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jornalista Maklouf, que ganhou dois prêmios Jabuti, morre em São Paulo aos 67 anos de idade |
O jornalista Luiz Maklouf Carvalho morreu
hoje (16) aos 67 anos em São Paulo. Ele tratava um câncer de pulmão. A
informação foi confirmada por sua filha, a também jornalista Luiza Maklouf.
Maklouf era repórter do jornal O Estado de S. Paulo desde 2016. Ao longo de sua
carreira, teve passagens por diversos veículos, como os jornais Resistência,
Movimento, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e também pelas
revistas Época e Piauí.
Nascido em Belém, Maklouf se formou bacharel
em Direito pela UFPA (Universidade Federal do Pará). Desde 1983, morava em São
Paulo.
Escreveu livros como "Mulheres que foram
à luta armada" e "Já vi esse filme: reportagens e polêmicas sobre
Lula e o PT (1885-2005)", obras que renderam a ele por duas vezes o prêmio
Jabuti na categoria de livro-reportagem.
Sua obra mais recente foi lançada no ano
passado: o livro "O cadete e o capitão: a vida de Jair Bolsonaro no
quartel", que investiga o momento em que o atual presidente da República,
Jair Bolsonaro (sem partido), decidiu trocar a carreira militar pela vida
política (veja um vídeo sobre o livro mais abaixo). A filha de Maklouf
publicou, nas redes sociais, um texto em homenagem ao pai. Luiza lembrou que o
pai foi militante, lutou contra a ditadura militar e começou "do
zero" como repórter em São Paulo.
"Nenhum texto, ainda que eu ficasse dias
aprimorando, jamais chegaria perto dos textos dele. Um gênio da escrita. O cara
era do ramo. Deixa um legado para o nosso país, uma obra importante, 7 livros,
centenas de reportagens. Um jornalista repórter investigativo dos poucos. Para
mim e para muitos, o melhor", escreveu.
Resenha do livro
O livro escrito por Maklouf sobre a vida do atual presidente da República nos tempos de quartel é leitura obrigatória
para quem ousa pronunciar qualquer julgamento sobre o presidente Jair
Bolsonaro. É o livro “O Cadete e o Capitão – A vida de Jair Bolsonaro
no quartel”, de Luiz Maklouf Carvalho (Todavia, 253
páginas). O autor é um jornalista premiadíssimo, que faleceu neste
sábado (16) após lutar contra um câncer no pulmão. Já escreveu diversos outros
livros-reportagens e ganhou dois Prêmios Jabuti. Para escrever o livro, o
jornalista ouviu cerca de 100 pessoas. Todas as entrevistas foram gravadas para
que ninguém depois viesse alegar que não falou ou que teve suas falas
distorcidas. E o livro está recheado de documentos.
Pra começar a conversa, é bom
acabar de vez com a imbecilidade de achar Bolsonaro um bobo, tosco,
despreparado ou incapaz. O livro regista inúmeros documentos do “cadete 531” e
seu desempenho acadêmico como militar – definitivamente – não foi o de um Bozo.
Alguns trechos do livro:
– “Nos exames finais do primeiro ano da Aman (Academia Militar das Agulhas
Negras), a nota mais alta do cadete 531… foi geometria descritiva, 9,3. Tirou
8,7 em matemática… 7,7 em filosofia; 7,3 em física 1…”
– “O cadete 531 fechou seu
segundo ano na Aman com 9,5 nas matérias militares do grupo 1. Tirou 8,8 em
estatística; 8,5 em matemática; 7,8 em tipografia…”
Uma das sensações estranhas de ler o livro de Maklouf é que, pela primeira
vez em muitos anos, é possível para o leitor atravessar páginas e páginas de
algo sobre Bolsonaro sem um único adjetivo. Nem Mito, nem Bozo. Apenas fatos.
Objetivos e documentados.
A maior preciosidade do livro é que
tanto quanto Lula, Bolsonaro também foi acusado e julgado. E Maklouf desvenda –
com base em documentos do Superior Tribunal Militar – como uma interpretação
enviesada desses favoreceu o hoje presidente.
