Eny Cezarino ficou tão famosa que virou tema de livro e de várias mini-séries no Youtube |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
O maior e mais luxuoso prostíbulo do Brasil,
inigualável em toda a América Latina, fez a cidade de Bauru ser imensamente
conhecida. Impossível quem viveu entre os anos 1960 a 1980 nunca ter ouvido
falar da famosa Casa da Eny. Era famosa. Passaram pelos seus aposentos mais de dois
terços dos deputados paulistas da época, muitos governadores, prefeitos,
vereadores, fazendeiros, delegados de polícia, militares de alta patente e pelo
menos dois presidentes da República.
A pista de dança, ao ar livre, tinha o formato de
violão, cuja “braço” era a entrada para a churrascaria que funcionava no local
e atendia grupos oriundos de muitas convenções políticas e empresariais, realizadas
em Bauru. Tudo muito luxuoso e de uma beleza e requinte inconcebíveis para um
bordel.
O jornalista Lucius de Mello, ex-repórter da
afiliada da Rede Globo em Bauru, escreveu o livro “Eny e o Grande Bordel
Brasileiro”, onde relata detalhes da vida da famosa cafetina Eny Cezarino. “Nunca
houve uma dona de cabaré como Eny Cezarino”, afirma o autor em seu livro. “Ela
esteve à frente de um dos mais poderosos, famosos e prestigiados templos de
sexo no país: a Casa de Eny, um verdadeiro cenário hollywoodiano”. Pela propriedade
transitaram celebridades, homens de negócios, políticos e até religiosos. A
cafetina não media esforços para oferecer conforto e o máximo de prazer aos
seus frequentadores. Para isso contava com 40 quartos, duas suítes, além de uma
estrutura enorme de fazer inveja para qualquer hotel de luxo. E, claro, dezenas
de deslumbrantes mulheres.
Lucius faz uma biografia romanceada da estrelada Eny. O livro é fruto do trabalho de dez anos de pesquisas. O cotidiano do bordel, os clientes famosos e suas meninas prediletas. Os segredos de alcova e os favores políticos. Fetiches e escândalos. Prazeres e vingança. Tudo é relatado de forma detalhada no livro.
Eny era querida pelo público e pelas suas funcionárias |
Mulher requintada e ousada
Filha de um imigrante italiano casado com uma francesa,
Eny nasceu em 1926 no bairro da Aclimação em São Paulo. Criada com uma sólida
educação familiar para casar e ter o mesmo destino reservado às moças da
sociedade paulistana. A bela e temperamental moça ajudava a família, entregando
marmitas nas ruas de São Paulo.
Mas ela sempre foi ousada. Queria muito mais. Saiu
jovem de casa para trabalhar fora. Morou em Uruguaiana e aportou aos 23 anos,
em 1940, para trabalhar em Bauru. Foi inquilina da dona Nair, na Pensão
Imperial, onde foi gerente, arrendou e finalmente comprou o “ponto” e o
transformou numa das mais famosas casas da antiga zona do meretrício, na rua
Rio Branco, no centro de Bauru. Logo se destacou das demais casas vizinhas,
pela sofisticação, luxo e qualidade das mulheres. O local ficou conhecido como “formigueiro”
devido a quantidade de homens que faziam fila para poder entrar.
Discreta, bonita e elegante, Eny conduziu sua vida
com a audácia de uma mulher de negócios. A zona do meretrício na área central
da cidade, começou a incomodar a vizinha. Quando as autoridades determinaram o fechamento
da zona, a visionária Eny comprou uma área distante, no trevo de entrada da cidade
– que hoje leva seu nome --, e investiu pesado. Seduziu muitos homens, que
ajudaram a construir seu império do prazer em Bauru. Implacável conselheira e
caridosa sedutora, Eny conviveu com poderosos e com os mais necessitados. Ficou
rica. Discretamente, ajudou a patrocinar campanhas políticas. Além do imenso
casarão na beira da rodovia era proprietária de outros 26 imóveis. Mas por incrível
que pareça morreu pobre, aos 69 anos, numa cama de hospital público de Bauru.
Ela nunca deixou de ajudar sua família e criou dezenas dos filhos das meninas
de seu bordel. Doava regularmente, mesmo depois de perder seu patrimônio,
comidas e brinquedos para os orfanatos de Bauru.
