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A Marília que não se chamava Marília e deu nome à cidade

Curiosamente a musa conhecida como Marília, que deu nome à cidade, não se chamava Marília


Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

O título desta matéria pode parecer confuso ou contraditório. Mas é pura verdade. Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão (1767–1853) entrou para a história com o nome de Marília, a musa inspiradora do poeta português Tomas Antônio Gonzaga (1744–1810). Ele tinha 38 anos e ela, apenas 15, quando se apaixonaram perdidamente. 

A diferença de idade não impediu o amor que deu origem ao célebre livro "Marília de Dirceu", obra que, mais tarde, inspiraria o nome de uma próspera cidade do interior paulista. A princípio, a família de Maria Doroteia não aprovava o romance e exigiu que o casal esperasse. As cartas trocadas entre os dois mantinham viva a chama da paixão. Tomas transformou esses versos e poemas em um livro, lançado em 1792. “Marília de Dirceu” tornou-se um dos poemas mais reeditados da língua portuguesa.

Mas o destino não permitiu que aquele amor terminasse em casamento. Pouco antes das núpcias, quando Tomas já havia sido nomeado desembargador, a Inconfidência Mineira foi descoberta. O poeta foi preso, levado para o Rio de Janeiro e depois exilado em Moçambique, de onde nunca mais retornaria.

A partida foi um golpe devastador para ambos. Anos mais tarde, Tomas libertou Maria Doroteia do compromisso, mas ela escolheu não se casar. Viveu sozinha, fiel à lembrança de um amor que, mesmo não consumado, foi mais profundo que qualquer aliança. Morreu aos 85 anos, em 1853.

Um século depois, em 1955, seus restos mortais foram trasladados para o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, onde repousa como a única pessoa ali sepultada que não participou da Conjuração. Segundo a historiadora Célia Cruz, Maria Dorotéia se tornou uma liderança, mas é pouco lembrada na história. As atas da Câmara Municipal de Vila Rica (mais tarde Ouro Preto) registram que ela compareceu nas sessões para reclamar da falta de água no chafariz da cidade. 

O nome da cidade

O livro "Marília de Dirceu" foi reeditado em várias versões por diferentes editoras


Por volta de 1924, Antônio Pereira da Silva e seu filho José Pereira da Silva desbravaram as terras que dariam origem ao patrimônio Alto Cafezal. José da Silva Nogueira elaborou o traçado do loteamento e iniciou a construção das primeiras casas. Segundo a pesquisadora e bibliotecária Wilza Mattos, logo surgiu uma pequena vila, com armazém de secos e molhados, serraria, e até um jornal.

O engenheiro Frederico Schmidt trabalhava no traçado dos trilhos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro pela região. Quando o deputado e fazendeiro Bento de Abreu Sampaio Vidal soube que o trem se aproximava, comprou terras nas imediações e usou sua influência para que os trilhos passassem por suas propriedades.

As estações da ferrovia recebiam nomes em ordem alfabética. A última inaugurada havia sido Lácio, e a próxima precisava começar com a letra M. Foram sugeridos nomes como Marathona, Macau e Mogúncio, mas Bento de Abreu não aprovou nenhum. Durante uma viagem à Europa, encontrou na biblioteca do navio um exemplar de “Marília de Dirceu”. Encantado com a história, decidiu batizar a nova localidade de Marília. 

Assim, em 1926, pela Lei Estadual nº 2.161, foi criado o Distrito de Marília de Dirceu, pertencente ao município de Cafelândia. No ano seguinte, Raul Araújo fundou o jornal Correio de Marília, que em 4 de abril de 1928 noticiou a instalação oficial do novo município.

Em 1953 foi fundada em Marília a Rádio Dirceu de Marília. O nome foi sugestão do presidente Juscelino Kubitschek, que assinou a outorga da emissora, mas exigiu essa homenagem ao poeta Tomás Antônio Gonzaga. Alguns anos antes, em 1945, Santo Barion e Francisco Potenza fundavam a Ailiram que se transformou na maior fábrica de balas e caramelos da América Latina, produzindo entre outras guloseimas as famosas balas "Sete Belo" "Pipper de Hortelã". O nome da empresa é "Marília" escrito ao contrário.

Outra cidade na história

João Bernardino de Seixas, que fundou São José do Rio Preto, era primo de Maria Dorotéia, a Marília de Dirceu

Curiosamente, há outra ligação indireta entre Maria Doroteia e o interior paulista. Em 1850, um tio dela, Antônio Bernardino de Seixas Ribeiro, deixou Minas Gerais e veio para o sertão paulista, onde recebeu terras concedidas pelo imperador Dom Pedro II, na região hoje ocupada por Ibirá.

Anos depois, um dos filhos de Antônio, João Bernardino de Seixas, construiu um simples casebre de sapé às margens dos córregos Canela e Borá. Com a chegada de outras famílias, ergueu-se uma capela e um cruzeiro. Assim nascia a povoação que, no futuro, viria a se chamar São José do Rio Preto.

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Vista aérea da cidade de Marília, que leva o nome da musa que não se chamava Marília

Capa de um Jornal da USP que fala sobre o romance ocorrido em 1760 na Vila Rica de Ouro Preto

Imagem de Tomas Antônio Gonzaga produzida por Inteligência Artificial



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