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Antiga sede histórica do Paraguaçu Tênis Clube, com dois salões um em cima e outro em baixo onde foram realizados memoráveis bailes carnavalescos e de debutantes |
Por Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
Era
29 de maio de 1988, um domingo. Era para ter sido um domingo e final de semana de
festa na cidade de Paraguaçu Paulista. Mas essa data entrou para a história no
calendário da cidade como um dia triste porque aconteceu, durante a madrugada,
o brutal assassinato do presidente do Paraguaçu Tênis Clube. O presidente do
Banco do Brasil, Camilo Calazans, tinha estado na cidade no dia anterior para
inaugurar o ginásio de esportes da AABB (Associação Atlética do Banco do
Brasil) e foi recebido com alegria, banda de música, festa e boas recordações.
Calazans
nasceu em Aracaju, capital de Sergipe, mas foi na agência do Banco do Brasil de
Paraguaçu Paulista, em 1949, que ele iniciou sua carreira como funcionário
concursado. Passou por várias funções e atividades até chegar ao principal
cargo no banco. Por isso ele tinha um carinho especial pela cidade e liberou
recursos para que o ginásio de esportes da AABB pudesse ser construído.
Estávamos lá nesse dia, como repórter e assessor de comunicação da Prefeitura
de Paraguaçu, quando Calazans discursou emocionado, ao lado do prefeito
Edivaldo Hasegawa, contando passagens e boas lembranças de seu ingresso no
banco nessa cidade.
A
sede da AABB ficava numa chácara a poucos metros do trevo de entrada do
distrito de Conceição de Monte Alegre. Afastada a pelo menos uns 400 metros da
pista asfaltada da rodovia SP-421, que cruza mais a frente com a rodovia Raposo
Tavares (SP-270) e dá acesso à Maracaí, a sede da AABB ficava num local imerso
e isolado no meio do mato.
No
sábado à noite era realizado naquele ginásio de esportes, para marcar a
inauguração, o Baile Anos Dourados, animado por um dos conjuntos musicais da
vizinha cidade de Assis. Com salão todo decorado e repleto de pessoas da alta
sociedade paraguaçuense o baile se estendia, super animado, por madrugada
afora. De repente chega no baile um conhecido jovem bicheiro, patrocinador de
escolas de samba e do time do Vocem, sigla da agremiação de futebol da Vila
Operária Clube Esporte Mariano, que surgiu em 1954 de forma inusitada, em Assis.
Seu fundador, padre Aloísio Belini, não tinha como finalidade conquistar
títulos ou revelar grandes craques.
O
objetivo do padre ao fundar um time de futebol, num bairro da periferia, era instigar os jovens a
frequentar a igreja. Não bastava ser bom de bola para garantir a titularidade
no time. Era preciso frequentar a missa, onde o padre distribuía vales para dar
direito a escalação na equipe principal. Logo o “Esquadrão da Fé”, apelido dado
ao time na região, ganhou fama nos estádios com 22 participações nos campeonatos
organizados pela Federação Paulista de Futebol. Suas melhores fases foram justamente
na década dos anos 80 quando chegou ao quadrangular da fase final dos
campeonatos de divisão de acesso e ganhou patrocínio das lideranças do jogo do
bicho na cidade.
Mas
voltando ao baile, o líder do jogo do bicho de Assis se engraçou com uma das
moças presentes. Ela teria recusado convite de dança do bicheiro. A moça fazia
parte de um grupo liderado pelos filhos de um ex-prefeito da cidade, Carlos
Arruda Garms. Os rapazes desse grupo eram considerados como valentões e não desprezavam
briga de jeito nenhum. De repente o clima esquentou. Os olhares dos grupos se
cruzaram e o tumulto generalizado começou, com garrafas e cadeiras atiradas.
Quando
o tumulto começou e o clima esquentou, com garrafadas e cadeiradas sendo
disparadas, o jovem cartorário Wilson Fagundes Rodrigues, o popular Kudal,
percebendo que a situação pudesse se complicar ainda mais, pegou a esposa,
Creuza Cândido Rodrigues, pelas mãos e se retirou do local. Ficou com medo que,
no meio daquele caos, algum objeto pudesse acertar ele ou a esposa, que não
tinham nada a ver com aquela bagunça. Se dirigiu ao carro e rapidamente arrancou
em direção a cidade.
Porém,
faltando poucos metros para chegar ao asfalto da rodovia SP-421, Kudal precisou
parar o carro para urinar. Tinha tomado algumas cervejas e estava com a bexiga
apertada para continuar a curta viagem até Paraguaçu Paulista. Estava escuro e
nisso o Scort vermelho que trazia o bicheiro e seus comparsas, o confundiram
com um dos integrantes do grupo liderado pelos filhos do ex-prefeito com quem
tinham brigado poucos antes no salão da AABB. Não pensaram duas vezes. Sem
dizer uma palavra, dispararam cinco tiros certeiros e a queima roupa contra
Kudal, a quem sequer deu tempo para se defender. Saíram em disparada, fugindo
rumo à Assis. Foram presos alguns dias depois.
A
esposa de Kudal levou um tiro de raspão. Socorridos por uma viatura da Polícia
Militar foram levados até a Santa Casa de Paraguaçu Paulista. Kudal não
resistiu e faleceu, deixando viúva a esposa e dois filhos menores, Rodrigo e Paola.
O crime chocou os paraguaçuenses. O corpo de Kudal foi velado, durante toda a
madrugada e no dia seguinte, no salão térreo do clube que ele presidiu por
tantos anos. O clima no salão que abrigou tantas festas, inclusive
carnavalescas, era de profunda tristeza, com muito choro dos associados do
clube.
“Paraguaçu
Paulista está estarrecida pela brutalidade dos acontecimentos, uma vez que
desordeiros de outra cidade aqui vieram para estragar uma festa linda e enlutar
a cidade”, escreveu o jornalista Osório Lemaire de Moraes, editor e
proprietário do jornal “A Semana”. A Rádio Marconi, como era costume naquela
época, suspendeu seus programas tradicionais e ficou dois dias tocando somente
músicas fúnebres. As lojas do comércio, em plena segunda-feira, baixaram as
portas para a passagem do cortejo. O prefeito Edivaldo Hasegawa decretou luto
por três dias no município, com as bandeiras sendo hasteadas ao meio dos
mastros e amarradas com um laço preto. Enfim foi um final de semana que começou
alegre e com festa em Paraguaçu Paulista e terminou triste, com a cidade
enlutada pela morte do presidente do principal clube da cidade.
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Sede antiga do Paraguaçu Tênis Clube na área central da cidade |
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Para alguns a fachada da sede traz boas recordações, para outros não |
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Fac-simile do jornal "A Semana" que noticiou o crime na sua edição de 5 d junho de 1988 |
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Ginásio de Esportes da AABB em Paraguaçu Paulista, inaugurado em 1988 com a presença de Camilo Calazans
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