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Lar de Fátima comemora 100 anos e necessita de ajuda para recuperar sua sede

 

Fachada do prédio do Lar de Fátima, projetado pelo arquiteto Christiano das Neves

Para comemorar os 100 anos de fundação a Associação das Damas de Caridade, mantenedora do Lar de Fátima, programou uma série de atividades para o mês de setembro. A começar com uma missa, a ser celebrada, no dia 15, pelo bispo dom Antônio Demétrio Vilar na capela da instituição, um Chá da Tarde no dia 23, a entrega da Medalha 19 de Julho e Diploma de Gratidão no dia 29 na Câmara Municipal. Haverá também apresentação teatral, retratando a história da entidade, com o grupo Sementes da Alegria.

O Lar de Fátima, localizado num prédio histórico, no alto da Vila Maceno, situado ao lado da estátua do Cristo Redentor e do Asilo São Vicente de Paulo, em São José do Rio Preto, abriga creche com 145 crianças de zero a 4 anos de idade. E também oferece, em parceria com as Secretarias da Educação e Assistência Social, projeto de contraturno escolar para 190 crianças de 4 a 12 anos. Até 1988 o local funcionou como orfanato oferecendo abrigo para cerca de 50 crianças. Ao todo são 58 funcionários, entre professoras, cozinheiras e pessoal de apoio para limpeza e serviços gerais.

A atual presidente da Associação, Carmem Lúcia Rodrigues Seixas, sobrinha do celebre Nelson Seixas, que foi vereador, deputado federal e fundador da Apae (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), salienta que a instituição necessita de ajuda da comunidade e das autoridades para realizar ampla reforma no prédio, inaugurado em 1954, depois de intenso trabalho que mobilizou mais de 20 anos de obras e até ações na justiça para que pudesse ser concluído.  

Alguns anos atrás parte do telhado da creche desabou. “A sorte que não havia nenhuma criança e ninguém no local onde o telhado desabou”, lembra a ex-presidente Maria de Lourdes Rodrigues, a Lourdinha como é carinhosamente chamada pelas colegas de diretoria. “A primeira coisa que a gente fez nesse dia, após o telhado desabar, foi fazer uma oração de agradecimento a Deus por não ter machucado ninguém”. Somente para a troca do madeiramento e telhas a instituição necessita de cerca de R$ 500 mil. 

Prédio histórico

O terreno para a construção do orfanato foi doado, na década de 1930, por Lino José de Seixas, pai de Nelson Seixas e avô da atual presidente da Associação Damas da Caridade, Carmem Lúcia Rodrigues Seixas. A planta foi feita pelo engenheiro e arquiteto Christiano das Neves, famoso por obras monumentais, como o parque do Ibirapuera, e idealizador dos primeiros chamados "arranha-céu" da capital paulista, e oferecido à associação por Arthur Saboya, político que na época era prefeito de São Paulo.

O prédio ainda conserva o piso original, com ladrilhos e lajotas encerados, todas as portas e janelas com venezianas de madeiras. “Nossa preocupação é não descaracterizar as linhas originais da construção”, observa Lourdinha. A edificação eclética, inspirada nos antigos casarões e nos palácios europeus foi construída com enormes janelas e portas, além de elevado pé direito, proporcionando um ambiente amplo, arejado e iluminado. Porém boa parte do imóvel está deteriorado, necessitando urgente de reparos e reforma. Mas o grande problema é a falta de dinheiro para essas obras.

Esse tipo de imóvel era bastante comum no início do século 19. Mas está ficando cada vez mais raro e por isso é importante que instituições e autoridades locais se unam para que exemplares assim sejam preservados para que as gerações futuras saibam como era São José do Rio Preto em determinados períodos importantes de sua história. A diretoria do Lar de Fátima busca parcerias junto ao poder público e iniciativa privada para a recuperação do prédio. O telhado é muito antigo, com madeiramento apodrecendo, corre o risco de desabar e de colocar a vida das crianças, professores e funcionários em perigo. "Precisamos de ajuda" ressaltam as diretoras da instituição, ressaltando que não sabem mais a quem recorrerem.

