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Chapadão do Sul, cidade em linha reta e sem curvas no Mato Grosso do Sul

 

Chapadão do Sul; uma cidade sem curvas, com ruas e avenidas em linhas retas

Nelson Gonçalves

Sem curvas, Chapadão do Sul chama atenção pelas ruas retas, avenidas largas, amplas rotatórias, praças urbanas com muito verde e construções de belas casas e mansões. Com apenas 36 anos de emancipação, a Chapadão do Sul difere em vários aspectos de outras distantes cidades sul-matogrossenses que compõem a rota da rodovia BR-158. Aparecida do Taboado, Paranaiba e Cassilândia são municípios que tem origens centenários. As duas primeiras foram fundadas por volta da década de 1830. São cidades velhas com ruas estreitas e terrenos acidentados.

 Embora seja um tanto desconhecida e subestimada, muito provavelmente em razão da distância dos grandes centros, Chapadão do Sul é uma cidade que cada vez mais atrai turistas e novos moradores. Fica a 322 quilômetros de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul, a 722 de Brasília e a 460 quilômetros de São José do Rio Preto. E distante a mais de 1.500 quilômetros de Ijuí (RS), terra natal do seu fundador Júlio Alves Martins, aviador que se apaixonou em voar desde quando tinha 6 anos de idade e viu, pela primeira vez, um avião da Varig.

 Com população estimada em 31 mil habitantes e área de 3.249.549 km², o município tem como principal atividade econômica a agricultura. É o segundo produtor de feijão, de milho e de sorgo. Se posiciona como quinto maior produtor de soja, sétimo produtor de banana, nono produtor de café, quinto na produção de ovos de galinha e o maior produtor de girassol do Brasil. Também se destaca na produção de algodão e de mamona.

 Chapadão do Sul conta com um rebanho de 250 mil cabeças de bovinos. Como destaque, na entrada da cidade, há grandes esculturas de um tatu, de tratores e de aviões monomotores, símbolos dos desbravadores que lá chegaram no começo dos anos de 1970 e sem preguiça, transformaram a região, que antes nada produzia, em um polo de tecnologia agrícola mundial. Possui um dos melhores IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), altíssimo PIB (Produto Interno Bruto) e os menores índices de analfabetismo e mortalidade infantil do Estado.

 Fundador 

O aviador e corretor de imóveis Júlio Alves Martins e a esposa Zilda. Ele foi o fundador da cidade de Chapadão do Sul em 1972. E faleceu em 2020, aos 92 anos de idade

Era 21 de abril de 1972 o piloto e corretor de terras Júlio Alves Martins fez o primeiro pouso nas terras com um avião Cesna. No dia seguinte o Brasil comemorava 472 anos do seu descobrimento. Aquele pouso difícil, porem seguro, marcou o início de seus negócios de terras na região. O relevo plano de terras verdejantes chamou a atenção do visionário aviador que desde agosto do ano anterior sobrevoava a região para levar e trazer seus conterrâneos do Rio Grande do Sul para adquirir terras nos arredores das cidades de Ponta Porã, Dourados, Maracaju e Sindrolândia.

 Júlio acreditou na sua intuição e logo aceitou o recebimento de terras como forma de pagamento de suas corretagens e ainda comprou outras áreas. Antes disso Júlio sobrevoou sozinho sobre as terras mato-grossenses e resolveu descer em Ponta Porã, na divisa com o Paraguai. Eram tempos difíceis da ditadura militar, em especial na região fronteiriça. Tudo era fiscalizado.

 No aeroporto de Ponta Porã, Júlio foi recebido por militares desconfiados e fortemente armados. Queriam saber os motivos daqueles pousos. Interrogado, informou que queria visitar o amigo Irajá Kurtz, gaúcho plantador de trigo, que assim como ele tinha sido também motorista de caminhão no Rio Grande do Sul. O levaram escoltado até a casa de Kurtz.

 De agosto de 1971 até março de 1972, Júlio realizou diversas viagens. Todas registradas em sua caderneta de voos, com nomes das pessoas transportadas. Ele conduzia compradores gaúchos para as regiões do Araguaia, Campo Grande, Dourados, Maracaju, entre outras. E sempre lhe chamava a atenção aquela imensa área verde, de terras planas. Imaginou que ali poderia se formar uma potente cidade.

 O aviador, filho de um gaúcho com mãe norte-americana, se transformou num dos maiores corretores de terras da região, chegou a assumir mais de 105 mil hectares de áreas para vender. Foi ele quem trouxe para a região as famílias Maggi, Mazutti, Pivetta, Ortolan e Peixotinho, entre outras. Quando ele desceu com seu avião nas terras de Chapadão, o morador mais próximo ficava a mais de 30 quilômetros. O interesse pelas terras na região era tanto que os gaúchos trocavam 17 hectares no Rio Grande do Sul por 170 mil hectares para ainda serem desbravados.

