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Explosão na Avenida das Nações completa 50 anos em 2026

A fumaça negra se espalhou pelo céu causando pânico na população de Bauru 
 

Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

Era 13 de agosto de 1976, coincidentemente uma sexta-feira 13, quando a cidade de Bauru foi palco de um acontecimento inusitado. O então presidente Ernesto Geisel, o quarto general ocupando a Presidência da República na época da ditadura militar, estava em visita oficial na cidade, quando a Avenida Nações Unidas explodiu. A princípio pensou-se tratar de um atentado ao general. Mas depois descobriu-se que o tombamento de um caminhão-tanque, cujo combustível escorreu pelas galerias teria sido o causador do incidente. Mas o que, de fato, causou a combustão ainda é um mistério não desvendado. 

Nesse dia este jornalista que escreve esta matéria, ainda um adolescente com 16 anos, estava em Bauru, passando uns dias de férias na casa de sua irmã mais velha. Tinha ido a Bauru com a Banda Marcial de Marília para tocar, na parte da manhã, na visita do presidente. Sua irmã  morava no bairro Jardim Bela Vista, próxima da sede da afiliada da Rede Globo e, mesmo a mais de 5 quilômetros de distância, pode escutar o estrondoso barulho causado pela explosão da avenida. Uma nuvem preta e gigantesca de fumaça inundou as imediações do local da explosão e era possível ser vista a quilômetros de distância.

A avenida, que demorou 16 anos para ser concluída, tinha sido inaugurada naquele dia. O presidente Ernesto Geisel havia passado pela avenida cerca de uma hora e meia antes em clima de festa, junto com o governador Paulo Egydio Martins, o deputado federal Alcides Franciscato e o prefeito Luís Edmundo Coube, cuja família era dona da Tilibra, que na época era uma das maiores produtoras de cadernos escolares do Brasil. Cogitou-se de imediato a possibilidade de atentado contra o presidente da República. O clima de tensão e pânico era assustador!

Domingos Alves Pereira Netto, o Guita, que atualmente é dono de farmácia na cidade de José Bonifácio (SP), conta que também estava em Bauru nesse dia. Tinha ido, junto com mais dois amigos, Aimbere Coria e Alcindo Maia Souto, para prestar vestibular na cidade. Guita conta que estavam com um carro SP2, parado na frente de um bar, ouvindo, pelo toca-fitas do automóvel, a música “Pra não dizer que não falei das flores”, cantada pelo Geraldo Vandré e que tinha sido proibida pelo governo militar.

“A Polícia chegou e nos levou para a Delegacia. Passamos a noite inteira lá”, lembra Guita. “Não fomos agredidos, mas pensa o sufoco que passamos. Queriam saber coisas que nem imaginávamos que existissem naquela época”..

Avenida construída por várias gestões

Rodeada por prédios, bares e restaurantes a Avenida das Nações é uma das principais vias da cidade de Bauru. É o local onde se realiza os desfiles carnavalescos e muitas festividades

Essa avenida começou a ser construída no final da década de 1950 quando o prefeito Nicola Avalone Junior resolveu canalizar o córrego das Flores. E a obra teve continuidade por várias administrações, demorando 16 anos para ser concluída. O projeto foi do arquiteto Jurandyr Bueno Filho.

Quando foi inaugurada, em 1976, perfazia o trecho apenas entre o trevo do contorno da rodovia Marechal Rondon até a avenida Rodrigues Alves. O prolongamento restante foi construído posteriormente em novas etapas.

O presidente Ernesto Geisel cumprimenta o público bauruense, poucas horas antes da explosão da Avenida Nações Unidas

Após investigações atentado foi descartado

O fato é que nesse dia da sua inauguração o asfalto, as calçadas e o canteiro central da avenida Nações Unidas, literalmente, “foram para os ares”. Uma grande explosão subterrânea destruiu quadras inteiras da via. A cidade inteira entrou em pânico. 

Muitos moradores e até a Polícia, a princípio, imaginaram tratar-se de um atentado terrorista. Essa hipótese foi, no entanto, foi logo descartada quando se soube que um acidente com um caminhão-tanque carregado de combustível tombou ao tentar fazer uma curva na alameda Octávio Pinheiro Brisolla, a poucas quadras acima da Avenida Nações Unidas, no bairro Altos da Cidade. 

