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Mazzaropi adorava ficar em Termas de Ibirá, conta ex-funcionário do humorista

Mazzaropi, o caipira amado por todo o Brasil e que se tornou bilionário


Por Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

Amácio Mazzaropi era um visionário. Foi ator, humorista, empresário nato e exemplo de sucesso que talvez não vejamos mais. Seus filmes provocavam, por todo o Brasil, imensas filas nas portas dos cinemas. O professor e ator Cézar Câmara, cujo pai Hermes Câmara e boa parte de sua família, assim como ele, trabalhou para Mazzaropi revelou, recentemente numa entrevista para um canal do Youtube, que um dos locais preferidos do artista era o Hotel Cassino Termas de Ibirá, localizado no distrito de Ibirá, famoso pelas águas termais na região de São José do Rio Preto.

Segundo Cézar, Mazzaropi viajava muito a trabalho e também para lazer e passeios. “Eu sei que ele adorava estar nesse hotel de luxo em Termas de Ibirá, que na época era muito famoso por todo o Brasil e frequentado por artistas e políticos porque era um dos poucos onde funcionava cassino e tinha salão de baile”.

Cézar conheceu Mazzaropi porque seu pai trabalhou, em 1962, em “Vendedor de Linguiça”, um dos primeiros filmes do artista. Além do pai, o tio Rogério Câmara, sua tia Guiomar, vários primos e primas trabalhavam em diversos filmes de Mazzaropi. “Em 1977 fui contratado pelo próprio Mazzaropi para trabalhar como fiscal de filmes”, revela Cézar, contando que naquele tempo a empresa PAM Filmes (Produções Amácio Mazzaropi) possuía 25 fiscais de filmes viajando por todo o Brasil para fiscalizar a exibição dos filmes. “O Mazzaropi queria saber quanto rendia a bilheteria em todos os filmes dele, exibidos nos cinemas por todo o Brasil”. Ele tinha um controle rigoroso disso e sabia quantas pessoas tinham na plateia e qual o valor arrecadado em cada exibição. “Nós viajávamos muito, de cidade em cidade, em todos os Estados brasileiros. O filmes eram exibidos sempre com casa cheia. E o lucro evidentemente era alto”, acrescenta Cézar. 

O filme “Casinha Pequenina” remetia a algo pequeno no nome, mas dava lucro grande para a empresa. “Esse foi o filme do Mazzaropi mais vezes reprisado por todo o Brasil e rendia tanto dinheiro que mantínhamos uma conta separada no banco Bamerindus somente para depositar os recursos provenientes desse filme”, conta Cézar, para acrescentar que quando Mazzaropi iniciava a produção de outro filme já tinha todo o dinheiro suficiente em caixa realizar as filmagens. “Mazzaropi nunca precisou e nem foi atras de ninguém, porque realmente nunca precisou pedir dinheiro emprestado quer seja de instituições financeiras, quer seja do governo ou de empresas privadas para produzir seus filmes. Somente a exibição do ‘Casinha Pequenina’ já bancava os custos de tudo”.

Outro ponto positivo contado por Cézar sobre Mazzaropi é sobre o carinho que ele tinha por todos seus funcionários. Trabalhavam cerca de 300 funcionários com ele na época auge do cinema. “Chegava no final do ano ele pagava o 13º salário, que era obrigatório, e pagava ainda para todos funcionários o 14º salário. Era um dinheiro importante que ajudava muito a todos nós”, lembra Cézar.

Cézar Câmara lembra que em 1980 Mazzaropi o chamou para que fosse gerente do escritório da PAM Filmes que seria aberto em Porto Alegre. “Ele já mantinha escritórios para cuidar da distribuição de seus filmes em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, Vitória, Salvador, Curitiba, em Ribeirão Preto e iria abrir um novo escritório em Porto Alegre”, revelou. “Mas isso acabou não se concretizando porque logo ele veio a ser internado e faleceu em 1981”..

Cézar Câmara, durante entrevista para o programa do Mazaropinho Caipira, lembra do tempo em que ele trabalhou com Amácio Mazzaropi como fiscal de seus filmes

Jeca, o caipira que o Brasil amava

Mazzaropi no papel de Jeca, o caipira que encantou o Brasil com seu humor puro e simples

O lendário humorista conseguiu confundir sua própria pessoa com seus personagens. “Mazzaropi ficou bilionário fazendo cinema no Brasil. Mas ele negava isso por medo de ser assaltado”, revelou o ator, diretor, produtor e biografo do artista, Paulo Duarte, em entrevista para o portal Terra. 

