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Dona Carmem estava sempre sorrindo e com esse sorriso ela abria todas as portas |
Por Nelson Gonçalves, especial para a Folha 2
O casamento entre a jornalista Carmem de Revorêdo Annes Dias e o
médico Dr. Antônio Prudente Meirelles consolidou-se com a fundação da Rede
Feminina de Combate ao Câncer, em 1946, e com a construção do hospital A.C.Camargo,
inaugurado em 1953, em São Paulo. Hoje o hospital encontra-se entre as três
maiores referências do mundo no tratamento da doença. O médico era neto de
Prudente de Moraes, o primeiro presidente civil do Brasil, e ela era filha do renomado Dr.
Heitor Anne Dias, médico da família do presidente Getúlio Vargas, a quem ela
assessorava como secretária. Carmem também atuava como jornalista correspondente do jornal Diário Associados, de Assis Chateaubriand.
Foi em 1938, durante uma viagem pela Alemanha,
quando Carmem secretariava o pai, que presidia uma delegação de médicos, que os
olhares de ambos se cruzaram. Carmem contava que quando o viu pela primeira vez
achou-o um grandalhão antipático, sério e sisudo. Dr. Antônio encantou-se com
aquela morena, de 27 anos, seis anos mais nova do que ele, muito alegre
comunicativa e fluente em cinco idiomas. Foi na volta da viagem, durante um jantar
no transatlântico de luxo, que Dr. Antônio timidamente passou para Carmem, por
debaixo da mesa, um livro de sua autoria com uma dedicatória, quase que
profetizando: “Que Deus nos una para sempre e que nosso pensamento seja um só:
a luta contra essa doença terrível”.
Os dois se casaram dois meses depois, na Igreja do
Rosário, no Rio de Janeiro. Carmem e Dr. Antônio viveram 27 anos juntos, de 1938
a 1965, quando ele faleceu. O casal não teve filhos. “Só um de concreto”, dizia
ela, referindo-se ao Hospital do Câncer. “Esse filho de concreto nos deu muita
alegria, tristeza e preocupação”.
Sorriso era a marca registrada de dona Carmem
Desde os seus primeiros registros fotográficos, em
todas as situações de convívio social, dona Carmem sempre apareceu com seu
enorme sorriso, ostentando um enfeite que era a sua marca registrada. Era uma
benção pela qual se esforçava para espalhar alegria para todos à sua volta. Ela
era, desde adolescente, fluente em espanhol, italiano, inglês, francês e alemão.
Já adulta, aprendeu a falar russo e japonês. E estava aprendendo árabe, pouco
antes de falecer em 3 de julho de 2001, em decorrência de uma pneumonia. O
marido faleceu em 1965, após infarto, decorrente de complicações do diabetes
com o qual lutava havia anos.
Carmem escreveu 15 livros e cruzou os cinco
continentes. Em todo lugar que fosse, proferia palestras perante auditórios
categorizados, como congressos, simpósios e organizações assistenciais. Todos
os seus livros tiveram renda revertida integralmente para obras assistenciais
do hospital.
Quando Carmem e Dr. Antônio colocaram em funcionamento
a Rede de Combate ao Câncer se alistaram para essa organização mais de 31.000
pessoas formando 200 núcleos em todo o Brasil. Quando o hospital foi
inaugurado, em 1953, contava com 307 leitos, corpo clínico com 92
especialidades, cirurgiões, radioterapêutas, laboratoristas e 35 enfermeiras da
Cruz Vermelha Alemã. O casal esteve visitando a Disneylândia e lá encontraram
com Walt Disney e o convenceram a pintar e doar 11 quadros de seus personagens
para enfeitar as paredes do setor pediátrico do hospital.
Por onde o casal ia, pedia doações para o hospital.
Depois da morte do marido, ela intensificou ainda mais sua dedicação às obras
do hospital, referência internacional no tratamento, ensino e pesquisa sobre o câncer.
Na década de 1970 iniciou campanha para a construção uma nova ala, maior do que
a existente e inaugurada em 1973.
Difícil não era impossível
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Carmem, sempre sorrindo, com o marido Dr. Antônio Prudente |
Para Carmem, o difícil não significava impossível.
E se assim fosse, Santa Rita de Cássia, de quem era devota, daria um jeito. Assim
foi, após longas tratativas, que conseguiu convencer o sisudo prefeito Jânio
Quadros para que a prefeitura bancasse a contratação das primeiras professoras
para a escola, que funcionava anexa ao hospital, para ajudar na autoestima e
ansiedade dos pequenos pacientes, facilitando os tratamentos.
Inaugurada em 1987 foi a primeira escola hospitalar
do país voltada especialmente para as crianças em tratamento. A escola contou
com apoio do professor Paulo Freire, que desenvolveu método de educação em moldes
diferenciados dos tradicionais e com conteúdo adaptado.
A família de José Ermírio de Moraes, controladora
do Grupo Votorantim, durante décadas foi mantenedora do Hospital A.C. Camargo,
arcando com cerca de 30% de suas despesas. José Ermírio exerceu a presidência
do hospital por 15 anos, até 1990. Seu filho, José Ermírio de Moraes Neto, após
o falecimento do seu pai, passou a presidir o Conselho da Fundação Antônio
Prudente.
Maricha Angielczyk, uma judia polonesa, que atuou
como voluntária por 40 anos no hospital, contou, numa entrevista para o jornal “O
Estado de S. Paulo” algumas passagens interessantes sobre a importância e
reconhecimento de dona Carmem. “Saiamos todos os dias com a perua Kombi do
hospital para solicitar doações em fábricas e lojas, especialmente no bairro
Bom Retiro. Nunca a via sair de qualquer lugar de mãos vazias. Sempre alegre e
comunicativa, ninguém resistia à sua simpatia e ao seu sorriso inigualável”, contou.
“Os funcionários das lojas e das fábricas se
acotovelavam para conhece-la de perto. E sempre voltávamos com a perua lotada
de doações. Como ela não dirigia, a Maria Genoveva, uma voluntária, a levava
para todos os lados, em seu Fiat, um ‘caixotinho branco’. Um dia, Genoveva
entrou na contramão em plena Praça do Correio. O guarda de trânsito já veio todo
bravo, mas quando viu a dona Carmem dentro do carro, parou o trânsito para que
a Genoveva manobrasse e saísse em segurança”.
Nome do hospital, homenagem ao professor
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O médico Antônio Cândido Camargo, pioneiro no tratamento de câncer, empresta seu nome ao maior hospital especializado no tratamento dessa doença |
O nome do hospital foi uma homenagem que Dr.
Antônio Prudente prestou ao seu mestre. O cirurgião Antônio Cândido de Camargo,
que presidiu a Associação Paulista de Combate ao Câncer – embrião do hospital -,
até sua morte, em 1947.
Desde a fundação da Faculdade de Medicina, Camargo
foi professor responsável pela cadeira de clínica cirúrgica, especialidade que
seu aluno Antônio Prudente seguiria com paixão. O mestre transmitiu ao seu discípulo
os primeiros ensinamentos da área, todo conhecimento avançado que trouxera dos
tempos de estudo em Genebra, na Suíça, e na capital austríaca, Viena.
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Hospital a.C. Camargo é o terceiro maior complexo hospitalar no tratamento do câncer |