O combustível derramado era gasolina, altamente inflamável, que escorreu pelas galerias das redes coletoras das águas da chuva até chegar a Avenida Nações Unidas. Muito provavelmente a bituca de um cigarro aceso tenha sido o causador da explosão. Mas isso até hoje ninguém sabe explicar. Felizmente não houve feridos e nenhuma vítima fatal.

Geisel naquele dia tinha desembarcado por volta das 9 horas da manhã no campo de aviação da cidade. Esteve na Praça Rui Barbosa, defronte a catedral Divino Espírito Santo, onde descerrou uma placa para marcar o 80º aniversário de Bauru. Depois seguiu para uma recepção na sede do Automóvel Clube, onde se reuniu com prefeitos e deputados da região. 

Ele passou pela avenida, cumprimentando populares para marcar a inauguração da obra. Em seguida sua comitiva partiu para Jau. Lá ficou sabendo do incidente, retornou à Bauru para tomar o avião de volta para Brasília e antes de embarcar prometeu liberar cerca de 10 milhões de cruzeiros para a ajudar a prefeitura reconstruir a obra. A prefeitura estimava que seriam necessários 16 milhões de cruzeiros para recuperar a avenida.


Documentário mostra a situação vivenciada pelo motorista Aidanor Turini (no detalhe) que dirigia o caminhão causador do incidente que fez explodir a Avenida das Nações no dia da visita do Presidente da República

Livro, exposição e filme

 Em 2026 completa 50 anos desse incidente ocorrido em Bauru. A explosão da Avenida Nações Unidas não apenas chocou a cidade, mas deixou marcas no cotidiano da população, gerando também um rico legado cultural, histórico e artístico. A tragédia já foi abordada de diversas formas, permitindo que a memória desse triste evento fosse preservada por meio de diferentes expressões artísticas.

 O escritor Diego Peracoli lançou, em agosto de 2023, o livro “Agosto de 76” que traz narrativa sobre a explosão que destruiu a Avenida Nações Unidas. O repórter-fotográfico Quioshi Goto, que trabalhava para o "Jornal da Cidade", lembra com detalhes aquele fatídico dia 13 de agosto de 1976. Ele havia realizado a cobertura fotográfica da visita do presidente da República e tinha ido para casa para almoçar quando, a poucas quadras da Avenida Nações Unidas, escutou o barulho estrondoso. Imediatamente vestiu seu paletó, pegou seu equipamento correu para o local. Mas apenas poucas fotos sobraram da época.

 Ele explica que o Serviço Nacional de Informação (SNI) requisitou do jornal onde trabalhava todos os negativos para investigação. “No mesmo dia eu revelei um filme, ampliei as fotos, uma média de 12 ou 15 fotos que o jornal utilizou”, contou. “Os negativos não revelados foram enviados para Brasília e nunca mais voltaram. O diretor do jornal na época era o Nilson Costa (que mais tarde foi prefeito de Bauru). Ele disse para guardar as fotos e todos os negativos foram requisitados porque estavam achando que era um atentado. O SNI era comandado naquela época pelo general Golbery do Couto e Silva”.

Do barulho ao silêncio

O jornalista Luís Henrique Negrelli após abordar o tema em seu Trabalho de Conclusão de Curso lançou, em 2019, o documentário “Do Barulho ao Silêncio: Vozes Caladas em Meio à Explosão”. Ele quis mostrar o cenário de fumaça preta no céu naquele dia, o asfalto destruído e árvores caídas. Realizou muitas entrevistas e pesquisas aprofundadas em acervos e optou por contar o lado da história de um personagem que não teve destaque na época: o motorista do caminhão que tombou, derrubou o combustível e provocou a explosão. Negrelli conta que o motorista nunca chegou a ser ouvido pela imprensa para dar sua versão da história.

Negrelli não pode mais ouvir o motorista, Aidanor Turini, que já tinha falecido quando ele produziu o documentário. “Mas entrevistei a Edneia Aparecida Turini, a filha de Aidanor Turini, o motorista do caminhão que tombou e que, na época, foi chamado de terrorista. Ela contou como o acidente aconteceu e como tudo afetou fortemente seu pai e toda família na época”.


