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As obras do viaduto que leva o nome do Professor Geraldo Maurício Lima, que também foi uma das vítimas da rodovia BR-153, somente foram concluídas depois de questionamento sobre a paralisação ao presidente da República |
*Nelson
Gonçalves
O
ano era de 2010. A Dilma já tinha sido eleita e o presidente Lula ainda cumpria
agenda nos últimos meses de seu mandato quando esteve em Ribeirão Preto para
dar um pingo de solda na tubulação que daria início à construção do “etanolduto”,
tubulação que ligaria a região Noroeste do Estado com a refinadora Paulínia, na
região de Campinas.
Eu
estava lá. Misturado entre cerca de uns 800 jornalistas de mais de 200 veículos
de comunicação do país para acompanhar de perto o início simbólico dessa obra.
No meio daquela multidão de jornalistas fui escolhido aleatoriamente pela
assessoria de comunicação da Presidência da República para ser um dos cinco
repórteres que teria direito, no final daquele evento, para poder fazer uma
pergunta ao presidente.
Fomos
orientados pela assessoria para primeiro nos identificarmos, dizendo nosso nome
completo e o veículo ao qual pertencíamos, para depois fazer a pergunta que
desejássemos. Começou a coletiva de imprensa quando Lula saiu de uma porta e se
preparava para subir num carro que o levaria até o aeroporto. Os jornalistas
estavam separados por um cercadinho com barras de ferro. Um dos principais
assessores do presidente acho que foi com a minha cara, pois colocou bem na
minha frente, o suporte, uma espécie de púlpito, onde o presidente iria falar e
se amontoaram vários microfones das mais diferentes e distantes emissoras de tv
e rádio.
Entre
o empurra-empurra e cotoveladas dos repórteres-fotográficos e cinematográficos
na disputa para ver quem conseguiria o melhor ângulo, eu fiquei ali segurando
firme na barra de ferro que estava na minha frente. Fazendo uma ginástica
tremenda para segurar numa mão um pequeno gravador, junto com algumas folhas de
papel sulfite na qual trazia impressa as fotografias de um acidente ocorrido naquele
dia na rodovia BR-153. As fotografias tinham sido me enviadas por e-mail pelo
saudoso jornalista Fábio Cortez, que prestava assessoria de imprensa para a
Câmara Municipal de Bady Bassitt. Pendurado no meu pescoço estava minha
inseparável máquina fotográfica Canon. É duro na queda para quem trabalha em
veículo pequeno de comunicação, pois tem que fazer de tudo: gravar, fotografar,
redigir e depois ainda editar todo o material.
As
perguntas começaram. E conforme os entrevistadores iam dizendo seus nomes e os
veículos para o qual trabalhavam foi me dando um friozinho na barriga. O
primeiro jornalista se identificou como sendo da Folha de São Paulo, um dos
maiores jornais do Brasil. O segundo era da Globo. O terceiro da revista Veja e
um outro da Agência Estado. Quando chegou a minha vez de perguntar e os
assessores apontaram o dedo para mim, confesso que fiquei com vergonha de dizer
que a sede do nosso jornal ficava na diminuta cidade de Nova Aliança. Enchi a
boca para falar meu nome e falei que era da Folha de São José do Rio Preto.
Iniciei
minha fala dizendo que a minha pergunta seria ao mesmo tempo um pedido, em nome
da população da região que sofria os transtornos com uma obra paralisada do
Governo Federal. Relatei que fazia mais de quatro anos que o Governo tinha
iniciado as obras de construção do trevo de Bady Bassitt, na rodovia BR-153, e
que dava acesso a mais oito cidades da região. Contei que até aquele mês de novembro,
somente naquele ano tinham morrido 11 pessoas, vítimas de acidente naquele local
por causa das obras inacabadas. E neste momento mostrei ao presidente a
fotografia de um acidente, poucas horas antes naquele dia, envolvendo uma
ambulância e uma carreta que matou na hora dois vereadores da cidade de Ubarana.