 Com a comissão da primeira corretagem, Júlio Alves Martions trocou seu avião por um Bonanza, maior, mais rápido e confortável para poder trazer mais possíveis compradores nas viagens. Para dar exemplo de que acreditava no que estava fazendo, Júlio, então com 43 anos, trouxe a esposa Zilda e os filhos para morar em Chapadão dos Gaúchos, primeira denominação do local. E plantou 120 mil hectares de soja. Em 1973, o povoado torna-se distrito de Cassilândia.

 Em 1978, o ministro da Agricultura do Governo de Ernesto Geisel, Alysson Paulinelli, desembarca no aeroporto, com pista ainda de terra, para conhecer Chapadão dos Gaúchos. Nesse dia histórico, 44 aviões de pequeno porte desceram na pista improvisada na fazenda de Júlio Alves Martins. Eram fazendeiros, jornalistas, políticos, funcionários do Banco do Brasil e do Banco Central que vinham para conhecer a pujança do lugar.

 Em pouco tempo por questões políticas, o Governo do Estado trocou o nome do local para São Pedro do Agaporé, nomenclatura que não foi muito bem aceita pelos moradores e fundadores. Somente em 23 de outubro de 1987, exatamente no Dia do Aviador, quando o lugar ganha a emancipação político-administrativa, com sanção do governador Marcelo Miranda, é que passa a ser conhecida com o nome de Chapadão do Sul. O nome original, Chapadão dos Gaúchos, não foi aceito pela Assembleia Legislativa. Os deputados consideraram como nome discriminatório. No entanto aceitaram acrescentar “Sul”, pelo fato de o município estar localizado na região sul do Estado e também como forma de homenagear os gaúchos que vieram da região sulista.

 Perseguições 

O reconhecimento ao trabalho do fundador está estampado em um monumento com a imagem dele na praça que foi construída por ele

Em livro de sua biografia, Júlio conta que sofreu perseguição e ameaças de políticos que não queriam a emancipação do local. Disse ter recebido telefonemas anônimos com ameaças de morte, caso não parasse com o seu trabalho para emancipar a cidade. Chegou até a levar tiros de raspão, disparados de um Opala branco que passou diante de sua casa.

 Júlio Alves Martins nunca foi político, mas transitava com desenvoltura por partidos e diversas alas ideológicas. Na campanha presidencial de 1989 transportou com seu avião Leonel Brizola para fazer campanha em diversas partes do Brasil. Recebeu a visita de Lula duas vezes em sua casa. A primeira em 1995 e a segunda já como presidente da República. Ofereceu chimarrão na cuia para o presidente experimentar. Também teve bom trânsito com todos os governadores e deputados federais e estaduais do seu Estado. Foi homenageado tanto em Brasília como em Campo Grande.

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A cuia e chaleira utilizada para o preparo do chimarrão, ícone para os gaúchos, faz parte da decoração de uma das praças de Chapadão do Sul 

Palco do Centro de Eventos onde se apresentam os artistas famosos do Brasil

Temas ligados à aviação, como o helicóptero e aviões, paixão do fundador, estão representados em várias partes da cidade de Chapadão do Sul

A exemplo de Nova Iorque e outras cidades norte-americanas, as ruas e avenidas de Chapadão do Sul possuem numeração e não são denominadas por nomes de pessoas

O Terminal rodoviário de Chapadão do Sul foi projetado com pé direito bastante alto para que possam entrar os ônibus de dois andares ou mais

Sede da Igreja Presbiteriana Independente em Chapadão do Sul

Igreja matriz de São Pedro Apóstolo, construída em área doada por Júlio Alves Martins


Réplica do avião Cesna que o fundador Júlio Alves Martins utilizou para pousar pela primeira vez em solo de Chapadão dos Gaúchos no ano de 1972

Em pontos estratégicos da cidade estão espalhados sacolas para recolher lixo reciclável

Igreja Luterana e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) convivem lado a lado em Chapadão

Júlio Martins, como piloto, transportou Leonel Brizola por todo o país durante a campanha presidencial de 1989. Brizola era gaúcho como o fundador de Chapadão do Sul

Lula esteve por duas vezes em Chapadão do Sul e foi recepcionado por Júlio Martins

O neto Júlio, a filha Loiva, o genro Fábio, Júlio Martins e Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde de Bolsonaro) durante homenagem ao fundador de Chapadão em Brasília





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