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O cantor Nelson Gonçalves não se chamava Nelson

 Nelson Gonçalves é o segundo maior vendedor da história brasileira, ficando atrás apenas de Roberto Carlos.

 

Nelson Gonçalves, jornalista da Folha2

O cantor Nelson Gonçalves não chamava Nelson. Seu nome verdadeiro era Antônio Gonçalves Sobral e o nome artístico foi lhe proposto, quando tinha 21 anos e estava casado havia três anos com Elvira Molla, pela cantora Sônia Carvalho, que já tinha consolidada uma rica e sólida carreira e morava numa mansão na avenida Paulista. Ela também utilizava da mesma façanha. Seu nome verdadeiro era Maria de Nazareth Reis.

Nascido na cidade gaúcha de Santana do Livramento, filho dos imigrantes portugueses Libânia e Manoel Gonçalves. Os pais inicialmente moravam no Rio de Janeiro, onde nasceu o primeiro filho Joaquim. Trabalhando no ramo de tecidos e buscando melhores oportunidades mudaram para o Rio Grande do Sul, se estabelecendo em Santana do Livramento, onde nasceu Antônio, o segundo filho, em 25 de junho de 1919.

Antes de dar prosseguimento a esta matéria é importante esclarecer que o jornalista que a escreve, Nelson Gonçalves, não tem esse nome por causa do cantor. Seu pai, Manoel Gonçalves, escriturário da empresa Anderson Clayton, coincidentemente com nome igual ao do progenitor do cantor, também era descendente de portugueses. E naquela época não era ligado ao mundo da fama dos artistas. Morava numa cidade do interior paulista, onde mal chegavam as ondas sonoras do rádio. Os artistas tinham fama e eram conhecidos nas capitais e grandes cidades. Nas cidades do interior, onde tudo demorava mais tempo para chegar, muitas vezes os artistas famosos das capitais eram desconhecidos do público.

 Além disso, naquela época, final dos anos 50 e início dos anos 60, o cantor estava no ostracismo. Tinha sido preso por envolvimento com drogas. Com certeza o escriturário da multinacional, que sempre prezou pela retidão na vida e nos negócios, não iria colocar no filho o nome de alguém que estivesse envolvido com o mundo das drogas. Ele mesmo contara depois, para família e amigos, que o filho era para ser batizado com dois nomes, como o foram todos os seus demais filhos. Era para ser Nelson Francisco. Mas na hora do registro o cartorário acabou esquecendo de datilografar “Francisco” na certidão de nascimento. Assim, o filho cresceu ouvindo e escutando, até hoje, o bordão “canta aí: 'boêmia, aqui me tens de regresso...'” quando informa seu nome às pessoas. 

O nome Nelson era muito comum nos Estados Unidos por causa do empresário milionário Nelson Rockefeller do artista Wille Nelson, que inspirou muitos pais a colocarem esse nome em seus filhos. No Brasil o cantor Bob Nelson, que fez sucesso interpretando as músicas "Oh Suzana" e "Eu Tiro o Leite", também inspirou outras famílias a batizarem seus filhos com o nome Nelson.

Vida no bairro do Brás, em São Paulo

Nelson Gonçalves aprendeu a lutar boxe treinando numa academia no bairro Tatuapé

Em 1926, a família do cantor mudou-se para São Paulo, estabelecendo-se no bairro do Bras. Na escola, por causa da sua gagueira, o segundo filho do casal Gonçalves sofreu gozação dos colegas e golpes de palmatória da professora por sua dificuldade em soletrar as palavras. Num desses castigos, jogou um tinteiro na professora, provocando sua expulsão da escola.

Nesta época, Antônio passou a ajudar o pai, nas horas vagas, no sustento do lar. Acompanhava-o em praças e feiras. Enquanto o pai tocava violino, o filho cantava, agradando os transeuntes que jogavam gorjetas no chapéu estendido no chão. Em dado momento, seu Manuel deixou o trabalho na fábrica de tecidos para tentar a carreira musical. Cantava fados em barbearias, bares e praças. O dinheiro foi ficando curto e Manuel chegava a se fingir de cego para sensibilizar os passantes.

