Folha2

Quatro tripulantes refazem 523 anos depois o caminho de Cabral

A croata Matea, Macierinha, Josie e Murilo Novaes, tripulantes do Legonn 46

 Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

Refazendo praticamente o mesmo trajeto no oceano Atlântico, feito por Pedro Alvares Cabral a 523 anos atrás, quatro tripulantes a bordo de um catamarã avistaram as terras brasileiras três dias antes do Natal de 2023. A diferença é que Cabral demorou 44 dias em alto mar e aqui chegou na véspera da Páscoa e por isso, pensando ter descoberto uma ilha, batizou a terra de Monte Pascoal. Os navegadores da catamarã fizeram o percurso em alto mar em 22 dias.

O navegador português e sua tripulação com 13 caravelas enfrentaram tormentas, calmarias, doenças e apenas 500 dos 1.500 homens que saíram de Portugal chegaram aqui vivos. Já os navegadores do catamarã, um iate de luxo avaliado em R$ 8 milhões, também enfrentaram tempestades, tanto na saída como na chegada, com ondas até 6 metros de altura, e atravessaram a temerosa Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) onde os ventos alísios vindos dos dois hemisférios Norte e Sul se encontram, podendo formar calmarias e tormentas.  Os quatros tripulantes chegaram aqui são e salvos. E com muitas boas histórias para contar.

 Catamarã

O catamarã Legonn 46 foi trazido da França para o Brasil em 29 dias de viagem, com escalas em ilhas portuguesas, espanholas e em Cabo Verde

O catamarã para quem não sabe tem origens milenar. Foi muito utilizado no Ceilão, hoje Sri Lanka, para o transporte de passageiros e mercadorias. Num linguajar popular é uma espécie de jangada a vela, construída por duas pranchas ligadas entre si por peças transversais, formando estrutura onde se encaixam os motores e toda estrutura do barco. Em comparação com as lanchas tem muito mais segurança e estabilidade nas águas. É presença constante nas praias do Nordeste brasileiro.

A expedição que trouxe o catamarã Lagoon 46, de Les Sables D’Olonne, na França, para o Brasil, fez escalas em algumas ilhas portuguesas, espanholas, como a Ilha da Madeira e  Tenerife e em São Vicente em Cabo Verde, país localizado em um arquipélago vulcânico perto da costa noroeste da África. O barco é super equipado, com  geladeiras, freezer, wi fi e tudo quanto é tipo de equipamentos eletrônicos, com todo o conforto necessário para proporcionar estadia bastante confortável. O barco, na verdade pertence a uma empresa de charter, que também é a representante da fábrica francesa Lagon no Brasil e contratou os tripulantes para trazê-lo pelo mar pelo Brasil.

O Catamarã Legonn 46 ao chegar no Porto de Salvador (BA), no Brasil


Os tripulantes

Como comandante da tripulação estava o jornalista, publicitário, meteorologista, escritor e o experiente velejador profissional Murilo Novaes, que é um dos principais comentaristas brasileiros de esportes de vela, sendo presença constante em programas da televisão brasileira. Como imediato da tripulação esteve o analista de sistemas Luiz Claudio Macierinha, morador do famoso bairro da Matinha, localizado na divisa dos municípios de São José do Rio Preto e Bady Bassitt. Ele presidiu por dois mandatos o Rotary Clube de Bady Bassitt (2004-2005 e 2006-2007) e foi pioneiro em desenvolver sistemas de controle para clubes recreativos. Também fez parte da tripulação a croata Matea Hackenberg, navegadora que opera seu próprio barco de charter na Croácia.

Inicialmente estava previsto a participação na tripulação do neozelandês Mike Docherty, mas por problemas de vistos em seu passaporte, preferiu não se arriscar com visto vencido e ficou na França. Em seu lugar entrou, de última hora, a química Joseani Octaviani, residente em São José do Rio Preto, que viajou ás pressas para se encontrar com o grupo na França.

Trajeto feito pelo barco entre os dias 14 de novembro a 22 de dezembro

Muita emoção

Murilo Novaes, durante participação em programa sobre competições naúticas

O comandante Murilo Novaes escreveu em seu diário de bordo, compartilhado pela internet para um privilegiado grupo de amigos e fãs que acompanharam todos os percalços do trajeto, a emoção de terem avistado as terras brasileiras ainda do alto mar.