Mas, antes disso, as loas que
lhe prestaram alguns superiores quando vergava a farda de oficial do nosso
glorioso Exército:
– “A atitude do cadete
Bolsonaro enche de orgulho seus superiores de arma, credenciando-o a ser citado
como exemplo entre seus pares, elogiou o comandante do 4 BPE.”
– “…demonstrou para com seus homens desvelo invulgar”, atestou em 1984 seu
então comandante.
Elogios ao "Cavalão"
O livro traz elogios ao
capitão, que para muita gente, Bolsonaro só pode ser sinônimo de limitações. É
importante fazer a ressalva, para que a resenha não distorça o notável trabalho
do autor, que os elogios da ficha do cadete 531 estão normalmente associados à
sua excelente forma física.
O apelido de Bolsonaro era “Cavalão”. Seu desempenho acadêmico ostenta
também muitos registros medianos. E há uma avaliação, já bastante ressaltada
por outros resenhadores, sobre uma passagem dele durante férias por um garimpo
na Bahia, em que seu comandante o define como portador de excessiva ambição e
outras considerações desfavoráveis.
Ou seja, o livro não fala que
Bolsonaro foi um aluno genial. Longe disso, segundo a vasta documentação pesquisada.
Mostra com ênfase nas virtudes do capitão. Nestes tempos em que só é possível
enxergar defeitos em quem está de um lado ou de outro, vale lembrar que ninguém
– nem Bolsonaro, nem Lula – cabem em reducionismos. Todos têm defeitos. E
virtudes. Até o capitão.
O salário está baixo
O grande salto para o abismo e, contraditoriamente, para o Olimpo na vida
do então capitão foi um artigo publicado na revista Veja, em 1987, com o título
“O salário está baixo”.
No texto, o então capitão da ativa dizia que “torno público este
depoimento para que o povo brasileiro saiba a verdade sobre o que está
ocorrendo na massa de profissionais preparados para defendê-los”, dizia o
capitão da ativa Bolsonaro. Mas o ponto
fundamental do livro está na causa da saída de Bolsonaro do Exército e, por
tabela, em sua entrada na política: a chamada e sugestiva operação “beco sem
saída”.
Plano para explodir bombas na
Vila Militar
Em síntese o livro mostra, em detalhes, a reportagem da revista Veja meses
depois, onde saiu publicada uma matéria em que Bolsonaro era acusado de ter
contado a uma repórter (junto com outros colegas da caserna) que haveria uma
sucessão de explosões de banheiros na vila militar do Rio, sem intenção de
provocar vítimas. Apenas para demonstrar a apreensão dos militares com o
arrocho salarial.
Em princípio, a conversa era para
ser reservada, mas a revista entendeu que por se tratar de um enredo com cores
criminosas e terroristas não poderia tomar conhecimento de tal fato e não
torná-lo público. Na semana seguinte, abriu a caixa preta dos planos de
Bolsonaro e escancarou seu nome e suas intenções. Com isso ele foi julgado e
condenado À prisão.
Condenado por 3 a 0
Luiz Maklouf conta como Bolsonaro
foi condenado por unanimidade (3 a 0) pelo Exército no chamado Conselho de
Justificação e, depois, como foi inocentado por 9 a 4 pelo Superior Tribunal
Militar, com base numa distorção jurídica comprovada.
Aos fatos: Bolsonaro havia
desenhado alguns croquis e deixado com uma repórter da revista Veja. Assim que
o caso veio a público, ele negou. Na semana seguinte, a revista não apenas
apontou todos os funcionários – a repórter, o fotógrafo, o motorista, o editor
– que conversaram com Bolsonaro sobre o plano, assim como apresentou uma “prova
material”: desenhos com palavras escritas de próprio punho, que permitiriam um
exame grafotécnico pela Polícia Federal.
Croquis
Logo, as pericias sobre esses
croquis passaram a ser cruciais. Antes disso, Maklouf mostra que o estilo vai e
volta de Bolsonaro em suas declarações já se prenunciava em sua posição como
réu.