Para ajudar a sustentar o lar, Antônio com o apelido de “Metralha”, por causa da gagueira, trabalhou como jornaleiro, mecânico, engraxate, polidor de carros e como tamanqueiro, profissão que atuou por dois anos, consertando e produzindo tamancos, um calçado rústico com base de madeira. Querendo ganhar mais dinheiro e seguir uma profissão matriculou-se numa academia de boxe, no bairro do Tatuapé, em São Paulo. Inscreveu-se em concursos de luta e venceu. Tornou-se lutador de boxe na categoria peso-médio, recebendo aos 16 anos de idade, o título de campeão paulista da sua categoria. Após o prêmio ficou mais um ano lutando e decidiu abandonar as lutas para concentrar todos seus esforços na música.

Quando Joaquim, seu irmão mais velho, abriu um restaurante na esquina da avenida São João com a Alameda Nothman, ainda com o nome de Antônio passou a se apresentar, diariamente, junto com o pai no local. Viviam de gorjetas e do couver artístico.

Casou-se aos 18 anos com Elvira Molla, paulistana de família de operários descendente de italianos. Com ela, teve um casal de filhos: Marilene e Nelson Antônio Molla Gonçalves.

Rejeitado no começo da carreira

Ele se apresentava em diversos programas de calouros e era rejeitado por todos

Apesar da forte gagueira, tomou coragem e foi se apresentar em concursos de calouros nas rádios paulistanas. Foi reprovado por diversas vezes, mas não desistiu. Por meio da esposa Elvira foi apresentado à Sônia Carvalho, cantora com voz aveludada que fazia sucesso interpretando sambas na Rádio São Paulo. Foi Sônia quem sugeriu o nome artístico de Nelson Gonçalves e lhe entregou uma carta de recomendação para se apresentar na emissora onde trabalhava. Nelson fez teste com o maestro Gabriel Migliori e conseguiu um contrato de 300 mil réis por mês, um bom salário para a época. Porém quando começou a Segunda Guerra Mundial o país entrou em crise e ele foi dispensado. Começou a trabalhar como garçom no bar do irmão. Seu ordenado caiu para 66 mil reis por mês e mal dava para cobrir as despesas de casa.

Em busca de uma vida melhor, com 22 anos, casado e com dois filhos, partiu para o Rio de Janeiro, onde fez uma verdadeira via-sacra pelos programas de calouros em diversas emissoras. "Não passei em teste nenhum", lembrava. Ary Barroso o aconselhou desistir de cantar e procurar outra profissão. Foi reprovado na maioria dos concursos de calouros. Mesmo desolado, prometeu para si mesmo que não desistiria do sonho de ser cantor. Chegou a dormir nos bancos de rua da Praia do Flamengo por alguns dias, pois estava sem dinheiro. Em duas semanas decidiu voltar à São Paulo. 

Continuou a cantar no bar do seu irmão, enquanto tentava a sorte se apresentando em boates e clubes da vida noturna. Um dia, os compositores Orlando Monello e Oswaldo Franca lhe ofereceram a oportunidade para ser o interprete de duas músicas em um disco de acetato. Agarrou a oportunidade na hora. E gravou o disco. 

Parceria com a gravadora RCA Victor

Nelson Gonçalves em 1941, quando gravava o seu primeiro disco

Com um disco em mãos, já com o nome de Nelson Gonçalves, voltou ao Rio de Janeiro para conversar com a direção da RCA Victor, gravadora que se consolidava no mercado com artistas como Almirante, Mário Reis, Carmem Miranda, Luiz Gonzaga e Aracy de Almeida. O diretor e maestro Benedito Lacerda preparou um teste e ficou impressionado com o timbre de voz daquele jovem. Assim, Nelson entrou no estúdio da RCA Victor em 4 de agosto de 1941 para gravar e formar uma longa parceria, de quase seis décadas, com a gravadora. No mês seguinte, por intermédio de Carlos Galhardo, foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga por 600 mil reis por mês e mais 100 mil por cada disco gravado.

 Ao longo de 59 anos, ele gravou mais de duas mil canções, 183 discos em 78 rpm, 128 álbuns e vendeu mais de 75 milhões de cópias. Só perdeu na vendagem de discos para Roberto Carlos. Ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina.

Durante nove anos também foi um dos crooner do Cassino do Hotel Copacabana Palace, que lhe rendia bom dinheiro e proporcionou comprar uma casa no bairro do Leme. Em 1952 iniciava uma bem sucedida parceria com o compositor Adelino Moreira. Nascido em Portugal, mas que se considerava brasileiro porque chegou ao Brasil com um ano de idade, Adelino foi autor das músicas de maiores sucesso do cantor. Entre elas “Ultima Seresta”, “Meu Vício é Você” e a emblemática “A Volta do Boêmio”. É impossível ler os versos iniciais dessa música e não vir à memória, imediatamente, a voz de Nelson Gonçalves ressonando com toda a sua potência e virilidade. Sua voz ficou marcada como uma das mais significativas e populares da história da música popular brasileira.

