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Maquete do Paço Municipal de Marília que depois de construído se tornou um dos principais cartões postais da cidade |
Nelson Gonçalves
Tanto Aniz como Miguel nasceram em Santa Cruz das
Palmeiras. O primeiro se enveredou pela área de Direito, tendo sido, aos 26
anos, eleito deputado federal pela cidade de São Paulo para participar da primeira
legislatura depois da Constituição de 1934 ter sido promulgada. Já Miguel se
formou engenheiro pela Escola Politécnica e se destacou por ter feito obras
como o Edifício Salim Lufalla, o Edifício John Frizagerald Kennedy (sede do Centro
de Inovação da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo) e o arrojado e moderno
prédio para a fábrica de tecidos Paramont. Aniz Brada foi também vereador e
presidente da Câmara em Marília, eleito deputado federal por quatro mandatos e,
durante 10 anos, presidiu a Associação Paulista dos Municípios (APM). Faleceu
aos 83 anos em 1991, em sua terra natal. Miguel viveu até os 101 anos e faleceu
em 2021 na capital paulista.
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Paço Municipal de Marília ainda em obras, no final da década de 1950 |
Com traços largos e arrojados para a época, com
ampla área com vidros, o prédio reúne numa mesma área as sedes dos poderes Legislativo
e Executivo, como se os dois prédios estivessem entrelaçados um ao outro. Como
foi inaugurado no mesmo ano da inauguração de Brasília, muitos marilienses
imaginavam que o prédio tivesse sido projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer,
dado a cúpula da Câmara ser bastante parecida com a cúpula do prédio do Senado
na capital federal.
Inicialmente a cúpula arredondada era feita com
armação metálica e com vidros transparentes para que os raios solares pudessem
iluminar o ambiente do plenário da Câmara. Dizem que o prefeito Miguel Argolão
Ferrão, que sucedeu Adorcínio de Oliveira Lyrio (o filho Theobaldo de Oliveira
Lyrio também foi prefeito na década de 1980), e deu sequência na construção,
costumava afirmar, de forma reservada, que as peças de vidro no telhado do
plenário da Câmara eram para “iluminar a cabeça dos vereadores”. Depois, em
razão de problemas de infiltrações, a abóboda de vidro foi substituída por
concreto, vedando por completo a cúpula.
Cartão de visitas
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O prédio do Paço Municipal de Marília foi utilizado literalmente por muitos anos como o principal cartão de visitas do município |
Logo que foi inaugurado o Paço Municipal se tornou referência e também o principal cartão de visitas da cidade. Atraiu turistas de todas as cidades da região e até de outros longínquos Estados para conhecerem de perto aquele prédio, que por suas linhas arrojadas e diferentes serviam de fundo para poses fotográficas.
A exemplo de Brasília, um lago artificial foi
construído ao redor do prédio. O lago foi habitado por gansos, estrategicamente
colocados ali por funcionários da prefeitura. As penas desses gansos eram
tingidas nas cores azul, vermelha, lilás e amarela, o que fazia atrair ainda
mais a atenção da população e dos turistas. Era comum os gansos atravessarem em
fila, se deslocando de uma calçada para outra na avenida Sampaio Vidal. Os
motoristas paravam seus carros e aguardavam pacientemente a travessia dos
gansos. A lentidão dos gansos para fazer essa travessia de uma calçada para
outra, atrapalhando o trânsito, chegou a ser motivo de discussão na Câmara dos
Vereadores. O vereador Hideraru Okagawa fez requerimento pedindo a retirada dos
gansos do local.
Na parte de baixo do Paço funcionou, por muitos anos um bar e restaurante. Do local, Luiz Bicudo, morador antigo da cidade, lembra, com saudade, que uma emissora de rádio fazia programas ao vivo em que os frequentadores podiam pedir a sua música preferida. Era o chamado programa “Cardápio Musical”, onde o slogan era “peça e ouça o que quiser”. O advogado e empresário Ivair Ferreira lembra ter frequentado o local e que participava do "footing", a paquera em português, com as moças da época.
O prédio,
durante anos, foi orgulho do município. Poucas cidades do interior tinham um
prédio de prefeitura tão bonito e monumental como esse. A exemplo dos prédios
que abrigam em Brasília as acomodações para os três poderes, o Paço Municipal
se tornou, com os anos e crescimento da população, pequeno para a cidade.
