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Prédio da Paço de Marília foi inaugurado junto com Brasília e tem linhas futuristas

  

Maquete do Paço Municipal de Marília que depois de construído se tornou um dos principais cartões postais da cidade

Nelson Gonçalves

 Inaugurado em 1960 com linhas futuristas o Paço Municipal de Marília, sede da Prefeitura, começou a ser construído por volta de 1954 na gestão do prefeito Adorcínio de Oliveira Lyrio, que hoje empresta seu nome para o edifício. A obra, que muitos pensavam ter sido projetada pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer, dado as semelhanças com os traços modernistas de Brasília, foi planejada pelo engenheiro e arquiteto Miguel Brada Junior e Ginez Velanga, arquiteto que na época era recém-formado. A planta foi oferecida pelo deputado federal Aniz Brada como cooperação para projeção do seu irmão Miguel Brada Júnior, dez anos mais novo.

Tanto Aniz como Miguel nasceram em Santa Cruz das Palmeiras. O primeiro se enveredou pela área de Direito, tendo sido, aos 26 anos, eleito deputado federal pela cidade de São Paulo para participar da primeira legislatura depois da Constituição de 1934 ter sido promulgada. Já Miguel se formou engenheiro pela Escola Politécnica e se destacou por ter feito obras como o Edifício Salim Lufalla, o Edifício John Frizagerald Kennedy (sede do Centro de Inovação da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo) e o arrojado e moderno prédio para a fábrica de tecidos Paramont. Aniz Brada foi também vereador e presidente da Câmara em Marília, eleito deputado federal por quatro mandatos e, durante 10 anos, presidiu a Associação Paulista dos Municípios (APM). Faleceu aos 83 anos em 1991, em sua terra natal. Miguel viveu até os 101 anos e faleceu em 2021 na capital paulista.

Projeto premiado 

Paço Municipal de Marília ainda em obras, no final da década de 1950

Inaugurado no primeiro ano da primeira gestão do prefeito Octavio Barreto Prado, o popular Tatá, o projeto tinha sido elaborado para a embaixada de um dos países da América do Sul. Foi premiado na Bienal de Arquitetura da Colômbia, no Salão Internacional de Arquitetura de Caracas, na Venezuela, e duas vezes premiado no Brasil: no Salão Paulista de Arquitetura e no Salão Carioca de Arquitetura.

Com traços largos e arrojados para a época, com ampla área com vidros, o prédio reúne numa mesma área as sedes dos poderes Legislativo e Executivo, como se os dois prédios estivessem entrelaçados um ao outro. Como foi inaugurado no mesmo ano da inauguração de Brasília, muitos marilienses imaginavam que o prédio tivesse sido projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, dado a cúpula da Câmara ser bastante parecida com a cúpula do prédio do Senado na capital federal.

Inicialmente a cúpula arredondada era feita com armação metálica e com vidros transparentes para que os raios solares pudessem iluminar o ambiente do plenário da Câmara. Dizem que o prefeito Miguel Argolão Ferrão, que sucedeu Adorcínio de Oliveira Lyrio (o filho Theobaldo de Oliveira Lyrio também foi prefeito na década de 1980), e deu sequência na construção, costumava afirmar, de forma reservada, que as peças de vidro no telhado do plenário da Câmara eram para “iluminar a cabeça dos vereadores”. Depois, em razão de problemas de infiltrações, a abóboda de vidro foi substituída por concreto, vedando por completo a cúpula.

Cartão de visitas

O prédio do Paço Municipal de Marília foi utilizado literalmente por muitos anos como o principal cartão de visitas do município

Logo que foi inaugurado o Paço Municipal se tornou referência e também o principal cartão de visitas da cidade. Atraiu turistas de todas as cidades da região e até de outros longínquos Estados para conhecerem de perto aquele prédio, que por suas linhas arrojadas e diferentes serviam de fundo para poses fotográficas.

A exemplo de Brasília, um lago artificial foi construído ao redor do prédio. O lago foi habitado por gansos, estrategicamente colocados ali por funcionários da prefeitura. As penas desses gansos eram tingidas nas cores azul, vermelha, lilás e amarela, o que fazia atrair ainda mais a atenção da população e dos turistas. Era comum os gansos atravessarem em fila, se deslocando de uma calçada para outra na avenida Sampaio Vidal. Os motoristas paravam seus carros e aguardavam pacientemente a travessia dos gansos. A lentidão dos gansos para fazer essa travessia de uma calçada para outra, atrapalhando o trânsito, chegou a ser motivo de discussão na Câmara dos Vereadores. O vereador Hideraru Okagawa fez requerimento pedindo a retirada dos gansos do local.