 História

De acordo com relato da ex-presidente Lourdinha, uma ex-bancária e professora, que pacientemente leu todas as atas para resgatar a história da instituição, tudo começou em 11 de junho de 1923 quando várias mulheres se reuniram no Colégio Santo André para estudar mudanças nos estatutos e nas finalidades da Associação das Esposas Cristãs. A entidade, já existente fazia alguns anos, passou a denominar-se Associação das Damas de Caridade para trabalhar em prol dos pobres da cidade.

A primeira diretoria teve Lúcia Pinto de Faria Motta como presidente, a Madre Marie Dominique como tesoureira, e Ernestina de Barros Mattos e Isolina Bastos Cruz como secretárias. Desde o começo a associação sempre contou com um mentor espiritual, que geralmente é o bispo da diocese. O primeiro mentor foi o cônego Guerra Leal. A princípio o grupo dessas mulheres, que crescia a cada mês, ajudava os pobres com doação de esmolas, roupas e gêneros alimentícios.

Esse grupo de mulheres, sob a presidência de Cecília de Carvalho Vilela, ajudou na criação e fundação da Santa Casa, em terreno doado pelo fazendeiro Neca Jorge. Várias mulheres estiveram à frente da associação como Aida de Carvalho, Isabel Reis Dias, Alice Marcondes Pereira, Gina Mendonça e Adalgisa Gonçalves. Em 1936, visando angariar fundos para as obras o bispo dom Lafayete Libanio propôs a nomeação das senhoras Avelina Diniz para os distritos de Borboleta (Bady Bassitt), Helena Delboni para Schimidt e Talhados, Luiza Caramuru para Nova Itapirema, Gertrudes França para Ipiguá e Odília Beolchi para Cedral.

Lourdinha, que leu e releu todas as atas para se inteirar dos detalhes das reuniões da diretoria, constatou as inúmeras dificuldades que as senhoras do passado tiveram para concluir as obras do prédio. Em abril de 1946 a diretoria, por meio do advogado Aluysio Nunes Ferreira, pai do ex-senador Aloysio Nunes, precisou ingressar com ação na justiça contra o construtor Jesus Vilanova Vidal por ele não ter cumprido o contrato, ficando a obra paralisada por longos 12 anos.

O juiz da comarca, Dimas Rodrigues de Almeida, sensibilizado com a situação passou a exercer, a partir de 1953, o cargo de diretor de obras para a construção do orfanato. O então prefeito Phyladelpho Gouveia Neto fez a Câmara aprovar a doação de elevada soma de dinheiro para conclusão da obra, inaugurada em 19 de setembro de 1954 com as bençãos do bispo dom Lafayete Libanio.

No dia da inauguração do prédio, Maria Luzia Oliveira Silva, falou em nome das mulheres da associação. Ela agradeceu o empenho dos deputados Coutinho Cavalcanti e Alberto Andaló, do prefeito Phyladelpho, do juiz Dimas Rodrigues e à família de Lino Seixas pela doação do terreno.

Em 1955, Dom Lafayte fez a entrega da direção do orfanato para as irmãs religiosas da Congregação Religiosas de Gape. Nesse ano ficou decidido que a creche levaria o nome de Noemia Raduan, associada da entidade que falecera precocemente em trágico acidente automobilístico. O Rotary Clube também fazia expressiva doação de dinheiro para ajudar na manutenção da creche.

Hino 

Ao longo de todos esses 100 anos muitas doações, festividades e ações foram promovidas para ajudar no funcionamento da instituição. Lourdinha destaca, entre outras coisas, a realização de um churrasco, em 1996, pela senhora Beny Haddad e do Bazar dos Sonhos, organizado por Valkiria Matéra e Yolanda Bassitt. A mãe do ex-prefeito Valdomiro Lopes, Olga Malouk, foi uma das voluntárias da associação.