Duarte é autor do livro “Mazzaropi – Uma Antologia de Risos”, onde garante que o artista era muito mais sofisticado em seu cotidiano do que demonstrava publicamente: “Mazzaropi morava em casa com lareira, tinha amigos na Academia Brasileira de Letras, possuía carros importados, frequentava teatros, gostava de ópera, de música clássica. Então era o falso caipira. Mas na verdade, o personagem era um caipirão, mas ele mesmo não. Vestia-se bem, era vaidoso, estava sempre de terno e gravata. Usava até smoking”.

Para Duarte, o personagem caipira se tornou um símbolo para o público porque justamente se identificou com suas características, que mostrava nas telas o caipira em conflito com a modernização do mundo: “Quando o público ria do Mazzaropi, ria mais por uma identificação, porque estava se vendo na tela, rindo dele mesmo”.

História de sucesso

Os estúdios de Mazzaropi possuia o que tinha de melhor no mundo cinematográfico 

 A história de Amácio Mazzaropi é marcada por muita determinação na busca pelos seus objetivos. Filho do italiano Bernardo Mazzaropi e da paulista Clara Ferreira Mazzaropi, Amácio teve uma infância muito pobre. Ele nasceu em São Paulo e morou no bairro Santa Cecília. Aos 14 anos a família mudou-se para Sorocaba, mas o desejo de se tornar artista o levou para Curitiba (PR), para viver com um tio. Lá encontrou o faquir Ferry e chegou a fazer alguns números no picadeiro de um circo.

Seu sucesso começa no teatro, mas logo veio a projeção no rádio e na televisão. No programa Rancho Alegre conheceu a atriz Geni Prado, sua companheira artística por toda a vida. Ela atuou em 28 dos seus 32 filmes. Produziu oito filmes pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, onde ganhou fama e se transformou no rei do cinema. Em 1958 fundou a sua própria produtora: a PAM Filmes.

Somente pela PAM Filmes produziu 24 filmes que levaram às salas de projeções no Brasil 206.779.311 expectadores. Para se ter ideia da imensidão deste público, basta dizer que a população brasileira, segundo o Censo de 2020, foi de 211.755.692 habitantes. Ou seja, praticamente o Brasil inteiro assistiu pelo menos um dos filmes de Mazzaropi nos cinemas. Os filmes do Mazzaropi estão disponíveis em diversos canais do Youtube e também podem ser vistos, aos domingos, numa série levada ao ar pela TV Cultura de São Paulo.

Em 1962, Mazzaropi comprou a Fazenda da Santa, em Taubaté, e a transformou em seu primeiro grande estúdio, com mais de 1.400 metros quadrados. Depois construí seu grande espaço de gravações e um hotel, onde hoje funciona o Hotel Fazenda Mazzaropi.

Amácio Mazzaropi era solteiro. Mas criou cinco filhos adotivos. Para André Luiz Toledo Filho, o mais novo dos filhos, o pai era uma pessoa que estava cem anos à frente de seu tempo.

Vida pessoal de Amácio Mazzaropi

Amácio Mazzaropi, em seu escritório se vestia sempre com terno e gravata, ao contrário do esterotipo criado por ele para as telas do cinema

A vida intima de Amácio Mazzaropi sempre foi uma incógnita. Ele nunca se casou. E tão pouco era visto com mulheres em sua volta. Era visto como um homem tímido e discreto. Sabe que ele teve um breve romance com uma colega de trabalho, a atroz Olga Crult, na década de 1930. Por ser um solidário, ocorreram diversos rumores de que ele era homossexual, fato que nunca foi comprovado, mesmo após a sua morte. Há também rumores de que ele detinha um amor platônico por Hebe Camargo, de quem foi amigo pessoal.

Apesar de não ter tido filhos, Mazzaropi foi pai de criação e padrinho de cinco rapazes. Alguns chegaram a atuar em muitos de seus filmes e foram administradores das suas empresas e fazendas. 

Depois de 26 dias internado, Mazzaropi morreu em 1981, vitimado por um câncer na medula óssea, aos 69 anos de idade, no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Foi sepultado na cidade de Pindamonhangaba, a seu pedido, no mesmo cemitério onde seu pai fora sepultado.