   Na parte de baixo do Paço funcionou, por muitos anos um bar e restaurante. Do local, Luiz Bicudo, morador antigo da cidade, lembra, com saudade, que uma emissora de rádio fazia programas ao vivo em que os frequentadores podiam pedir a sua música preferida. Era o chamado programa “Cardápio Musical”, onde o slogan era “peça e ouça o que quiser”. O advogado e empresário Ivair Ferreira lembra ter frequentado o local e que participava do "footing", a paquera em português, com as moças da época.  

 O prédio, durante anos, foi orgulho do município. Poucas cidades do interior tinham um prédio de prefeitura tão bonito e monumental como esse. A exemplo dos prédios que abrigam em Brasília as acomodações para os três poderes, o Paço Municipal se tornou, com os anos e crescimento da população, pequeno para a cidade.

Nelson Fukai, atento observador, escreveu nas redes sociais que o prédio deve sofrer hoje com a falta de espaço e estrutura em todos os sentidos, “afinal foi projetado para uma cidade que não tinha nem 50 mil habitantes”. Atualmente a população de Marília ultrapassa a 200 mil habitantes.

Torres de televisão

Durante muitos anos o prédio da Prefeitura de Marília por ser um dos mais altos e estrategicamente localizado na área central da cidade abrigava também as torres de todos os canais de televisão da cidade. Num tempo em que as emissoras de televisão dependiam da ajuda do poder público para poder se instalar e ter seus sinais sintonizados pelos moradores do município era comum que as torres ficassem fixadas em prédios ou áreas públicas.

As torres das antigas TVs Tupi, Excelsior, Record, SBT e da Cultura fincavam suas antenas e ficavam instaladas em cima do prédio da prefeitura. No último andar ficaram instalados os transmissores e outros equipamentos necessários para o funcionamento dos canais. Existia até um Departamento Municipal, com dois ou três funcionários pagos pelo município, para cuidar da manutenção dessa aparelhagem. Como eram bem antigos, esses equipamentos costumavam queimar alguma válvula do transmissor. E esses reparos eram feitos por esses funcionários públicos.  

Tudo funcionava a contento até que por volta das eleições de 1988 aconteceu uma situação inusitada no município. Alcides Matiuzzi, que tinha sido prefeito em Bariri entre 1964 a 1969, teve ativa participação na política mariliense. Apoiou em 1982 a eleição do prefeito Abelardo Camarinha. Mas depois rompeu os laços políticos e tornou-se adversário e inimigo ferrenho  do prefeito.

Matiuzzi resolveu desafiar o então prefeito Camarinha. Gravou uma propaganda na frente de vários pacotes de dinheiro que, segundo ele, somavam 1 milhão de cruzeiros. Ele dizia que aquele dinheiro seria para a pessoa que mostrasse pelo menos uma casa popular construída pelo prefeito em seis anos de administração. Queria provar, com isso, que o prefeito não passava de um mentiroso ao alardear propagandas enganosas de suas realizações.

Naquela semana Marília participava no SBT do programa “Cidade X Cidade”, comandado pelo apresentador Silvio Santos. As várias provas e competições movimentavam todos os moradores do município e fazia elevar a audiência do programa. Todos os espectadores da cidade ficavam grudados na frente da televisão.

Sabedor do sucesso e da audiência do programa, Matiuzzi comprou os horários de todos os intervalos do programa “Cidade X Cidade”. Ele sabia que todos os moradores estariam com os olhos grudados na televisão naquele domingo. Mas para sua surpresa, toda vez que o programa era interrompido para o intervalo das propagandas, que era quando o vídeo dele iria para o ar, o som e as imagens do SBT simplesmente saiam do ar. A imagem de Matiuzzi chegava até a aparecer no ar. Mas repentinamente era bruscamente cortada suas imagens e a fala e surgiam apenas “chuviscos” no ar.

Até hoje não ficou muito bem explicada aquela situação. Entretanto Matiuzzi não tinha dúvida de que o funcionário público municipal que cuidava da manutenção teria sido o responsável para tirar o canal do ar. O funcionário responsável pelo setor era amigo e partidário do prefeito.

Se as suspeitas foram ou não confirmadas ninguém veio à tona para esclarecer. Mas praticamente todos os canais tiraram lá do alto do edifício as torres, as antenas e os transmissores. Atualmente todas as torres e transmissores de todos os canais estão concentrados em áreas privativas próximas ao cemitério da Saudade, considerada a parte mais alta da cidade.

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Fotografia tirada por Maurício Leme no momento em que, coincidentemente, a perua Kombi do seu pai, Sebastião Carvalho Leme, passava defronte ao Paço Municipal 

Fotografia de 360 graus do Paço Municipal feita por Sebastião Carvalho Leme

Pela lateral da rua Bahia dá para ver um ângulo diferente do prédio do Paço Municipal

Fachada do Paço Municipal em fotografia de Mauro de Abreu

Soldados do Tiro de Guerra durante a saudação à bandeira na Semana da Pátria

Maquete do Paço Municipal mostra linhas arrojadas e as semelhanças com os prédios projetados em Brasília por Oscar Niemeyer

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