Não se tem ao certo o registro da quantidade de crianças que foram atendidas, ao longo desses 100 anos, pelo Lar de Fátima. Mas sabe-se que foram milhares, principalmente as oriundas de famílias menos favorecidas. Para se ter ideia da importância dessa obra a professora Etelvina Vianna, dona do conservatório musical que levava o seu nome, e Carlos Nogueira compuseram, na década de 1930, um hino de louvor à instituição. Durante muitos anos esse hino foi cantado semanalmente, junto com o Hino Nacional, pelas crianças no local.

Casamento

Outro fato interessante ocorrido há 50 anos na capela do Lar de Fátima foi o casamento de uma das ex-alunas da instituição. Por ter morado por muitos anos nesse orfanato quando casou fez questão que a celebração ocorresse dentro da capela onde diariamente fazia suas orações. Trata-se de Laudenice Bergamini Delatin, que viveu dos 9 aos 19 anos como interna do Lar de Fátima.

Laudenice nasceu em José Bonifácio. Ela era uma das oito filhas da empregada doméstica Rita dos Santos Bergamini, cujo marido a abandonou e a deixou sem condições para criar sete meninas e um menino. Foi então acolhida pelas freiras do e damas de caridade do Lar de Fátima. Lá passou toda sua infância e juventude e conheceu seu esposo Jair Antônio Delatin.

“Um grupo de jovens da Igreja da Vila Maceno ia lá no Lar de Fátima para fazer orações e catequisar as meninas”, lembra Laudenice. “Aí uma das meninas desse grupo faria aniversário e nos convidou para a festa na casa dela. Naquele tempo era muito comum fazer brincadeiras dançantes nas casas. Eu pedi para as freiras me deixar ir e elas não deixaram. Mas eu tanto insisti que acabaram me deixando ir nessa festa de aniversário. E chegando nessa casa conheci o Jair, que era irmão da aniversariante. Ele quis me namorar, mas as freiras não deixaram e minha mãe também não porque eu era muito nova. Só tinha 15 anos de idade. Mas ele nunca desistiu. Me transferiram para um outro lar em Brasília. E ele foi lá atrás de mim. Iniciamos um namoro à distância até que em 15 de setembro de 1973 resolvemos no casar”.

O casamento se deu dentro da capela do Lar de Fátima. “Era para ter sido o padre Jarbas o celebrante, mas chegou no dia ele tinha outro compromisso e mandou um outro padre, um italiano, para fazer a celebração”, recorda Laudenice. Ela e o marido tiveram um casal de filhos e quando completaram 25 anos de casados celebraram as Bodas de Prata com uma missa na mesma capela onde se casaram.

Agora, no próximo dia 15, celebrarão, ao lado dos filhos e das duas netas, uma de 18 e outra de 29 anos que já é formada em Turismo pela Faculdade do Senac, as Bodas Ouro. “E assim como nosso casamento e as Bodas de Prata fiz agora também questão de que essa comemoração dos 50 anos de casados fosse feita na mesma capela”, informa Laudenice. Ela adiante que faz anos que não comparece ao local. A última vez acho que foi quando completei 25 anos de casada. “É um local onde passei muitos anos da minha vida e me emociono muito quando retorno ali”.

 O Lar de Fátima está localizado na Vila Maceno na rua Fernão Dias Paes Leme, 350, em São José do Rio Preto.  Atende pelo telefone (17) 3224-6432 e pelo e-mail contato@lar.com.br.

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Lourdinha exibe o primeiro estatuto da entidade, publicado em 1936

Reunião da diretoria do Lar com o psicólogo Paulo Zanquetta, diretor do grupo Sementes da Alegria

Diretoria da instituição, com a presidente Carmem Seixas (na ponta da mesa ao fundo) e com a presidente de honra da instituição, Lourdinha Rodrigues (ao centro do lado esquerda) 

Meninas do Lar de Fátima cantam em coral, na década de 1960. Entre elas está Laudenice, hoje com 72 anos, que casou na capela do local e comemorará as Bodas de Prata com missa a ser celebrada pelo bispo dom Antônio Vilar no próximo dia 15 de setembro


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