório. Desde menino sempre deu atenção para os estudos e quando jovem trabalhou como tradutor de inglês.

 Em 1958, já morando no Rio de Janeiro ingressou na Escola de Saúde do Exército. No ano seguinte, formou-se terceiro-sargento e auxiliar de anestesiologia, sendo o primeiro aluno da turma. Em 1960 iniciou seus estudos na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Em 1962 prestou vestibular e iniciou estudos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Estado da Guanabara (atual UFRJ). Se formou em matemática e física. Aprovado em primeiro lugar começou como professor dessas disciplinas nas escolas do estado, preparando alunos para os vestibulares.

 Formou-se médico em 1965, pedindo então baixa no Exército, após oito anos de serviços no Hospital do Exército, onde auxiliou médicos em mais de 5 mil anestesias. Fundou o Curso Gradiente, pré-universitário, onde lecionou matemática, química, física, biologia e português. Se especializou em Cardiologia na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, onde foi contratado como médico assistente.

 Apesar de ser referido como “Doutor Enéas” ele, na verdade, nunca defendeu tese de doutorado. Seu título de mestre era o maior grau acadêmico de pós-graduação que obteve.

Na época em que estudava na Escola de Medicina conheceu Jamile Augusta Ferreira que se tornou sua namorada e com quem se casou posteriormente. Quando terminaram os estudos o casal teve uma filha, chamada Janete. Cinco anos mais tarde, Enéas teve outra filha, chamada Gabriela, de sua união com a fonoaudióloga Selene Maria, relacionamento que, como o anterior, não foi duradouro. Enéas, por volta de 1982, casou-se com a promotora da auditoria militar Adriana Lorandi. Com ela teve sua terceira filha, Ligia. O casal acabou se separando. Segundo Enéas, ele precisou se desfazer de muitos bens para poder criar o Prona. “Ela não aguentou. Torrei todo meu patrimônio, uns imóveis e joias porque queria construir o Prona”, afirmou.

Eneas Carneiro no programa "Roda Vida", da TV Cultura

 Leituras marxistas

Em sua juventude, Enéas se interessou pela leitura dos textos de Friedrich Engels, alemão que junto com Karls Max fundou o chamado socialismo cientifico ou marxismo. Tornou-se entusiasta do socialismo cientifico. Segundo suas próprias palavras. Ele sonhava com o socialismo, mas deixou de ser adepto dele porque quando o Estado toma conta dos meios de produção, a competição some e a sociedade entra em letargia e não se desenvolve.

Enéas criticou a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e depois ao Afeganistão. Em seu livro “Um Grande Projeto Nacional”, ele critica várias privatizações, como a da Vale das telecomunicações.

Ele defendia a construção de uma bomba atômica no Brasil. “Não para jogar em ninguém, mas para sermos respeitados”, afirmou para a revista IstoÉ, que isso permitiria ao país “conversar com condições de igualdade” com as maiores potências militares do globo terrestre. Ele também se pronunciou sobre a pena de morte. “Como médico eu jamais poderia apoiar a pena de morte. Como estadista, visto que isso é de uma seriedade extraordinária, faria uma consulta à população, medida que já é prevista. Como home se eu vesse uma criança sendo estuprada, tenho certeza que nesse momento seria capaz de matar quem cometesse esse crime”.

Segundo Enéas, sua entrada na vida política deveu-se às reclamações de sua esposa, que estava saturada de suas queixas à situação do país e dos políticos. Analisando viu que não se encaixava em nenhum partido, além do que todos eles “tinham dono” e não o deixariam sair candidato a presidente. Resolveu então montar seu próprio partido, que dizia ser diferente de todos os que já existiam.

No inicio de 2006, Enéas passou por sérios problemas de saúde, uma pneumonia e uma leucemia mieloide aguda, fazendo que ele optasse por retirar sua emblemática barba, antes que a quimioterapia o fizesse. Depois de três semanas afastado de Brasília, ele reapareceu no dia 5 de abril daquele ano no plenário da Casa. Sentado em um canto do plenário, era observado, primeiro com curiosidade, depois com espanto pelos que o reconheciam. Procurava tranquilizar a todos: “Sou a mesma pessoa”. Recusou-se a dizer quando exatamente retirou sua barba. “Eu tenho direito de não ter barba, não tenho?”. Foi candidato a reeleição e teve de mudar seu bordão para “Com barba ou sem barba o meu nome é Enéas”.

“Nunca imaginei que o fato de ter raspado minha barba fosse notícia nacional. O importante é que continuo sendo o mesmo”, afirmou, na tribuna da Câmara, para explicar, para seus colegas, num palavreada rebuscado, os motivos de seu afastamento por problemas de saúde. “Tudo começou com uma dificuldade de locomoção que, após a semiótica clássica, inclusive com a ressonância magnética, consubstanciou-se numa vasculite na região poplítea. A consequência propedêutica selou o diagnóstico”, explicou.

Enéas morreu em 6 de maio de 2007, aos 68 anos, vitimado pela leucemia, após ter desistido do tratamento quimioterápico e abandonado o hospital onde era tratado, o Hospital Samaritano, por acreditar que seu tratamento não mais surtiria efeito. Seu corpo foi velado no Memorial do Carmo e cremado. O último pedido de Enéas foi que sua família jogasse suas cinzas na Baia da Guanabara.

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