Folha2

A história por trás das lentes: a trajetória das Óticas Iguatemy

 

Prédio que foi sede do Grupo Iguatemy foi a leilão em 2022 para saldar dívidas

 Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

Óticas Iguatemy foi a maior rede de óticas do Brasil, fundada pelo espanhol Juan Arquer Rúbio.  Nascido em Barcelona, na região dos catalães, ele ingressou no ramo ótico, em meados de 1970, a convite do tio Jorge Arquer. Começou com uma pequena ótica na esquina da avenida Sampaio Vidal com a rua Nove de Julho, bem no chamado coração central da cidade de Marília, no interior paulista.

 Além da produção de lentes e armações, ele também ingressou no ramo de cine-foto com a compra da Jet Color, da família Hirano, de Tupã. E passou a entrar no setor de revelações de fotos coloridas. Montou transportadora, com uma frota imensurável de caminhões, escola profissionalizante e uma empresa de locação de táxi aéreo. Em pouco tempo os negócios se expandiram e ele chegou a ter mais de 300 lojas espalhadas por vários estados brasileiros. Somente na cidade de São José do Rio Preto eram cinco lojas.

    O espanhol Juan Arquer Rúbio que foi dono da maior rede de óticas do Brasil (foto: Reprodução do site Giro Notícias)

 Hino e disco

 Arquer Rúbio sempre foi conhecido pelo gosto por festas glamorosas e produções grandiosas. Para marcar a identidade da Iguatemy, decidiu criar um hino que representasse o espírito moderno e empreendedor do grupo. Para isso, contratou o cineasta e produtor cultural Orozimbo Luiz Giraldi, que compôs a canção-tema da empresa, uma melodia vibrante e otimista que rapidamente se tornou uma espécie de hino oficial da Iguatemy.

A gravação ficou a cargo do grupo Musical People’s, bastante atuante na cena musical regional na época. O compacto simples foi registrado nos estúdios da gravadora da família de Celso Egreja, em Penápolis, com produção de alto nível para os padrões do interior paulista.

 Como parte do acordo, a Iguatemy patrocinou todas as roupas e figurinos usados pelo grupo em apresentações públicas e ainda colaborou na compra da aparelhagem de som, que pertencia anteriormente ao lendário grupo Os Mutantes, da cantora Rita Lee. A iniciativa reforçou a imagem da Iguatemy como uma empresa inovadora, conectada com a cultura jovem e com a modernidade da época.

Grupo Musical People's teve uniformes e caixas de som patrocinadas pela Iguatemy. Em troca o grupo gravou música que se tornou espécie de hino da empresa


 Primeira sede

Prédio que foi a primeira sede da Iguatemy em Marília depois foi ocupado pelas rádios e jornais da CMN e ficou nacionalmente conhecido pelas buscas e apreensões feitas pela Polícia Federal


 Arquer Rúbio construiu a primeira sede das Óticas Iguatemy num prédio de três andares na rua Coronel Galdino de Almeida, que mais tarde foi ocupado pelos jornais e emissoras de rádio da CMN (Central Marília Notícias). Em 1984 inaugurou o seu complexo industrial, na saída para Lins, com a presença do então governador André Franco Montoro. Eram vários barracões, erguidos pelo sistema pré-moldado que ao invés de tijolos convencionais as paredes eram fechadas com telhas de cimento.

 Os negócios seguiam em expansão para o empresário Arquer Rúbio que estava consolidando sua atuação em diferentes segmentos. Chegou a adquirir área na região de Ubatuba para desenvolver projetos voltados ao turismo de alto padrão.

 Com visão empreendedora e foco em inovação, Rúbio apostava na valorização do litoral paulista e no potencial de crescimento do setor turístico. Queria unir empreendimentos que unissem conforto, beleza e natureza.

 Acidente

  Em 14 de novembro de 1980, um monomotor fabricado pela Embraer, de propriedade da empresa de táxis aéreos da Transportadora Transtemy, do grupo Iguatemy, sofreu acidente na Serra do Ajuá, município de Caieiras.

 O avião tinha como destino a cidade de Marília e trazia a bordo o professor Marco Antônio Casadei, de 42 anos, a professora Myrtes Pupo Negreiros, de 50 anos, o piloto Rui Vagner Garcia, de 28 anos, e o gerente da Transtemy, Aniz Chade, de 45 anos. Todos faleceram no acidente.

 O acidente ocorreu em uma área montanhosa e remota, o que dificultou o resgate dos corpos das vítimas. O avião ficou completamente destruído. Era final da tarde da véspera do feriado da Proclamação da República.

 Casadei era o diretor da escola profissionalizante que estava sendo implantada pelo grupo Iguatemy em Marília. Tinha ido à São Paulo para buscar a documentação final que autorizava a abertura de matrículas para o funcionamento da escola no ano seguinte. Ele levou junto nessa viagem a professora Myrtes, que assinava como responsável pedagógica da nova escola.