Homenagens à Amácio Mazzaropi

Artista representa Mazzaropi no desfile carnavalesco da escola de samba do Tucuruvi

No Carnaval de 2013, a Escola de Samba paulistana Acadêmicos do Tucuruvi prestou homenagem a Mazzaropi pelo centenário do seu nascimento, ocorrido em 2012, apresentando o enredo “Mazzaropi, o adorável caipira: 100 anos de alegria”.

Em 2015, a Companhia Artes das Águas, de Ibirá (SP), montou o espetáculo musical caipira “Mazzaropi, um certo Sonhador”, em homenagem a história de vida e obra do “Jeca brasileiro”. A peça segue em cartaz até os dias de hoje, viajando e fazendo apresentações por todo o Brasil. Já acumula mais de 160 apresentações 80 prêmios nacionais.

A dupla Pena Branca e Xavantinho dedicou a ele uma toada chamada Mazzaropi, incluída no LP “Cantadô de Mundo afora”, lançado em 1990. Outra homenagem ao artista é o filme longa-metragem “Tapete Vermelho”, em que o ator Matheus Natchtergaele vive o papel do caipira com mesmo andar e o mesmo tom de voz do ídolo do cinema nacional.

Inaugurado em 1992, o Museu Mazzaropi está localizado na antiga propriedade da fazenda onde eram produzidos os filmes do artista consagrado pelo teatro, televisão e cinema.

O Humorista Dedé Santana também rende homenagens à Mazzaropi, de quem se diz fã. Dedé conta que, Mazzaropi era muito amigo de seus pais e se apresentou por várias vezes no circo de sua família.

Dedé contou com emoção um fato curioso: “Quando comecei a fazer filmes eu precisava de uma câmera e só o Mazzaropi tinha essa câmera aqui no Brasil. Me disseram que ele não empresta seus equipamentos para ninguém. Mas mesmo assim eu fui lá na fazenda em Taubaté falar com ele. Falei e na hora já sai com câmera. E todo mundo ficou admirado porque ele não emprestava seus equipamentos para ninguém”..

Caipira Mazoropinho 

Pedro Rogério interpreta o Mazaropinho caipira no canal do Youtube

Pedro Rogério criou personagem, baseado no Jeca, o caipira que o Brasil inteiro amava, e um canal no Youtube para divulgar a obra de Amácio Mazzaropi. E um dos episódios ele conta que que os bens da rica herança deixado pelo artista, depois de muitas brigas na justiça, acabou indo para leilão em 1984. Foram 42 lotes, entre fazenda, casas, carros de luxo, equipamentos cinematográficos, linhas telefônicas numa época em que possuir uma linha de telefone era artigo de luxo. O leilão ocorreu no Teatro Zácaro. 

Caipira Mazaropinho é o personagem interpretado por Pedro Rogério. Ele conta tristemente que para o terceiro lote do leilão, que incluíam os filmes do Mazzaropi, não teve interessados. "Não valorizaram a maior obra deixada por Mazzaropi, que foram seus filmes", lamenta.

Teve disputa acirrada no leilão pela área de 22 mil metros quadrados, que incluía o estúdio com mais de 1.400 metros quadrados de área construída. Também teve disputa pelos três Landaus e pela coleção de carros importados de Mazzaropi. Outra disputa grande foi pelos equipamentos cinematográficos da PAM Filmes.

“Mazzaropi tinha em sua produtora tudo o que tinha de melhor em câmeras, microfones, gruas, enfim era um arsenal imenso de equipamentos, coisa que nem em Hollywood tinha”, afirma Mazaropinho. Ele também revela que o jornalista Saulo Gomes ao produzir matéria para o programa Flávio Cavalcanti sobre a herança deixada pelo artista que foi ameaçado de morte por eventuais herdeiros da fortuna deixada por Mazzaropi.

Ainda em vida ao ser perguntado por uma entrevistadora de televisão sobre qual seria o destino de sua herança, Mazzaropi disse que caberia a Deus decidir. “Essa é a contribuição que deixo para o cinema nacional porque quando eu morrer não vou poder levar tudo isso para o túmulo né, pois iria precisar de muitos defuntos e ainda assim acho que não caberia tudo”.

Para quem se interessar em assistir o canal do Caipira Mazaropinho, basta clicar aqui.

Mazzaropi em cena do filme "O Xerife Pistoleiro"

Em todos os seus filmes Mazzaropi cantava, e sem dublar, músicas compostas especialmente para ele


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