Um
dos vereadores era o motorista da ambulância que levava o colega para um
hospital em Rio Preto. Para dar ênfase e chamar mais atenção do presidente
disse que os dois vereadores deviam ser filiados ao PT. E aí perguntei por
quanto mais tempo essa obra iria continuar parada, esperando morrer mais gente
naquele local? Lula pegou aquela folha de papel nas mãos e se espantou com o
estado daquilo que restou dos veículos acidentados. Citando meu nome por
completo, que guardou naquele momento na memória, Lula me perguntou qual era mesmo
o nome da estrada. Repeti que se tratava da BR-153, uma das maiores e talvez a mais
extensa rodovia do país.
Lula
disse que não saberia dizer, naquele momento, porque a obra desse trevo estava
tanto tempo parada. Porém logo emendou, dizendo novamente meu nome, que
teríamos uma surpresa na próxima semana. Disse que ele mandaria apurar aquela
situação do porquê a obra estar parada há tanto tempo e que ele mesmo me
ligaria para dar retorno dessa situação e se pudesse concluir ainda em seu
governo concluiria ou deixaria a obra para ser inaugurada pela presidente
Dilma. Se desculpou que teria que viajar às pressas para Brasília porque tinha
marcado um encontro com a meninada da orquestra sinfônica jovem de Palmas que
leva o nome de sua mãe, Dona Lindu. Argumentou que tinha marcado horário com a
orquestra e não gostaria de deixar as crianças esperando. E de fato foi o que
aconteceu. No dia seguinte saiu estampado na capa dos principais jornais, Lula
simulando tocar um violino rodeado por crianças da orquestra.
Passado
uma semana, estava dirigindo coincidentemente pela BR-153 quando o telefone
celular tocou. Pelo código DDD percebi na hora que tratava de uma ligação vinda
de Brasília. Parei o carro no acostamento e atendi a ligação. Do outro lado da
linha uma secretária se identificou dizendo que ligava do Palácio do Planalto e
que o presidente Lula gostaria de falar conosco. Rapidamente Lula nos cumprimentou, dizendo
meu nome com ênfase. Afirmou que estava cumprindo a promessa de nos dar retorno
sobre as obras paralisadas do trevo de Bady Bassitt e passou o telefone para
que um assessor pudesse detalhar melhor aquela situação. Resumindo, o assessor
nos informava que um dinheiro de grande soma, que tinha sido contingenciado,
estava sendo liberado naquela semana para dar continuidade às obras de
conclusão do trevo de Bady Bassitt.
Quando
passo agora pelo trevo de Bady Bassitt – e faço isso quase todos os dias da
semana – fico lisonjeado em saber que o trevo está pronto e não se tem mais
acidentes trágicos naquele local, que ceifou a vida de tantas pessoas. E mais
honrado ainda fico por lembrar que tivemos um “dedinho” de nossa participação
para a liberação de recursos para a conclusão dessa obra no ano de 2011.
· * Nelson Gonçalves
é jornalista em São José do Rio Preto e editor do jornal Folha2
(*www.folha2.com.br*)
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Essa foi uma das fotos mostradas ao presidente Lula pelo jornalista Nelson Gonçalves |
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O acidente da ambulância de Ubarana com o caminhão, no dia 22 de novembro de 2010, provocou mais de cinco quilômetros de congestionamento na rodovia |
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Nesse acidente morreram o motorista da ambulância José Augusto dos Santos, 47 anos, e José Antônio Rabelo, 43 anos. Os dois eram vereadores na cidade de Ubarana e vinham a São José do Rio Preto para visitar um amigo que estava internado no HB |
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O trecho de 206 km do etanolduto, inaugurado em agosto de 2013, transporta 4,3 bilhões de litros de etanol por ano |
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Dilma Roussef com o então governador Geraldo Alckmin inauguram o etanolduto em 12 de agosto de 2013, em Ribeirão Preto (foto: Leandro Mata/reprodução do site G1) |
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Presidente participou do primeiro ponto de solda do etanolduto que liga Ribeirão Preto a Paulínia, num trecho de 206 quilômetros, em 22 de novembro de 2010 |
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O jornal "Folha do Povo" foi o único veículo da região que esteve presente na cobertura deste evento em Ribeirão Preto |
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Jornalista Nelson Gonçalves foi um dos cinco repórteres escolhido pelo Cerimonial da Presidência da República para fazer perguntas ao presidente naquele dia |