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Vista aérea do estádio Anísio Haddad, do Rio Preto Esporte Clube, onde funciona a Galeria Iboruna, voltada para o Riopreto Shopping Center |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
A história de São José do Rio Preto, como muitas
cidades brasileiras, é repleta de nuances e curiosidades que nem sempre são
conhecidas pelos próprios moradores. Uma delas é que por 10 dias seu nome foi
mudado para Iboruna. A cidade fundada em 1852 pelo mineiro João Bernardino de
Seixas Ribeiro como São José do Rio Preto. Em 1906 teve seu nome reduzido por
apenas Rio Preto e assim permaneceu durante 38 anos.
Era 11 de maio de 1944 quando o prefeito Ernani
Domingues recebeu, para seu espanto, telegrama do Centro Geográfico, assinado
por Artur Castro, informando que o nome da cidade daquela data em diante seria
Iboruna. Castro explicava no telegrama que a mudança era para não ficar em
desacordo com decreto-lei, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, que
determinava instruções sobre novos topônimos para acabar com nomes iguais.
Iboruna, uma expressão tupi-guarani,
aportuguesada, que significa “rio preto” foi o nome escolhido, sem consultar as
autoridades locai, pelo Centro Geográfico do Governo Federal.
Nomes homônimos
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Rio Preto, de Mingas Gerais, cidade fundada em 1871 e com pouco mais de 7 mil habitantes |
A troca de nome solucionaria o problema dos
homônimos, pois havia outra Rio Preto, em Minas Gerais. A mudança gerou revolta
nas autoridades e na população. Uma comissão de autoridades rio-pretense viajou
até o Rio de Janeiro para entregar carta, assinada por todos os juízes,
promotores, advogados e serventuários da Justiça protestando contra a nova
denominação da cidade.
“Seu nome representa não apenas uma nomenclatura
para individualizar uma cidade, mas um símbolo que bem trata a cultura jurídica
da comarca, que com apenas 40 anos de existência já é a primeira do Estado e
quiçá do interior do Brasil”, destacava a carta, enfatizando que Rio Preto pelo
intenso movimento forense classificou-se como primeira comarca do Estado.
Entre os que assinaram a carta estavam os juízes
Aderson Perdigão Nogueira, Getúlio Evaristo dos Cantos. Geraldo Celseo de
Oliveira Barga, Antônio Gonçalves Gonzaga, Edmar Pimenta, os promotores Carlos
Carvalho Filho e Antônio Tavares de Almeida. Também assinava a missiva o
presidente da 22ª Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Alceu
Leônidas, e os advogados Aloysio Nunes Ferreira, João Norinha de Goyos,
Philadelpho Gouveia Neto, Victor Brito Bastos e o major Leo Lerro.
Protestos na Imprensa
Os protestos acumularam de tal modo, tanto pela
imprensa local e da capital paulista, como por todas as entidades de classe. O
nome Iboruna causou incômodo na sociedade, acostumada com a europeização dos
termos.
Uma semana após o recebimento do telegrama,
Assis Chateaubriand mostrava simpatia pela causa e estampava nas páginas do
jornal “Diário de S. Paulo”, na edição do dia 15 de maio, artigo com o título
“Iboruna, uma espécie de nome feio que se pensa rebatizar Rio Preto”.
“Rio Preto não é nome vago de uma cidade
qualquer e não poderá ser substituído assim, sem mais e nem menos, duma hora
para outra”, escreveu Chateaubriand. “Rio Preto não é apenas um nome
geográfico. É um verdadeiro ponto de referência da grandeza de São Paulo”.
“Não há nada que justifique a mudança do nome da
bela cidade. O fato de haver outros Rios Pretos pelo Brasil imenso, não quer
dizer que o município paulista deva ser rebatizado com esse nome estranho de
Iboruna, que nada diz, que nada significa”.