Rei do Rádio e cantor das multidões

Em pouco tempo Nelson Gonçalves ganhou fama e uma multidão de fãs para vê-lo cantar

Nelson ganhou fama e dinheiro. E se tornou conhecido como o “Rei do Rádio”, pois suas músicas disparavam nas paradas de sucesso de todas as emissoras. Eram as mais pedidas pelos ouvintes. Na década de 1950, além de shows por todo o Brasil chegou a se apresentar em países como Uruguai, Argentina e Estados Unidos. Após uma apresentação nos Estados Unidos, Frank Sinatra elogiou-o dizendo que “sua voz é uma das melhores vozes que já ouvi até hoje”.

Vida pessoal e vários casamentos

Nelson e cantora Lourdinha Bittencourt com quem esteve casado e viveu conturbado relacionamento amoroso, repleto de brigas

Em meados dos anos 40, Nelson separou-se da primeira esposa. Sozinho no Rio, passou a acompanhar malandros no bairro da Lapa e conheceu Vera Alves Guimarães, conhecida como Belly White, cantora que não se sentiu correspondida por ele e acabou se suicidando em 1946. Também teve um caso com a vedete espanhola Nancy Montez. 

Em 1947 seu nome apareceu nos jornais num escândalo que logo foi abafado. A senhora Irene Meire Lis acusava o cantor de ter estuprado sua filha menor, Myriam de Meira Lins. O processo contra ele foi arquivado por falta de provas.

Mulheres e o jogo – cartas e cavalos – também foram uma espécie de vício na vida do cantor Nelson Gonçalves. Se deu mal tanto no jogo quanto na maioria dos seus romances. No início dos anos 60, ele mantinha relacionamento com três mulheres ao mesmo tempo, enquanto sua primeira esposa vivia à mingua, sustentando-se como manicure. Lourdinha Bittencourt, a segunda mulher, cantora de sucesso nos anos 40, quando o deixou, depois uma vida conturbada por causa das drogas, teve de ganhar a vida vendendo livros e bolinhos de macaxeira para turistas no Pão de Açúcar.

Cocaína arruinou a vida do cantor

Nelson tinha filhos pequenos quando ficou preso, acusado de usuário e traficante de drogas

Nelson experimentou cocaína em 1956, ao retornar de uma turnê de Minas Gerais que o deixou exausto. Um conhecido lhe ofereceu a droga e ele se rendeu à sensação que o pó causava. Durante quase uma década sua vida desabou em problemas. Lourdinha o deixou e o cantor ouvia comentários jocosos durante suas apresentações. Foi notícia nos jornais no dia em que agrediu uma de suas amantes, a bailarina Nanci Montez.

Em 1964 mudou-se para São Paulo com a nova companheira Maria Luísa da Silva, com quem teve os filhos Ricardo, Jaime e Maria das Graças. Lá foi preso, acusado de porte e tráfico de drogas. Passou um mês na Casa de Detenção do Carandiru, enquanto Maria Luísa juntava economias dela para pagar advogados. Foi julgado e posto em liberdade, após comprovar que um traficante de quem parou de comprar o denunciou como retaliação, informando à polícia que Nelson mantinha um quilo de cocaína em sua casa para o tráfico de drogas.

Após sair da cadeia, internou-se numa clínica para tratamento. Ficou isolado durante quatro meses. Deixou a cocaína, mas não o cigarro, que possivelmente afetou seu sistema respiratório e lhe causou dois enfartes, o último definitivo, em 1998. Também não largou do uísque, que sempre tomava uns goles antes de iniciar seus shows.

Num depoimento para a televisão, contou que ficou, por certo período, totalmente dependente da droga. “Chegou a tal ponto que eu, já cantor famoso, tendo inclusive se apresentado nos Estados Unidos, fui cantar a troco de cinco ou seis gramas de cocaína na casa de algum barão do tráfico”.

