Léo Taxil foi o maior impostor e vigarista de todos os tempos: mentia por prazer e diversão |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
Leo Taxil foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais refinados vigaristas de todos os tempos, conseguindo enganar por mais de 10 anos a Igreja Católica, além de, propositalmente confundir a opinião pública. Para começar era falso até no nome. Marie Joseph Gabriel Antoine Jogand Pages, era o seu nome verdadeiro de batismo. Nascido em 21 de março de 1854, em Marselha, segunda maior cidade da França. Seu pai era pequeno comerciante no ramo de ferragens.
Estudou em colégio de padres jesuítas, mas aos 14 anos foi expulso da escola por indisciplina. Aos 16 anos se autointitulou como jornalista, adotando o nome de Léo Taxil, e começou a fazer publicações sensacionalistas para ganhar leitores, fama e dinheiro. Fundou o jornal “La Marotte”, proibido de circular por violar a moral e os bons costumes. Chegou a escrever 16 livros contra a Igreja. Publicava histórias pornográficas contra a Igreja Católica. Fez sucesso. Mas foi condenado a oito anos de prisão.
Conseguiu escapar da prisão, fugindo para a Suíça. Regressou mais tarde, aproveitando-se de uma anistia. Aos 27 anos, ingressou numa loja maçônica, em 21 de fevereiro de 1881. Mas logo foi expulso, ainda no grau de aprendiz. A expulsão, em 13 de dezembro de 1881, deveu-se por ele ter sido condenado em processos de plágio.
Em abril de 1885, Taxil, depois de fundar o jornal La France Chrétienne (A França Cristã, em português), anunciou com grande estardalhaço sua “conversão” ao catolicismo. Começou a escrever artigos e publicar livros para tentar ligar a Maçonaria ao satanismo, estigma que os maçons jamais conseguiram se livrar totalmente. Essa mistificação foi e ainda é utilizada por todos os detratores da Maçonaria, que ignoram que as acusações se baseiam em mentiras.
Taxil acusou a Maçonaria de satanismo e adoração a um ídolo com a cabeça de um bode, definido como Batphomet. Publicou uma suposta confissão de uma tal de Diana Vaughan sobre suas experiências com a Maçonaria, onde inventou que seus integrantes bebiam o sangue das pessoas vivas e mais um monte de asneiras. Acusou os maçons de promoverem culto ao satanás e que seu protetor era Lucifer. Afirmava, naquela época, como agora ainda tem quem acredita, que uma instituição de iluminados queria dominar o mundo sob a inspiração de uma ordem satânica e que para isso estavam dispostos a assassinar os líderes políticos e religiosos de todos os países.
Livros polêmicos
Livros de Leó Taxil estão a venda, até hoje, em qualquer livraria online |
Ao todo foram mais de 40 títulos contra a Maçonaria que tiveram razoável sucesso de vendas. Alguns chegaram a ter mais de 36 mil impressões, só na França. Seus livros, vendidos em séries, causaram tanta polêmica que, em 1887, Taxil foi recebido pelo Papa Leão 23, que acreditou nele, e não no bispo de Charleston (Carolina do Sul, EUA), Monsenhor Northon, que já havia denunciado como falsos os escritos de Taxil.
O Papa declarou ser admirador das obras de Taxil e solicitou que ele escrevesse mais livros e passou a financiá-lo. Ao saber do testemunho da “ex-satanista” Diana Vaughan que teria sido salva pela falsa aparição de Joana D’Arc, a freira Terezinha, que mais tarde foi canonizada como santa, ficou comovida. Enviou à Diana, que não existia, uma carta ao jornal uma foto sua caracterizada como Joana D’Arc.
Além de Leo Taxil, esse escritor de obras espúrias também utilizou de outros pseudônimos como Dr. Bataille, Dr. Chades Hacks, Paul Regis, Adolphe Ricoux, Diana Vauglan e Samuel Paulo Rosen, entre outros, se escondendo no anonimato, para publicar suas heresias, a princípio contra o alto clero e depois para atacar a Maçonaria. Suas invenções eram retransmitidas por outros autores, reais ou fictícios, que foram cúmplices ou ludibriados por acreditar fielmente em suas mentiras.
Papa João 23 acreditou nas mentiras de Taxil e resolveu patrociná-lo, mesmo sendo advertido pelo bispo de Charleston de que tratava-se de mentiras |
Cartaz de convite para palestras de Leó Taxtil |
Reflexo no Brasil
Léo Taxil no início de carreira como escritor |
Seus livros anti-maçônicos sucederam-se a um ritmo frenético. Foram traduzidos para diversos idiomas. E só na França, chegavam a ter tiragem acima de 36.00 exemplares. Teve reflexo até no Brasil. Os bispos de Olinda, D. Vital Maria Conceição de Oliveira, e o de Belém, D. Antônio Macedo, resolveram, em 1872, atender às ordens de Roma e expulsaram todos os maçons das ordens religiosas. Chegaram a proibir que os padres celebrassem missas fúnebres encomendas pelos maçons. Visconde do Rio Branco e Rui Barbosa saíram em defesa dos maçons e o bispo de Olinda acabou sendo preso, com 4 anos de prisão com trabalhos forçados.
Taxil “revelava”, em seus escritos, a existência de uma ordem maçônica secreta denominada Palladium, na qual os maçons eram incorporados pelo demônio. Dizia que nos rituais os maçons dançavam ao redor de Baptphomet, criatura pagã que possuía corpo humano com cabeça de bode. Vários de seus livros descrevia o aparecimento pessoal de Satanás nos rituais maçônicos, que tomava forma de crocodilo ou jacaré. Eram todas invenções diabólicas. Para tornar a farsa mais credível, Taxil misturava alguns fatos reais com elementos fantasiosos.