Para muitos de seus funcionários, Eny era conhecida como “mãezona”. Pagou estudos para seus sobrinhos de adoção e filhos de muitos funcionários. Para as meninas dava aulas de etiqueta e comportamento. Fazia questão que andassem sempre bem arrumadas, maquiadas, com roupas elegantes e fossem quase diariamente ao cabeleireiro. Ajudou a manter, por anos, muitos salões de beleza. As moças eram levadas ao cinema para assistirem filmes e copiarem os gestos e trejeitos de Sophia Loren, Brigitte Bardot e Elizabeth Taylor, musas, na época, da sétima arte.
As roupas, a maquiagem e os peteados eram inspirados nas musas do cinema |
Ponto turístico para a cidade de Bauru
Gerson de Souza entrevista Zarcilo Barbosa, que fala que a Casa de Eny se transformou em ponto turístico para a cidade de Bauru |
O jornalista e professor universitário Zarcilo Barbosa contou, numa
entrevista para o colega Gerson de Souza, ter levado comitivas de políticos e
até de repórteres estrangeiros que chegavam na cidade já perguntando onde
ficava a Casa de Eny. “Todos queriam ir e tinha curiosidade de conhecer o
bordel mais famoso do Brasil”.
O humorista Chico Anysio revelou numa entrevista
para a jornalista Marília Gabriela ter frequentado a Casa de Eny. Contou ter se
hospedado, por várias vezes no local, e inclusive transado com as meninas disponíveis.
Garantiu, no entanto, que nunca pagou pelos “programas”. “Elas vinham porque
gostavam de mim”, gabou-se.
Garçons e antigos funcionários que trabalharam no local contam terem visto ou souberam da presença de muitas celebridades. Além de Chico Anysio, evocam os nomes dos artistas Juca Chaves, Clodovil, Jô Soares, Vinicius de Moraes e até do “rei” Roberto Carlos. O local também era palco para orgias de técnicos e astros do futebol. No mundo político e empresarial falam-se, reservadamente, dos nomes de quase todos presidentes de bancos, grandes industriais, e de famosos como Laudo Natel, Paulo Maluf, Orestes Quércia, José Sarney, entre outros. Não se sabe se é lenda, ou realidade, mas há quem diga que a Casa de Eny tinha até entrada secreta pelos fundos para grandes personalidades que não podiam se expor.
A fotografia tirada em 2006 ainda mostrava o antigo letreiro da fachada que identificava o bar e restaurante da Casa de Eny, no trevo de entrada da cidade de Bauru |
Do auge à decadência
Eny em fotografia feita, em 1982, para a Revista Fatos & Fotos, quando já anunciava a intenção de fechar seu estabelecimento |
No final da década de 1970 e começou dos anos 80 o número de motéis se multiplicava. E, aos poucos, Eny e suas funcionárias foram perdendo clientes. A cafetina explicou o processo de falência de sua casa em uma entrevista para a revista Cruzeiro, na qual disse o seguinte: “Está na hora de eu fechar, porque nunca vi profissional perder para amador”. Ela se referia a liberação do sexo consensual pelas mulheres. Não havia mais necessidade do sexo pago para necessidade dos homens.
Além da diminuição significativa da clientela, Eny
toou um golpe de seu contador, que fugiu para Paris, com parte de suas
economias e capital de giro, acumulado ao longo de anos de trabalho na noite,
para viver o sonho de se transformar transformista.
Não restou outra alternativa a não ser fechar a casa e vender o local, em 1983, para um médico psiquiatra montar ali um hospital para atender doentes mentais. Endividada, a dona do bordel mais famoso do interior paulista e conhecida em todo o país, morreu pobre, levando consigo segredos revelados por poderosos nas beiradas das camas e dos balcões do seu estabelecimento, que nunca teve outro igual no Brasil.
Jardins floridos e mulheres luxuosas faziam parte do cenário da Casa de Eny |
Livro que retrata a história de Eny e seu bordel está a venda na Amazon |
Foto tirada em 2015 mostra a grandeza da área de 15 mil metros quadrados, ocupada durante mais de 20 anos pelo bordel mais famoso do Brasil |
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