Nelson Fukai, atento observador, escreveu nas
redes sociais que o prédio deve sofrer hoje com a falta de espaço e estrutura
em todos os sentidos, “afinal foi projetado para uma cidade que não tinha nem
50 mil habitantes”. Atualmente a população de Marília ultrapassa a 200 mil
habitantes.
Torres de televisão
Durante muitos anos o prédio da Prefeitura de Marília
por ser um dos mais altos e estrategicamente localizado na área central da
cidade abrigava também as torres de todos os canais de televisão da cidade. Num
tempo em que as emissoras de televisão dependiam da ajuda do poder público para
poder se instalar e ter seus sinais sintonizados pelos moradores do município
era comum que as torres ficassem fixadas em prédios ou áreas públicas.
As torres das antigas TVs Tupi, Excelsior, Record,
SBT e da Cultura fincavam suas antenas e ficavam instaladas em cima do prédio
da prefeitura. No último andar ficaram instalados os transmissores e outros
equipamentos necessários para o funcionamento dos canais. Existia até um
Departamento Municipal, com dois ou três funcionários pagos pelo município,
para cuidar da manutenção dessa aparelhagem. Como eram bem antigos, esses
equipamentos costumavam queimar alguma válvula do transmissor. E esses reparos
eram feitos por esses funcionários públicos.
Tudo funcionava a contento até que por volta das
eleições de 1988 aconteceu uma situação inusitada no município. Alcides
Matiuzzi, que tinha sido prefeito em Bariri entre 1964 a 1969, teve ativa
participação na política mariliense. Apoiou em 1982 a eleição do prefeito
Abelardo Camarinha. Mas depois rompeu os laços políticos e tornou-se adversário
e inimigo ferrenho do prefeito.
Matiuzzi resolveu desafiar o então prefeito Camarinha.
Gravou uma propaganda na frente de vários pacotes de dinheiro que, segundo ele,
somavam 1 milhão de cruzeiros. Ele dizia que aquele dinheiro seria para a
pessoa que mostrasse pelo menos uma casa popular construída pelo prefeito em
seis anos de administração. Queria provar, com isso, que o prefeito não passava
de um mentiroso ao alardear propagandas enganosas de suas realizações.
Naquela semana Marília participava no SBT do
programa “Cidade X Cidade”, comandado pelo apresentador Silvio Santos. As
várias provas e competições movimentavam todos os moradores do município e
fazia elevar a audiência do programa. Todos os espectadores da cidade ficavam
grudados na frente da televisão.
Sabedor do sucesso e da audiência do programa,
Matiuzzi comprou os horários de todos os intervalos do programa “Cidade X
Cidade”. Ele sabia que todos os moradores estariam com os olhos grudados na
televisão naquele domingo. Mas para sua surpresa, toda vez que o programa era
interrompido para o intervalo das propagandas, que era quando o vídeo dele iria
para o ar, o som e as imagens do SBT simplesmente saiam do ar. A imagem de
Matiuzzi chegava até a aparecer no ar. Mas repentinamente era bruscamente
cortada suas imagens e a fala e surgiam apenas “chuviscos” no ar.
Até hoje não ficou muito bem explicada aquela
situação. Entretanto Matiuzzi não tinha dúvida de que o funcionário público
municipal que cuidava da manutenção teria sido o responsável para tirar o canal
do ar. O funcionário responsável pelo setor era amigo e partidário do prefeito.
Se as suspeitas foram ou não confirmadas ninguém veio à tona para esclarecer. Mas praticamente todos os canais tiraram lá do alto do edifício as torres, as antenas e os transmissores. Atualmente todas as torres e transmissores de todos os canais estão concentrados em áreas privativas próximas ao cemitério da Saudade, considerada a parte mais alta da cidade.
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Fotografia tirada por Maurício Leme no momento em que, coincidentemente, a perua Kombi do seu pai, Sebastião Carvalho Leme, passava defronte ao Paço Municipal |
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Fotografia de 360 graus do Paço Municipal feita por Sebastião Carvalho Leme |
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Pela lateral da rua Bahia dá para ver um ângulo diferente do prédio do Paço Municipal |
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Fachada do Paço Municipal em fotografia de Mauro de Abreu |
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Soldados do Tiro de Guerra durante a saudação à bandeira na Semana da Pátria |
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Maquete do Paço Municipal mostra linhas arrojadas e as semelhanças com os prédios projetados em Brasília por Oscar Niemeyer |