Márcio Germano, 44 anos, será o primeiro juiz cego a ser empossado no Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo |
Márcio Aparecido da Cruz Germano da Silva, 44 anos
de idade e deficiente visual, entrará para a história nesta sexta-feira (26),
ao tomar posse como juiz de primeiro grau na Justiça do Trabalho de São Paulo. Paranaense
de Maringá, Márcio Germano perdeu totalmente a visão ainda menino. Erros
médicos, segundo ele, causaram a cegueira definitiva.
Aos quatro anos de idade, Márcio Germano estava
com febre, mas o médico que o atendeu pensou que estava prestes a convulsionar.
Um remédio com dosagem para adulto foi dado a ele, que é alérgico e a partir
daquele momento desenvolveu a síndrome de Steven Johnson, que causa reação a
determinados medicamentos.
Ele não é o primeiro com deficiência visual a
ocupar esse cargo no Brasil. Antes dele, em 2014, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, na
época com 55 anos, alcançou o marco histórico ao se tornar o primeiro juiz cego
do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, no Estado do Paraná. A nomeação
representou um grande passo para a inclusão de pessoas com deficiência no
Judiciário brasileiro.
Ricardo nasceu prematuro, com apenas seis meses de
gestação e desenvolveu doenças que afetaram sua visão. Aos 23 anos, enquanto
cursava o terceiro ano de Direito na tradicional Faculdade do Largo de São
Francisco da USP (Universidade de São Paulo), Ricardo perdeu completamente a
visão. Com apoio dos colegas e familiares ele não desistiu de seus sonhos.
Concluiu a faculdade e atuou como procurador regional do Trabalho por 23 anos,
antes de ingressar na magistratura.
Márcio Germano tem história muito parecida e a
quem se inspirar, pois esteve lotado nos últimos anos no gabinete do
desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, primeiro juiz cego do Brasil.
Mas antes disso, Márcio trabalhou com técnico judiciário na Vara Federal
Criminal de Maringá, entre 2005 a 2011.
Pelas redes sociais, ele comemorou o resultado na
magistratura. “Após muitos anos de dedicação, persistência e resiliência,
finalmente no último dia 13 recebi o resultado de minha aprovação na prova
oral, a quarta e última etapa eliminatória do segundo concurso nacional
unificado para a Magistratura do Trabalho”.
Márcio também virou notícia nos principais
veículos de comunicação no país. “Estou muito feliz por realizar esse sonho”,
declarou ele, para um dos muitos jornais, para o qual concedeu entrevista. “É
uma expectativa muito grande. Sei que haverá muito trabalho, mas o tribunal já
tem dialogado comigo de uma forma muito bacana. Está me recebendo muito bem.
Tenho certeza que eu vou, junto com o tribunal, trabalhar de forma plena e
fazer aquilo que eu acredito. O direito do trabalho lida com a coisa mais sensível
da vida humana, que é o trabalho”.
Desembargador Ricardo Tadeu preside sessão no Tribunal Regional do Trabalho no Paraná |
Márcio Germano será o primeiro juiz cego no Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo |
Tanto Márcio Germano quanto Ricardo Tadeu são
exemplos de superação, força de vontade e determinação. Suas histórias inspiram
outras pessoas com deficiência a buscarem seus sonhos e quebrarem barreiras. Ambos
se formaram em Direito com louvor, demonstrando inteligência, perseverança e
capacidade de superar obstáculos.
Apesar de suas conquistas, Ricardo Tadeu e Márcio
Germano enfrentaram preconceitos ao longo de suas carreiras. Em 1990, quando
Ricardo foi aprovado no concurso para juiz no Tribunal Regional do Trabalho de
São Paulo, ele foi considerado inapto para o cargo por ser cego. Essa
experiência dolorosa o motivou mais ainda a lutar por seus direitos e pela
inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
Ricardo se tornou defensor incansável da inclusão
e da justiça social. Frequentemente convidado para palestrar sobre sua história
de vida e sobre a importância da inclusão, ele já recebeu diversos prêmios e
homenagens por seu trabalho e ativismo em prol da inclusão. Lançou em 2016 o
livro autobiográfico “Memória Paraná”, em que narra sua trajetória de vida e
suas lutas por inclusão social. “não existe o ‘não pode’. Tudo é método. É
questão de se encontrar o método adequado para fazer o que se quer”, afirma.
Além dos sistema de leitura em braile existem muitos outros sistema mais avançados destinado aos deficientes visuais
Na faculdade de Direito, Márcio Germano conseguiu estudar com a ampliação dos livros em formato digital e ajuda dos colegas. Muitos liam os livros para ele, que tinha o poder de concentração para memorizar o conteúdo. Ele conseguiu, durante todo o seu curso na faculdade, apenas um livro em braile.
Germano explica que material para estudo hoje é
diferente para os deficientes visuais. Há duas décadas, a situação era
completamente diferente. Hoje quaisquer textos são convertidos em voz,
facilitando o entendimento para quem é deficiente visual. “Posso dar o comando para ler um caractere, uma
palavrar, uma linha ou texto todo e o programa vai fazendo a leitura”, explica.
“Também entro em contato com a editora, sinalizo minha condição, mando um laudo
médico, assino um termo de responsabilidade de não repassar esse material e
consigo comprar, em algumas e não em todas, um livro em formato digital
acessível”.