Casos de "fura-fila" têm repercutido na imprensa e nas redes sociais
Desde o início da vacinação contra a Covid-19, começaram a aparecer relatos de condutas reprováveis de desrespeito aos critérios de prioridade na imunização estabelecidos por governos e entidades médicas. Segundo levantamento feito pelo jornal “O Globo”, em três semanas foram feitas quase 3 mil denúncias de possíveis casos de 'fura-fila' da imunização. Muitos deles ocuparam o noticiário e provocaram uma comoção social diante da escassez de doses e da urgência em imunizar grupos prioritários, como os idosos.
Entre as denúncias de ‘fura-fila’ está a filha do prefeito de Bady Bassitt, Luiz Antônio Tobardini (PSDB). Vitória Tobardini, estudante de Odontologia, está sendo investigada pelo Ministério Público se furou fila na vacinação da Covid-19 no município. O promotor Claudio dos Santos de Moraes, que apura o caso, documentos e informações sobre o esquema de vacinação foram solicitados. O promotor informou que Vitória não exerce nenhuma profissão na área da saúde do município.
Moradores cobram
A reação da sociedade, cobrando a criação de uma nova conduta penal para punir essa prática, encontrou eco em muitas casas legislativas, e começaram a aparecer projetos de lei para a criação de um novo tipo penal para punir os “fura-filas”. Nas redes sociais, moradores de diversas cidades denunciam quem fura a fila e pedem ação das autoridades para punir os chamados “espertinhos”.
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Advogado José Sérgio do Nascimento afirma há leis para punir os infratores |
Na avaliação do advogado criminalista José Sérgio do Nascimento, especializado em Direito Penal e Processo, há leis suficientes para punir tanto o agente público, quanto o cidadão comum que desobedecer aos critérios de vacinação. “ Não precisamos criar um tipo penal, há várias normas existentes para aplicação”, diz o advogado criminalista. “O Direito Penal é conhecido justamente por ser a última ‘ratio’, ou seja, o último instrumento a ser utilizado para a resolução dos conflitos e problemas. Temos outras instâncias que podem ser usadas para enquadrar esses casos”.
Nascimento conta que tanto o servidor público quanto o cidadão comum que furar a fila podem ser enquadrados no artigo 268 do Código Penal, por infringir determinação do poder público para impedir a propagação de doença contagiosa. A pena, neste caso, é de um mês a um ano de detenção e multa.
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Servidor público que furar fila da vacina pode ser demitido por justa causa, afirma advogado Danilo Campagnollo Bueno, especialista em Direito Penal |
“Caso o servidor público seja flagrado cometendo esse tipo de irregularidade, pode ser punido com a demissão por justa causa”, observa o também advogado criminalista Danilo Campagnollo Bueno.
No caso do cidadão comum, a conduta também pode ser tipificada como corrupção ativa, uso de documento falso, falsidade de atestado médico e falsidade ideológica. “Estes casos seriam aplicados se a pessoa oferecer algum tipo de vantagem financeira ao agente público. Ou se usar de atestados médicos e documentos falsos para conseguir ‘furar a fila’. Há várias formas de punir o desvio.
Se a irregularidade tiver sido cometida por prefeito, caracteriza-se o crime de responsabilidade, previsto no decreto-lei 201 de 1967, e ato de improbidade administrativa, por violar os princípios da impessoalidade e moralidade. “No caso dos servidores e agentes públicos, são aplicáveis também os crimes de concussão, prevaricação, corrupção passiva, condescendência criminosa, peculato e falsidade ideológica”, enumera Nascimento.
Nascimento conta que é comum, sempre que um fato causa comoção, a sociedade pedir a criação de um novo tipo penal, mas ressalta que este deve ser, sempre, o último recurso. “O Direito Penal não é a primeira instância a ser evocada para resolver todos os atos ilícitos”, observa Nascimento. “Outras áreas do Direito podem ser aplicadas para resolver questões como esta. Essa prática de criminalizar todo e qualquer tipo de conduta vai na contramão dos países mais desenvolvidos, que utilizam o Direito Penal como último recurso para a resolução de problemas”.