 Um dia antes da viagem, Myrtes teria dito que não poderia viajar porque participaria naquele mesmo dia de um baile de formatura de um familiar. Mas Casadei, no entanto, garantiu que ela estaria em Marília antes do anoitecer. O percurso aéreo entre São Paulo e Marília poderia ser feito em menos de uma hora de voo.

 Nesse mesmo avião também estaria Juan Arquer Rúbio, que foi junto na ida. Mas chegando em São Paulo pelas coincidências da vida encontrou em plena avenida São João com o seu gerente da transportadora, Aniz Chade. O gerente estava Inconformado pelo fato de não conseguir passagens de ônibus ou de trem para poder voltar à Marília naquele mesmo dia. Chade queria passar o feriado do dia seguinte com a família.

 Sensibilizado com a situação, Juan Arquer Rúbio decidiu ceder seu lugar no voo para que o amigo pudesse retornar à cidade e aproveitar o feriado com os filhos. Foi uma decisão que, sem saber, salvaria sua vida. O monomotor da Embraer, modelo EMB-721C Sertanejo, decolou do Campo de Marte por volta das 17 horas, iniciando o trajeto em direção ao interior paulista.

 Cerca de quinze minutos após a decolagem, a aeronave desapareceu do radar. O piloto, Rui Vagner Garcia, havia reportado dificuldades de visibilidade devido à forte neblina e às nuvens baixas que encobriam a Serra do Ajuá, região montanhosa do município de Caieiras. Pouco depois, o avião colidiu contra a encosta, provocando uma explosão que pôde ser ouvida por moradores da região.

 As equipes de resgate levaram horas para localizar os destroços, devido ao difícil acesso e mata fechada. Todos os ocupantes — o professor Marco Antônio Casadei, a professora Myrtes Pupo Negreiros, o piloto Rui Vagner Garcia e o gerente Aniz Chade — morreram no impacto.

 A tragédia abalou profundamente a cidade de Marília. Casadei e Myrtes eram figuras conhecidas no meio educacional e estavam à frente do projeto da nova escola profissionalizante do grupo Iguatemy, que começaria a funcionar no início de 1981. O acidente, ocorrido às vésperas do feriado da Proclamação da República, interrompeu um dos projetos educacionais mais promissores da época.

 Imprensa e política

 Em 1986 Arquer Rúbio comprou o semanário Marília News do italiano Duílio Mucci que no ano seguinte foi transformado em jornal diário e recebeu o nome de Diário Marília Notícias. Em 1988 assumiu o controle acionário das rádios Dirceu AM e Tangará FM, que pertenciam ao empresário Alcides Matiuzzo. No mesmo ano colocou o grupo na oposição ao então prefeito Abelardo Camarinha para apoiar a candidatura do comerciante Pedro Pavão à prefeitura. Ele entrou de corpo, alma e com muito dinheiro na campanha, vencida pelo arquiteto Domingos Alcalde, apoiado por Camarinha. A disputa foi acirrada e Alcalde venceu as eleições por uma diferença de 43 votos.

 Cidadão Mariliense

 Em 1989 anexou ao grupo o jornal “Correio de Marília”, jornal que nasceu em 1928, um ano antes da emancipação política da cidade. Esse jornal pertencia ao jornalista Anselmo Scarano. Em 1992 o Correio de Marília deixou de circular e seu maquinário e funcionários foram totalmente incorporados ao Diário. Nesse ano, Arquer Rúbio recebeu o título de Cidadão Mariliense, conferido pela Câmara Municipal, por iniciativa do vereador Cezar Lacerda Feres Cury.

 No final dos anos de 1990 transferiu a marca Iguatemy para o grupo Fotoptica, um dos gigantes do setor, fundado em 1921 pelo imigrante alemão Heinrich Bundt. Arquer Rúbio acabou deixando a cidade. Ainda manteve negócios em São Paulo e no litoral paulista e nos anos 2000 passou por um tratamento de fígado, inclusive com viagens ao exterior.

 Anos após o fechamento da Iguatemy-Jet Color, os prédios que serviram de sede para a empresa em Marília viraram polêmica e discussões na Justiça. A ação de despejo foi movida por Elza Lopes Arquer, ex-mulher de Arquer. Um dos prédios acabou indo a leilão em junho de 2022 e foi adquirido pela empresa Avant Administração por R$ 3 milhões. Arquer Rúbio faleceu em 11 de março de 2016, aos 79 anos, na cidade do Guarujá, onde estava residindo e mantinha um empório de importados.

 O radialista Jô Fabiano, que chegou a ser vice-prefeito na gestão de Salomão Aukar, afirma que Arquer Rúbio foi um grande empresário. “Mas, na política ficou marcado por não ter a mesma sorte ou competência”, lembra Jô. “Em 1988 apoiou Pedro Pavão que perdeu para Domingos Alcalde do grupo liderado pelo Camarinha. Em 1992, mudou de lado, apoiou o favorito Abelardo, que perdeu a eleição para o Salomão”.

O grupo Jet Color, da família Hirano de Tupã, também foi comprado pela Iguatemy


Postagem Anterior Próxima Postagem

vários

Folha2
Folha2