Em 1973 conseguiu abandonar o vício, sempre com apoio da mulher e dos filhos. Totalmente recuperado, retornou sua carreira, cada vez mais bem sucedida, gravando discos com os principais nomes da música popular brasileira. Sempre atento aos sucessos, dividiu faixas em discos, cantando lado a lado, com Martinho da Vila, Alcione, Fafá de Belém, Angela Rô Rô, Lobão,  Caetano Veloso, Fagner, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Chico Buarque, Cazuza, Elba Ramalho Lulu Santos e grupos como Kid Abelha e Legião Urbana, entre outros famosos. Artista de personalidade conturbada, ele venceu a pobreza e se tornou rico e famoso. Depois de decair, recuperou tudo e se tornaria ainda mais rico.

Dificuldades para voltar aos palcos

Nelson Gonçalves largou as drogas, mas jamais abandonou o cigarro e o uísque

Após a prisão Nelson precisava dar as caras para voltar em cena com os shows. Mas muitos amigos lhe deram as costas. O cantor Francisco Petrônio apresentava um programa de bailes na TV Excelsior, foi um deles. Se recusou a levar Nelson para se apresentar em seu programa. “Nelson Gonçalves é um produto impróprio para o consumo dos telespectadores do canal 9. A TV Excelsior é uma emissora familiar. Não permitiremos viciados em meu programa”, teria dito Petrônio, a quem o procurou para tentar escalar o artista no programa.

Silvio Santos foi um dos poucos a mostrar solidariedade para o cantor. “Se o Nelson voltou a cantar, bota o Nelson para cantar, ora essa! E não é nenhum de nós que vai julgar. Contrato o homem”, teria dito Silvio Santos, dando oportunidade para Nelson Gonçalves voltar aos palcos do seu programa.

 O boxeador Éder Jofre foi um dos poucos que levantou a mão para mostrar ao público que Nelson estava limpo das drogas. Organizou uma luta, em 1967, um ano após Nelson sair da prisão. A luta foi realizada no ginásio do Ibirapuera com renda destinada à entidades filantrópicas. O campeão do boxe deixou que o amigo batesse, até acertá-lo com um soco no queixo, indo a nocaute.

Numa entrevista ao Jornal do Brasil, em 1978, Nelson revelava que tinha intenção de escrever uma autobiografia. “Meu próximo passo será escrever um livro. Porei tudo o que fiz e o que não fiz. Mas, quando sair já estarei debaixo da terra e a verdade de um morto ninguém desmente. São coisas que vão magoar, mas vão entender que eu respeitei enquanto vivo”.  Umas das magoas do cantor era que ele foi rejeitado pela direção do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro de gravar depoimento, por sua ligação com as drogas. Também deixou claro seu ressentimento pelo fato de quando esteve nos piores momentos e esteve preso nenhum dos artistas famosos do rádio e televisão, que se diziam seus amigos, o foram visitar. “O único amigo que apareceu para visitar no Carandiru foi o Adelino Moreira”.

Em 1986, Nelson Gonçalves foi picado pela mosca da política. Achou que com a fama pudesse chegar facilmente ao Congresso Nacional como candidato a deputado constituinte daquelas eleições. Foi candidato derrotado pelo PFL de Minas Gerais, com 14.583 votos, ficando em 13º lugar como suplente do partido. O resultado foi um fiasco para quem esperava obter 600 mil votos. Em 1988 tentou disputar uma vaga na Câmara dos Vereadores de Niterói pelo PJ, o Partido da Juventude, criado por Fernando Collor. Sentindo que não teria votos suficientes para ser eleito, desistiu da candidatura das eleições. “Agora não me candidato a mais nada, só a rei Momo para apalpar o bumbum das moças”, disse ele, em tom de brincadeira, numa entrevista pra um jornal.

Dois anos antes de falecer, aos 76 anos de idade e 55 de carreira, ainda estava em pleno auge de produção e trabalho. Fazia shows no Palace, em São Paulo, Canecão no Rio, em teatros em Manaus, participava de entrevistas nos programas do Jô e Hebe Camargo e viajava fazendo shows por todo o Brasil.  Morreu em 18 de abril de 1998, devido a um enfarte, no apartamento de sua filha Marilene, fruto do seu primeiro casamento, enquanto a visita no Rio de Janeiro. Está sepultado no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.

Em 1967 quando se preparava para luta histórica com Eder Jofre

Adelino Moreira foi sócio e amigo de Nelson Gonçalves por longos anos

Nelson Gonçalves com o campeão de boxer Éder Jofre




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