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Por 10 dias, em 1944, a cidade de Rio Preto se chamou Iboruna

 

Vista aérea do estádio Anísio Haddad, do Rio Preto Esporte Clube, onde funciona a Galeria Iboruna, voltada para o Riopreto Shopping Center

Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

A história de São José do Rio Preto, como muitas cidades brasileiras, é repleta de nuances e curiosidades que nem sempre são conhecidas pelos próprios moradores. Uma delas é que por 10 dias seu nome foi mudado para Iboruna. A cidade fundada em 1852 pelo mineiro João Bernardino de Seixas Ribeiro como São José do Rio Preto. Em 1906 teve seu nome reduzido por apenas Rio Preto e assim permaneceu durante 38 anos.

Era 11 de maio de 1944 quando o prefeito Ernani Domingues recebeu, para seu espanto, telegrama do Centro Geográfico, assinado por Artur Castro, informando que o nome da cidade daquela data em diante seria Iboruna. Castro explicava no telegrama que a mudança era para não ficar em desacordo com decreto-lei, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, que determinava instruções sobre novos topônimos para acabar com nomes iguais.

Iboruna, uma expressão tupi-guarani, aportuguesada, que significa “rio preto” foi o nome escolhido, sem consultar as autoridades locai, pelo Centro Geográfico do Governo Federal.

Nomes homônimos

Rio Preto, de Mingas Gerais, cidade fundada em 1871 e com pouco mais de 7 mil habitantes

A troca de nome solucionaria o problema dos homônimos, pois havia outra Rio Preto, em Minas Gerais. A mudança gerou revolta nas autoridades e na população. Uma comissão de autoridades rio-pretense viajou até o Rio de Janeiro para entregar carta, assinada por todos os juízes, promotores, advogados e serventuários da Justiça protestando contra a nova denominação da cidade.

“Seu nome representa não apenas uma nomenclatura para individualizar uma cidade, mas um símbolo que bem trata a cultura jurídica da comarca, que com apenas 40 anos de existência já é a primeira do Estado e quiçá do interior do Brasil”, destacava a carta, enfatizando que Rio Preto pelo intenso movimento forense classificou-se como primeira comarca do Estado.

Entre os que assinaram a carta estavam os juízes Aderson Perdigão Nogueira, Getúlio Evaristo dos Cantos. Geraldo Celseo de Oliveira Barga, Antônio Gonçalves Gonzaga, Edmar Pimenta, os promotores Carlos Carvalho Filho e Antônio Tavares de Almeida. Também assinava a missiva o presidente da 22ª Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Alceu Leônidas, e os advogados Aloysio Nunes Ferreira, João Norinha de Goyos, Philadelpho Gouveia Neto, Victor Brito Bastos e o major Leo Lerro.

Protestos na Imprensa

Os protestos acumularam de tal modo, tanto pela imprensa local e da capital paulista, como por todas as entidades de classe. O nome Iboruna causou incômodo na sociedade, acostumada com a europeização dos termos.

Uma semana após o recebimento do telegrama, Assis Chateaubriand mostrava simpatia pela causa e estampava nas páginas do jornal “Diário de S. Paulo”, na edição do dia 15 de maio, artigo com o título “Iboruna, uma espécie de nome feio que se pensa rebatizar Rio Preto”.

“Rio Preto não é nome vago de uma cidade qualquer e não poderá ser substituído assim, sem mais e nem menos, duma hora para outra”, escreveu Chateaubriand. “Rio Preto não é apenas um nome geográfico. É um verdadeiro ponto de referência da grandeza de São Paulo”.

“Não há nada que justifique a mudança do nome da bela cidade. O fato de haver outros Rios Pretos pelo Brasil imenso, não quer dizer que o município paulista deva ser rebatizado com esse nome estranho de Iboruna, que nada diz, que nada significa”.