Em 12 de dezembro de 1987, em
depoimento, o então oficial Bolsonaro respondeu que tinha consciência de que a
publicação do artigo sobre as dificuldades salariais dos militares era “uma
transgressão disciplinar e que, à época, não levou em consideração que seria
uma deslealdade, mas que agora acha que sim”.
Laudo da PF
Bolsonaro faria uma confissão de
deslealdade militar por escrito se um dia sequer imaginasse que se tornaria
comandante em chefe das Forças Armadas de seu país? Travesso o destino!
Para encerrar, o livro mostra
como foi feito um primeiro laudo pela Polícia do Exercito. Esse foi
inconclusivo, dizendo que não havia como comprovar que as letras e os desenhos
eram ou não da autoria de Bolsonaro (a perícia foi feita com uma cópia e não
com os originais, posteriormente entregues pela revista).
Depois, houve um segundo, da
Polícia do Exército (agora, com base nos originais). Também inconclusivo. Um
terceiro, da Polícia Federal. Taxativo: era de Bolsonaro. E por fim – aí é que
está a jabuticaba!!! – Bolsonaro apresenta como quarto laudo o que na verdade é
a retificação – repito, a correção – do segundo. Então, pela matemática
sustentada pelo então acusado, haveria dois laudos acusando-o e dois laudos
livrando-o de culpa.
Na verdade, há 2 laudos
inconclusivos que Bolsonaro (à época sem advogado) carimbou o rótulo de
“duvidosos” e, portanto, em favor do réu. Mas, o livro de Maklouf comprova, na
verdade houve três – três – laudos: um inconclusivo (aquele feito com base na
cópia e não no original), outro inicialmente inconclusivo e posteriormente
corrigido pela Polícia do Exército atestando a autoria de Bolsonaro e um
terceiro, da Polícia Federal, taxativamente afirmando que a autoria era dele e
ponto final.
Ou seja, na matemática de
Bolsonaro houve um empate de laudos, 2 a 2. Essa foi a tese encampada pelo STM.
Pelo que se revela agora, o placar final foi 2 a 0: 2 contra Bolsonaro e um
inconcluso, que não comprovou nem desmentiu a autoria, até porque não realizado
com base nos originais.
Portanto não valia nada. A rigor,
o que o livro revela é que houve 2 pericias. E foram elas que basearam a
decisão de punir Bolsonaro.
E revela como esses 2 laudos
comprobatórios foram transformados num “empate” de 2 a 2 no STM, inocentando
Bolsonaro, exatamente de acordo com a narrativa criada por ele para ensejar um
“empate” de laudos que, a rigor, não existiu.
Mas…tudo isso hoje é história. E
o fato, como mostra o autor de O Cadete e o Capitão, é que o julgamento de
Bolsonaro pelo STM acabou se tranformando – estão aí os autos – muito mais na
condenação da imprensa do que na absolvição do acusado.
O grande mérito do livro é um
silêncio que não se costuma ouvir em torno da palavra Bolsonaro. Maklouf conta
a vida do atual presidente, suas origens, sua infância, sua trajetória militar,
seu grande incidente que projetou-o para a vida pública, tudo isso apenas com
fatos e documentos, naquilo que o bom jornalismo pode ter de melhor:
objetividade, imparcialidade, ausência de viés. Maklouf ouviu cerca de 100
pessoas para relatar a história. E todas as entrevistas foram gravadas para que
ninguém posteriormente falasse que não disse o que foi escrito ou que tivesse sido
deturpada as palavras.
Lendo o livro sem adjetivos e
adrenalinas de Maklouf sobre Bolsonaro e vendo como o jornalismo é praticado
hoje, constata-se que o atual presidente mudou muito menos do que a forma de
noticiar os fatos. Taí uma péssima notícia.
Livrarias
Lançado pela Editora Todavia, o livro "O Cadete e o Capitão" pode ser encontrado em diversas livrarias online, a partir de R$ 29,90. Entre elas a Amazon, Americanas, Submarino e Saraiva.
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