“Depois de 4.470 milhas navegadas (equivalente a 7.193 kms) desde a mítica Les Sables d’Olonne, na não menos mítica Biscaia (Gascogne, Vizcaya) que fez total jus à sua fama, de onde zarpamos no dia 14 de novembro deste ano de vossa graça que ora já se finda, nosso Salvador destino por fim se fez presente. Que delícia! Como é bom chegar em Pindorama e ouvir o português falado com o sotaque brasileiro e baiano. Como eu estava sentindo falta do Brasil!” 

Mais adiante ele conta como foi às lágrimas ao navegar por águas brasileiras. “Para dar uma ideia, a emoção foi tamanha que, quando meu celular finalmente se sintonizou às torres da TIM BR, irrompi em lágrimas profusas e profundas. A simples noção de que desde o começo do ano meu aparelho não se conectava às redes brasileiras e, portanto, estava eu alijado do meu lugar e da minha gente, me causou uma reação imensa. O quão saudoso alguém tem que estar da sua terra para chorar feito um bebê babão porque um celular pegou na TIM?? Bem, verdade seja dita que quando a TIM conecta é sempre alguma emoção mesmo... rsrsrs”.

Luiz Macierinha disse ter sentido a mesma emoção quando se deparou estar de volta ao Brasil, depois enfrentar tempestades e calmarias em alto mar. Mas, ao mesmo tempo, disse ter se sentido bastante seguro por estar navegando num veleiro totalmente equipado e podendo estar sempre linkado, dia e noite, com seus parentes e amigos em terra. “A gente tinha previsão permanente de onde estávamos e também a previsão de como estariam os ventos, a temperatura, o clima e se haveria ou  não chuvas em nosso caminho”, afirmou, acrescentando que a viagem feita pelos portugueses a 523 anos atrás foi muito mais difícil porque naquele tempo não havia motores e nem instrumentos meteorológicos e nem de localização.

“Fizemos podemos dizer uma viagem totalmente tecnológica e cientifica, viajando a maior parte com ventos favoráveis e com a natureza ao nosso favor”, afirmou, contando que somente enfrentaram ventos contrários na saída, com tempestade também na chegada. “Mas estávamos preparados para tudo isso”.

Para Macierinha foi tudo maravilhoso. Não somente os dias que passaram em alto mar, mas também as paradas nas escalas em algumas ilhas, onde puderam descer e conhecer por dois dias em cada ilha lugares exuberantes. “Me marcou muito poder conhecer Cabo Verde, pais em que por sinal a população fala português e eles conhecem quase tudo sobre o Brasil, desde as novelas como os principais astros da nossa Música Popular Brasileira como Chico Buarque, Caetano Veloso, entre outros artistas”. 

A linha vermelha mostra o trajeto percorrido pelo barco durante 21 dias em alto mar

Rito de passagem

No decorrer da viagem os quatro tripulantes puderam deslumbrar com paisagens paradisíacas 

No diário de bordo, escrito pelo comandante e jornalista Murilo Novaes, é descrito a emoção dos quatro tripulantes ao cruzarem a linha do Equador em alto mar. Segundo ele, é uma sensação indescritível.

Antigamente era muito comum e apreciado por marinhos quando um membro da tripulação cruzava no mar, pela primeira vez, a linha do Equador. Um rito equivalente ao batismo polar, efetuado pelos marinhos inclusive em alguns navios de cruzeiros consistia em aspergir as pessoas com óleo de peixe, nesta viagem os tripulantes que cruzaram o equador pela primeira vez receberam um banho de catchup dada a completa ausência de óleo de peixe a bordo.

Mar temeroso

O catamarã Legonn 46 aguentou firme durante toda a viagem, abastecido com 1.600 litros de combustível 

Demorou mais de 15 séculos para os homens desbravarem o Oceano Atlântico.  Antes conhecido como “Mar Temeroso”, pois havia a ideia difundida pela Igreja Católica de que os oceanos eram habitados por monstros marinhos e redemoinhos que sumiam com quem ousava em seguir adiante pelo alto mar. Além disso, acreditavam que a Terra era plana.

Os barcos daquela época não eram grandes e nem robustos. Não havia motores, que surgiram somente a partir dos anos de 1800. E como também não havia refrigeração, ficava difícil para sobreviver em alto mar sem alimentação. Os romanos, os espanhóis, português, ingleses e alemães não tinham nenhuma experiência com navegação.

O Atlântico é considerado o maior oceano do mundo. Cobre 20% da superfície terrestre e tem, em média, 8 mil metros de profundidade. Os oceanos foram temas de muitas lendas marítimas e até hoje faz parte do imaginário popular de que navegar é uma atividade perigosa.

Vista do topo da cabine do veleiro catamarã Legonn 46


Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

vários

Folha2
Folha2