Edneia conta o drama vivenciado pelo pai após o acidente e se emociona ao folhear álbum de famílias com as fotografias de Aidanor Turini, o motorista do caminhão

Filha do motorista conta o drama vivido pelo pai

Foi justamente essa abordagem que o inspirou a fazer o documentário. “Do barulho da explosão ao silêncio das vozes que não foram ouvidas”, ressaltou o jornalista. Edneia contou que naquele dia, como de costume ajudou sua mãe a preparar o almoço e logo em seguida saiu para ir trabalhar no centro da cidade. “Eu entrava no serviço a uma hora da tarde e chegando lá já estava todo mundo comentando sobre a explosão”, lembra. “Os donos da empresa naquele dia dispensaram todos os funcionários para voltar para casa porque estava todo mundo assustado, achando que fosse algum atentado terrorista, algo assim”.

“Quando estava voltando para casa passamos pelo local onde ainda estava o caminhão tombado e logo de cara reconheci que era o caminhão que tinha escrito na lateral o número 21, que era o número do caminhão que meu pai trabalhava para uma empresa de combustível”, conta Edneia. “Corri para minha casa e encontrei meu pai ainda atordoado. Ele contou que como várias ruas e avenidas estavam interditadas, acho que por causa da visita do presidente, ele teve que pegar umas ruas mais estreitas. E na hora de fazer a curva o reboque do caminhão tombou em cima de um carro que estava estacionado”.

Naquele tempo ainda não existia celular e eram poucas casas que possuíam telefone em casa. O motorista Aidanor Turini, contou a filha, queria avisar a empresa onde trabalhava para enviar outro caminhão com objetivo de transferir a carga. Mas não encontrou nenhum telefone por perto. Nisso já chegaram as viaturas da Polícia e do Corpo de Bombeiros e cercaram o local do acidente. “Meu pai jamais imaginou que aquela gasolina correndo pela ‘boca-de-lobo’ iria causar aquela tremenda explosão, que aconteceu creio quase uma hora depois que o caminhão tombou”. Ela disse que o seu pai estava em casa, ainda tentando se recuperar do susto, quando também ouviu o barulho ensurdecedor.

Edneia conta que acompanhou seu pai até a Delegacia de Polícia, onde ficou das 16 até 20h30 prestando depoimento. “Daí ele ficou meio traumatizado”, lembra, acrescentando que passados dois meses a empresa onde ele trabalhava o dispensou. Trabalhou como taxista por certo período até encontrar serviço numa fábrica. Mas tornou-se uma pessoa irritada, visivelmente triste a acabrunhado. Chegou a perder a fala e quando foi levado para tratamento chorou, na frente do médico, por muito tempo, igual uma criança. "Meu pai nunca mais foi aquela pessoa sorridente e brincalhão e veio a falecer pouco tempo depois".

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Ernesto Geisel descerra placa em comemoração aos 80 anos de Bauru na Praça Rui Barbosa

Deputado Alcides Franciscato, prefeito Edmundo Coube, presidente Ernesto Geisel e o governador Paulo Egydio Martins desfilam pela avenida Rodrigues Alves

As explosões provocaram várias crateras na avenida Nações Unidas

  
Edneia Turini mostra álbum de família com a fotografia do pai Aidanor, o motorista que dirigia o caminhão que provocou o acidente e a explosão da avenida Nações Unidas

Fotografo Quioschi Goto trabalhava na época para o Jornal da Cidade e conta que o SNI levou todos filmes para revelar em Brasília e nunca mais os devolveu para o jornal

A explosão manifestou também grande curiosidade por parte da população

Soldados da Polícia Militar se dirigiram ao local para afastar as pessoas de perto com medo de novas explosões na avenida Nações Unidas

A avenida Nações Unidas ficou parecendo que tinha sido detonada por uma guerra

O acidente com o caminhão aconteceu algumas quadras acima 

Árvores foram derrubadas e calçadas e asfalto todos destruídos pela explosão

 

Obras sendo realizadas por máquinas após a explosão da avenida Nações Unidas

A explosão deixou as pessoas apavoradas (imagens: Reprodução TV Tem)

Uma imensa nuvem negra tomou conta do local, após as explosões 

Dezenas de árvores, postes e fiação foram para o chão com a explosão da avenida
Ernesto Geisel comparece na Avenida Rodrigues Alves para cumprimentar moradores

Muitos pensaram que se tratava de um terremoto em Bauru


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