Era um elemento visionário, ambicioso, que sonhava com a fama e com uma carreira que lhe rendesse dinheiro fácil. Vaidoso e infiel, vislumbrava a enganosa imagem de um homem sério, inteligente, de boa aparência, de boa conversa, capaz de ludibriar com facilidade os que, imbuídos de boa-fé, com ele se relacionassem. Com sua fala mansa e falsos escritos enganou até o santo Papa. Foi o responsável por uma das maiores vergonhas que um papa já passou.
Léo Taxil já quase no fim de vida |
Grande Conferência de Taxil
Cerca de trezentas pessoas assistiram boquiabertos o sarcasmo e frieza do impostor |
Após dez anos sendo patrocinado pelo Papa, Taxil chamou todos os bispos, sacerdotes, jornalistas de diversos países e autoridades civis e religiosas para uma conferência coletiva no dia 19 de abril de 1887 com Diana Vaughan. Era uma segunda-feira, após o Domingo de Páscoa. O local escolhido foi o salão da Sociedade Geográfica de Paris. Só entrava convidados. Preventivamente mandou recolher as bengalas e guarda-chuvas de todos logo na entrada. Para atrair os presentes ao evento tinha anunciado que seria sorteado uma máquina de escrever, um luxo para a época. O ganhador foi o redator do jornal Diário d Ik Dam, de Constantinopla (hoje Istambul), Ali Kemal, que viajou da Turquia para a França para participar do evento. Além dele, tinha vários outros jornalistas presentes de diversos países.
Aparecendo sozinho, Léo Taxil explicou tranquilamente, lendo um discurso de 33 páginas, para uma plateia boquiaberta, que tudo que havia publicado fora invenção sua. Diana Vaughan, assim como tantos outros personagens que aparecem em seus livros, não existia.
Explicou detalhadamente os cuidados que teve para criar e manter a farsa e agradeceu ao clero por financiar e dar publicidade às suas obras. Alegou que suas publicações “selvagens” não passavam de uma “brincadeira amigável” e que teria feito tudo aquilo para se divertir e para “mata-los através de risos”. Isso provocou um grande tumulto, um escândalo e revolta em todos os presentes. Sob gritos exaltados, alguns bispos e sacerdotes reclamaram de terem tido confiscadas suas bengalas para acertar a cabeça daquele farsante. A revelação de Taxil, contada em detalhes, de que tudo não passava de uma grande farsa, deixou a maioria da plateia enfurecida. Ele precisou da intervenção da Polícia, para não ser linchado, e saiu, escondido, pelas portas dos fundos do local. E desapareceu de Paris.
Na conferência revelou outros crimes e farsas praticadas por ele. Contou que quando tinha 19 anos, em Marselhas, a cidade toda se apavorou com centenas de cartas chegando na administração informando que a costa estava infestada de tubarões. Com isso, a praia ficou fazia e os pescadores se recusavam em sair para pescar. Tudo não passava de mentira. Essas cartas, revelou, tinham sido todas escritas pela mesma mão: a dele.
Também revelou outra situação espalhafatosa quando esteve na Suiça, fugindo da prisão em Paris. Com auxílio de um padre inventou que no Lago Lenon, o maior da Europa, havia uma cidade submersa. Isso fez atrair dezenas de jornalistas e curiosos até Genebra.
Bispos no Brasil quiseram expulsar os maçons das instituições católicas |
Tradução dos livros
O escritor e tradutor Lourival Perez Bacan traduziu do francês para o português, a pedido de editoras, alguns livros de Leo Taxil e também o discurso de 33 páginas feito por ele, em 19 de abril de 1897, na Sociedade de Geografia de Paris. Ele revelou à reportagem da Folha2 ter iniciado a tradução do livro “La Biblia Amusante” (Bíblia Divertida, em português). “Mas parei no meio do caminho por tantos absurdos”, afirmou. “Se eu lançasse a tradução deste livro teria sérios problemas aqui no Brasil”.
Bacan tem em seu currículo, desde 1975, mais de 700 obras publicadas. Além de muitas traduções, ele também possui vários livros de sua autoria. Publicou em 1996 “Sassarico”, sobre o fim do ciclo do café, em 1998 o livro de poemas “Alchimia” e em 1999 lançou “Redação Passo a Passo”. Em 2007 publicou “A Sabedoria dos Salmos”, “Sociedade Secreta dos Templários” e “O Livro Secreto da Maçonaria”. Ele também é autor, junto o cantor Wilmar Cirino, do Hino da Loja Maçônica de Londrina, cidade onde reside, no Paraná.
Para o historiador e professor Luiz Mário Ferreira Costa, a lição de Táxil para aquela plateia em Paris e também para o mundo atual é de que “o demônio só existe na cabeça de quem acredita”. “Infelizmente ainda temos muitos ‘Taxil’ vivendo neste período atual para esparramar invenções e mentiras dos outros, inclusive na Maçonaria”, afirma Renato Grizel, acrescentando que “não basta conhecer os nossos deveres, nem promulgar nossos direitos: é preciso cumprir uns e garantir também os direitos dos outros”.
Decisão publicada no Grande Oriente da França, que expulsou Taxil da Maçonaria |
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Papa João 23 foi um dos enganados por Taxil, embora tenha sido alertado pelo bispo de Charlote de que tudo era uma grande farsa |