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Casarão onde morou Dona Beja é hoje o Museu Regional que leva o seu nome em Araxá (MG) |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
Dona Beja foi uma mulher
diferenciada para o seu tempo. Ao mesmo tempo em que atraia homens, despertava
ódio das mulheres, uma vez que tinha relações com homens casados. Se não fosse
ela, o Triângulo Mineiro não pertenceria à Minas Gerais e seria Triângulo
Goiano, fazendo parte de Goiás.
Nascida como Ana Jacinta de São José em 2 de janeiro de 1800 ela ficou conhecida como personalidade histórica brasileira por ser influente e poderosa em Araxá (MG). Foi graças a ela que todo o território do conhecido como Triângulo Mineiro, que engloba 66 cidades, como Uberaba, Uberlândia, Araxá, Araguari e Patos de Minas, deixou de pertencer a Goiás para ser incorporado à Minas Gerais.
Ela nasceu em Formiga, no
sudeste mineiro, e chegou com sua família em Araxá, em 1805, quando tinha 5
anos. Conforme foi crescendo, foi sendo reconhecida como a moça mais bonita da
região por causa da sua pele clara, cabelos loiros e olhos verdes. Seu avô lhe
deu o apelido de Beja por dizer que sua beleza era rara como a flor do beijo.
Beja chegou a se encantar por
Manoel Fernando Sampaio, seu colega de escola, mas, aos 15 anos foi raptada por
Joaquim Inácio Silveira Motta, temeroso homem de confiança do rei Dom João 6º.
Foi levada então para viver clausurada na Vila do Paracatu, distante a quase 400 quilômetros
de Araxá. A jovem ficou presa nessa situação por dois anos, vivendo como concubina
de Motta, até que o rei exigiu o regresso de Joaquim para o Rio de Janeiro,
porém sem Beja que precisou voltar, endinheirada, para Araxá.
Ao chegar em Araxá, ela
enfrentou ambiente hostil. A sociedade conservadora não concordou em vê-la como
vítima, mas como uma mulher sedutora e de comportamento questionável. As
mulheres da cidade a consideravam como um grande risco aos valores éticos da
época. Sendo rejeitada pela sociedade, não podendo nem mais frequentar a igreja,
ela decidiu então construir um casarão, o maior da cidade, e transformá-lo, em
tom provocador, num bordel.
Levou outras mulheres da
vida para o Casarão e ela mesmo passou a se prostituir no local, fazendo questão
de só deitar-se com homens casados da cidade, um diferente a cada noite e à sua
escolha. E assim ela escandalizou a cidade, passou a se encontrar com homens que
dominam a política regional. E, lógico, em contrapartida exigia favores de seus
amantes.
Manoel Sampaio, seu primeiro
e único amor, apareceu no bordel um dia e a estuprou. Resultou-se numa gravidez
e ela deu a luz a uma menina. Decidiu então deixar Araxá. Mudou-se com a filha
para a cidade mineira de Estrela do Sul, onde fez fortuna negociando ouro e
diamantes dos garimpeiros da região. Viveu luxuosamente até falecer, aos 73
anos, de insuficiência renal, em 1873, em Estrela do Sul, quando a cidade ainda
se chamava Bagagem.
História retratada em livros, novelas e filmes
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Maitê Proença no papel de Dona Beja, em novela que foi ao ar pelas TVs Manchete e SBT |
A história de Dona Beja já
foi retratada em livros, filmes, romances e virou novelas, que foram exibidas pelas
TVs Manchetes, SBT e uma minissérie pela Rede Globo. Em 2010 ganhou até uma
nova versão em espanhol, produzido pela Telefutura para exibição nos países latinos.
Neste ano de 2024 a produtora Floresta lançou também um filme para ser exibido
pelo serviço de streaming.
Ao ser estreada na Manchete,
a novela teve como estrela principal no papel de Dona Beja a atriz Maitê
Proença. “Ao todo, fiz cinco cenas de nu. E, na época, resultou bonito, porque
era muito bem feito, inserido no contexto”, explicou Maitê, para uma recente
entrevista a uma revista.
Quando Silvio Santos
relançou a novela, em 1986, o SBT dobrou a audiência da emissora, chegando
quase a empatar com as novelas da Globo. Pela internet, a novela se tornou
fonte de renda para alguns, com a venda de DVDs piratas, com compactos dos capítulos
por até R$ 180.
Entre tantos escritos
sobre ela, o advogado Thomas Leonardo escreveu, em 1957, o livro “A Feiticeira
do Araxá”, biografia romanceada contando a história de Dona Beja. A Escola de
Samba Acadêmicos do Salgueiro, no Rio de Janeiro, inspirou-se no livro de Thomas
Leonardo e usou o título como tema no desfile carnavalesco de 1968, ganhando na
época os prêmios de melhor enredo e melhor encenação.
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Museu Regional Dona Beja voltou a reabrir depois de estar quatro anos fechado para reforma |
Em 4 de setembro de 1965 o
casarão construído por ela, onde viveu e passou por tempos de sua vida, foi
tombado como patrimônio público e transformado no Museu Regional Dona Beja
pelo jornalista Assis Chateaubriand. Foi o primeiro museu do pais de uma série
de museus regionais criado por Chateaubriand. O museu se tornou “um presente
para a cidade”, quando Araxá comemorava 100 anos de emancipação político-administrativa.
Na época a revista “O Cruzeiro” e o jornal “Estado de Minas Gerais” deram ampla
cobertura à inauguração e para a história de Dona Beja.
Após o falecimento do jornalista Assis Chateaubriand em 1968, a Prefeitura de Araxá e o Jornal Estado de Minas (detentor dos Diários Associados) assinaram acordo de comodato passando para a prefeitura a responsabilidade administrativa do museu. Em fevereiro de 2017 o imóvel foi, finalmente, adquirido pelo município, após acordo entre o jornal e a Prefeitura de Araxá..
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A cama utilizada por Dona Beja no casarão construído por ela está preservada no museu |