“Na língua tupi-guarani, Iboruna poderá ser muito bonito, poderá ter um belo significado. Mas aqui não se fala tupi e pouca gente conhece o significado de certos vocábulos indígenas”, continou Chateaubriand. “O que há mais estranho e de mais condenado no caso é que os habitantes de Rio Preto não foram consultados, não foram ouvidos sobre a conveniência troca de nomes. Tudo foi feito à revelia do povo, dando-se um lacônico comunicado ao prefeito. Isso não está certo”.
O jornalista Leonardo Gomes, que atuou como
diretor do jornal “A Notícia”, entre 1936 a 1970, também escreveu protestando
veementemente a mudança proposta pelo Centro Geográfico: “Não podemos admitir o
sacrifico de trocarem o nome de nossa cidade, a nossa Rio Preto, topônimo que
soava por todo Estado de São Paulo e seguramente por boa parte do pais e muitas
regiões estrangeiras como expressão de quase um século de trabalho bem
sucedido, marcado pela individualidade da nossa gente que produz para a
coletividade em que vive e quer ver desenvolver-se”.
Segundo Leonardo Gomes, Rio Preto era uma cidade
estuante de vida. “E a Rio Preto, de Minas, por quem nós fomos imolados era
cidade de seis ou sete mil habitantes, enquanto a nossa ultrapassava oitenta
mil habitantes”, comparou o jornalista. “A Rio Preto, de Minas, era apenas uma
pequena cidade mais velha que a nossa. E se estava decidido que perderíamos o
nosso nome de Rio Preto, repudiamos aquele insólito nome de Iboruna. Soava mal.
Causava-nos arrepios de blasfêmia, um repugnante nome feio”.
Embaixador interviu a favor dos rio-pretenses paulistas
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Condomínio Iboruna em São José do Rio Preto |
O embaixador José Carlos Macedo Soares, então
presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estudos), não teve
dúvidas em ordenar que Rio Preto voltasse a se chamar São José do Rio Preto,
como era no passado.
No dia 21 de maio de 1944, o prefeito Ernani
Domingues recebia desta vez telegrama assinado por Celso Azevedo Marques, chefe
de gabinete da Interventoria Federal, para informar que o nome escolhido pela
Comissão Revisora do Centro Geográfico foi São José do Rio Preto.
Estava então encerrado o malfadado caso do nome
feio de Iboruna, que passou a ser mais um capítulo na história do município.
“Mas não era exatamente como se queria, quer era
continuar a chamar a cidade de simplesmente Rio Preto”, escreveu Leonardo
Gomes, anos mais tarde, no livro “Gente Que Ajudou a Fazer uma Grande Cidade”.
A subtração do nome São José, segundo Gomes, não
era um desrespeito ao santo padroeiro da cidade. “Alias a nossa Diocese não é
São José do Rio Preto e sim Bispado e Diocese de Rio Preto, como figura em
todos documentos”. A mesma coisa, lembrava o jornalista, acontecia com a
nomenclatura da Associação Comercial de Rio Preto (Acirp) e com o time mais
antigo da cidade: Rio Preto Esporte Clube.
Ademais, argumentava, tanto os prefeitos quanto
os vereadores consideravam inconveniente o topônimo São José do
Rio Preto em virtude de muitas cidades existentes com nomes parecidos, tais
como São José do Rio Pardo, São José do Rio Verde, São José dos Campos, entre
outras semelhantes. “Mas dos males o menor”, escreveu, em seu livro Leonardo
Gomes. “Entre a barbaridade tupiniquim de Iboruna e o topônimo obsoleto e
quilométrico São José do Rio Preto tivemos de optar por esse. Mas sinceramente
não compreendemos porque deva insistir-se em chamar assim, quando todo mundo
nos conhece por apenas Rio Preto. Seria bom encurtar o nome, antes com duas
palavras e agora são cinco”.
Iboruna é hoje o nome da Galeria de Lojas que funciona na avenida Anísio Haddad, defronte ao Riopreto Shopping, em área que pertence do Rio Preto Esporte Clube.
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Edifício Altos de Iboruna presta homenagem ao nome indígena da cidade |
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Galeria Iboruna, construída pelos irmãos Teodoro, defronte ao Riopreto Shopping na avenida Faria Lima, em São José do Rio Preto |