“Na língua tupi-guarani, Iboruna poderá ser muito bonito, poderá ter um belo significado. Mas aqui não se fala tupi e pouca gente conhece o significado de certos vocábulos indígenas”, continou Chateaubriand. “O que há mais estranho e de mais condenado no caso é que os habitantes de Rio Preto não foram consultados, não foram ouvidos sobre a conveniência troca de nomes. Tudo foi feito à revelia do povo, dando-se um lacônico comunicado ao prefeito. Isso não está certo”.

O jornalista Leonardo Gomes, que atuou como diretor do jornal “A Notícia”, entre 1936 a 1970, também escreveu protestando veementemente a mudança proposta pelo Centro Geográfico: “Não podemos admitir o sacrifico de trocarem o nome de nossa cidade, a nossa Rio Preto, topônimo que soava por todo Estado de São Paulo e seguramente por boa parte do pais e muitas regiões estrangeiras como expressão de quase um século de trabalho bem sucedido, marcado pela individualidade da nossa gente que produz para a coletividade em que vive e quer ver desenvolver-se”.

Segundo Leonardo Gomes, Rio Preto era uma cidade estuante de vida. “E a Rio Preto, de Minas, por quem nós fomos imolados era cidade de seis ou sete mil habitantes, enquanto a nossa ultrapassava oitenta mil habitantes”, comparou o jornalista. “A Rio Preto, de Minas, era apenas uma pequena cidade mais velha que a nossa. E se estava decidido que perderíamos o nosso nome de Rio Preto, repudiamos aquele insólito nome de Iboruna. Soava mal. Causava-nos arrepios de blasfêmia, um repugnante nome feio”.

Embaixador interviu a favor dos rio-pretenses paulistas

Condomínio Iboruna em São José do Rio Preto


O embaixador José Carlos Macedo Soares, então presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estudos), não teve dúvidas em ordenar que Rio Preto voltasse a se chamar São José do Rio Preto, como era no passado.

No dia 21 de maio de 1944, o prefeito Ernani Domingues recebia desta vez telegrama assinado por Celso Azevedo Marques, chefe de gabinete da Interventoria Federal, para informar que o nome escolhido pela Comissão Revisora do Centro Geográfico foi São José do Rio Preto.

Estava então encerrado o malfadado caso do nome feio de Iboruna, que passou a ser mais um capítulo na história do município.

“Mas não era exatamente como se queria, quer era continuar a chamar a cidade de simplesmente Rio Preto”, escreveu Leonardo Gomes, anos mais tarde, no livro “Gente Que Ajudou a Fazer uma Grande Cidade”.

A subtração do nome São José, segundo Gomes, não era um desrespeito ao santo padroeiro da cidade. “Alias a nossa Diocese não é São José do Rio Preto e sim Bispado e Diocese de Rio Preto, como figura em todos documentos”. A mesma coisa, lembrava o jornalista, acontecia com a nomenclatura da Associação Comercial de Rio Preto (Acirp) e com o time mais antigo da cidade: Rio Preto Esporte Clube.

Ademais, argumentava, tanto os prefeitos quanto os vereadores consideravam   inconveniente o topônimo São José do Rio Preto em virtude de muitas cidades existentes com nomes parecidos, tais como São José do Rio Pardo, São José do Rio Verde, São José dos Campos, entre outras semelhantes. “Mas dos males o menor”, escreveu, em seu livro Leonardo Gomes. “Entre a barbaridade tupiniquim de Iboruna e o topônimo obsoleto e quilométrico São José do Rio Preto tivemos de optar por esse. Mas sinceramente não compreendemos porque deva insistir-se em chamar assim, quando todo mundo nos conhece por apenas Rio Preto. Seria bom encurtar o nome, antes com duas palavras e agora são cinco”.

Iboruna é hoje o nome da Galeria de Lojas que funciona na avenida Anísio Haddad, defronte ao Riopreto Shopping, em área que pertence do Rio Preto Esporte Clube.

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Edifício Altos de Iboruna presta homenagem ao nome indígena da cidade

Galeria Iboruna, construída pelos irmãos Teodoro, defronte ao Riopreto Shopping na avenida Faria Lima, em São José do Rio Preto



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