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A mala branca ou preta no futebol

 

MAC 1971 - (em pé): Waldemar, Henrique Pereira, Paulinho, Elmo, Juvenal e Raimundinho. (agachados): Warley, Elias, Wilson, Ari e Ivo


·       Por Nelson Gonçalves (*)

 A mala branca ou mala preta nos jogos de futebol, tão condenada nos dias atuais, teve uma história pitoresca em 1971. Em agosto daquele ano quatro times disputavam, no estádio do Parque Antártica, em São Paulo, a final do campeonato que daria acesso à Primeira Divisão da Federação Paulista de Futebol.

 A última rodada naquele quadrangular estavam em campo o time da minha cidade natal, o Marília Atlético Clube (MAC), para enfrentar a forte equipe do Saad Esporte Clube, de São Caetano do Sul. O meu querido Rio Preto Esporte Clube, presidido por Anísio Haddad, enfrentaria mais tarde, no mesmo campo neutro, o Catanduvense, equipe considerada como praticamente desclassificada e carta fora do baralho.

 Para ter acesso à Divisão Especial, o Rio Preto dependia de uma vitória do Marília sobre o Saad. Provavelmente Anísio Haddad, rico e bem sucedido empresário que presidia o time rio-pretense, decidiu pagar aos atletas do Marília um bom dinheiro, que a turma chamava de “bicho” de incentivo, para vencer o Saad. O time de São Caetano do Sul dependia apenas de um empate para subir para a Divisão Especial.

 O jogo foi cheio de emoções, com várias bolas na trave e perdurou o empate de zero a zero até quase os minutos finais. Somente aos 34 minutos do segundo tempo, com gol marcado pelo ponta-esquerda Ivo Picerni, o Marília venceu o Saad. Ivo, que é de Neves Paulista, era o jogador mais baixo, com pouco mais de 1 metro e meio, e mesmo assim subiu para marcar o gol de cabeça.

 Ivo comentou que logo após a vitória o Anísio Haddad (presidente do Rio Preto) chegou todo feliz agradecendo os jogadores do Marília pela ajuda. Mal sabia ele que quando os jogadores estavam ainda no vestiário, contando o dinheiro recebido do Rio Preto como prêmio de incentivo pela vitória sobre o Saad, apareceu o presidente do Marília, o vereador e caminhoneiro Pedro Sola, pedindo para recolher toda aquela grana. O dinheiro, dado pelo Rio Preto ao Marília, seria repassado aos jogadores do Catanduvense para vencer o próprio Rio Preto. E os jogadores do Catanduvense, incentivados pela mala cheia de dinheiro, derrotaram o Rio Preto.

 Ivo contou que antes da partida, ninguém, nem mesmo os jogadores e a comissão técnica acreditava no título. Durante a partida a torcida numerosa e inflamada do Saad gritava das arquibancadas que o time “já é campeão”. A diretoria já tinha providenciado até faixas de campeão e estavam no vestiário à espera do resultado final. A diretoria, torcida e jogadores do Saad jamais imaginariam perder aquela partida.

 Técnico Supersticioso

 Talvez o único que acreditasse numa vitória do Marília fosse o supersticioso técnico Alfredinho Sampaio, que em todo clube que dirigia levava uma mãe de santo para benzer os jogadores antes dos jogos. O roupeiro Jaci Conceição contou, mais tarde, que o técnico pediu a ele que fosse até Santos e trouxesse galões com água do mar para lavar os pés dos jogadores antes da partida.

 A delegação do Marília ficou concentrada na chácara Nicolau Moran, na rodovia imigrantes. Lá o técnico Alfredinho deixou um garrafão de pinga para quem quisesse tomar. O local era o mesmo em que o Santos ficava concentrado. O ponta-esquerda Ivo quis se acomodar na mesma cama em que Pelé dormia e amanheceu no dia seguinte com um tremendo torcicolo.

 Ainda no vestiário, pouco antes da equipe entrar em campo os jogadores ficaram incrédulos quando o técnico Alfredinho anuncia que o goleiro Raimundinho e o zagueiro Brito não iriam jogar, porque houve uma informação de que eles teriam vendido o jogo para o Saad. Os dois atletas eram titulares e foram substituídos por reservas. Raimundinho foi substituído pelo goleiro Renato, que nunca tinha participado de nenhum jogo na temporada.

 A partida foi num domingo e na segunda-feira a cidade parou para receber os jogadores. O prefeito Octávio Barreto Brado decretou feriado. Mas antes de voltar para a cidade, o ônibus que trazia os atletas foi parar em Aparecida, para pagar promessa pela vitória. A 30 quilômetros de Marília, na entrada da cidade de Garça, já tinha uma fila de carros aguardando pelos jogadores. Desfilaram, triunfalmente, junto com o troféu, em cima de um caminhão do Corpo de Bombeiros. As ruas estavam lotadas e a viatura andava com dificuldades, pois tinha muita gente querendo chegar perto dos atletas. Com isso Pedro Sola, um simples caminhoneiro e vereador sem muita expressão, se destacou por presidir o clube e se elegeu no ano seguinte como prefeito da cidade de Marília.

 ·         (*) Nelson Gonçalves é jornalista em São José do Rio Preto

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O Campeonato Paulista de 1971 foi disputado por 17 clubes, entre janeiro e junho


Jogadores e equipe técnica defronte ao prédio da Prefeitura, junto com o prefeito Octávio Barreto Prado (de terno)

Prefeito Octávio Barreto Brado (de terno) recebe os atletas e equipe técnica na Prefeitura

Pedro Sola (com criança no colo) presidia o Marília Atlético Clube quando o clube teve acesso à Divisão Especial do Campeonato Paulista de Futebol

Jogadores e equipe técnica desfilam em carro aberto do Corpo de Bombeiros, após ganharem o título de campeão em campeonato de 1971

Fotografias que ilustram esse artigo foram reproduzidas do Arquivo Municipal, Facebook e da matéria publicada por  Jorge Luiz, no Jornal da Manhã, na edição do dia 22/8/2021. Saiba mais e leia essa matéria clicando aqui

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