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A alma do Paraguai tem cordas: a harpa que embala o país

Linda Garrahan, harpista Mariachi Los Soberanos. San Antonio, Texas
(Reprodução da Paraguayanharpas)

 Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

A harpa é um instrumento que chama a atenção à primeira vista. Grande, imponente, com suas longas cordas esticadas em um corpo que parece meio desengonçado, ela tem uma presença única: tanto visual quanto sonora. Mas apesar de seu formato curioso e pouco prático para carregar por aí, a harpa guarda em si uma elegância delicada e uma sonoridade que emociona.

No Paraguai, ela é muito mais do que um instrumento musical: é um verdadeiro símbolo nacional. A harpa paraguaia, como ficou conhecida, tem características próprias, pois é mais leve que a harpa de concerto europeia. Tem um som mais brilhante e é construída com madeiras locais, como cedro e pinho. Em suas mãos, os músicos paraguaios tiram notas que dançam entre o folclore, a poesia e a alma do país.

 Com ela, canções tradicionais como “Pájaro Campana” se tornaram conhecidas internacionalmente, e a imagem do harpista sentado, abraçado ao seu instrumento, se tornou ícone da cultura paraguaia. A harpa, com sua forma incomum e seu charme peculiar, é a perfeita tradução do Paraguai: simples e ao mesmo tempo rica em identidade, forte em tradição e cheia de beleza escondida em cada detalhe.

Harpista paraguaio faz apresentação na televisão (foto Patrícia Figueira)

 História da harpa

A harpa é um dos instrumentos musicais mais antigos. Suas origens remontam à antiguidade, provavelmente do Oriente Médio e Egito por volta de 5.000 anos antes de Cristo. Acredita-se que sua origem esteja ligada aos arcos de caça que produziam sons quando a corda era esticada. Na Babilônia e Mesopotâmia foram encontrados desenhos de harpas em cavernas e nas tumbas dos faraós.

 Juntamente com a flauta, a harpa é um instrumento musical mencionado várias vezes na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Na Bíblia, ela é frequentemente associada ao louvor, adoração e alegria, sendo usada para expressar emoções e devoção a Deus. O rei Davi, um personagem bíblico, é conhecido por sua habilidade com a harpa e por compor muitos salmos que são cantados até hoje.

 Sempre na forma triangular, lembrando um arco de caça, a harpa é constituída pela caixa de ressonância, coluna, pescoço, cordas e, por vezes, pedais ou alavancas de semitons. Ao longo da história, a harpa passou por diversas transformações, desde as versões mais simples com poucas cordas até as harpas mais sofisticadas, com mais cordas e pedais, que permitem maior variedade de notas, como a harpa sinfônica.

 Durante o crescimento do islamismo, durante o Século 18, a harpa viajou do norte da África até a Espanha e rapidamente se espalhou pela Europa.

Festival Mundial de Harpas, realizado em Assunção, no Paraguai

 Harpa paraguaia

 No Paraguai a harpa faz parte do cotidiano do país. Não existe cidade no país onde não se escuta o som doce e suave da harpa ecoando em algum canto. Seja em um barzinho acolhedor, em um restaurante típico, em alguma esquina movimentada ou sob a sombra de uma árvore na praça central. Sempre há alguém dedilhando as cordas desse instrumento que tanto representa a alma paraguaia.

 A harpa está presente na vida do povo paraguaio como uma extensão de sua própria identidade. É um instrumento ensinado, há várias gerações, de pai para filho. Hoje também existem diversas escolas e conservatórios musicais que ensinam a tocar o instrumento. Ela embala conversas, acompanha refeições, emociona turistas e é a trilha sonora de muitas histórias que se desenrolam pelas ruas das cidades paraguaias. É muito comum ver jovens aprendendo a tocá-la com mestres experientes, passando o saber de geração em geração. Mantendo viva essa tradição tão rica.

 A harpa chegou ao Paraguai pelas mãos dos padres jesuítas em suas missões religiosas. A música, como instrumento de evangelização, faz parte do conjunto de ferramentas culturais e tecnológicas e, no contexto da missão religiosa, a harpa foi empregada para catequisar os nativos das tribos guaranis.

Houve modificações em quase 500 anos de presença e desenvolvimento do instrumento no país. Antes das cordas serem de náilon, elas eram feitas de couro do ventre de cavalos e as cordas mais altas de aço.

O instrumento tornou-se mundialmente conhecido no Século 20 graças ao músico paraguaio Luís Bordon, um dos seus maiores solistas, a quem deu à ela técnicas, arpejos e arranjos mais arrojados. Ao atravessar o Paraguai, onde quer que se vá, é impossível não cruzar com o som envolvente e inconfundível da harpa. Ela parece brotar da própria terra guarani. Estima-se que existam cerca de 300 músicos paraguaios tocando harpa em orquestras ou pelas ruas de cidades de diversos países. A harpa também se tornou fonte de renda para muitos.

Festival Nacional de Harpas, realizado em Assunção, no Paraguai

 Fábrica de harpas

 Gustavo Arias é dono de uma das mais conceituadas fábricas de harpas, localizada em Assunção, capital paraguaia. A Paraguayanharpas produz, desde o ano 2000, cerca de três a dez harpas por mês. Gustavo explica que a produção é feita de forma totalmente artesanal e por vários luthiers, que atuam de forma terceirizada para a empresa. Luthier é o profissional especializado na construção, reparação e ajuste de instrumentos musicais de cordas. A palavra deriva do termo francês “luth”, que significa alaúde, um antigo instrumento de cordas dedilhadas.

 “A harpa é um piano em pé e o piano também tem cordas”, define o harpista Arsênio, paraguaio que vive há mais de 30 anos em São José do Rio Preto (SP). Gustavo informa que em sua fábrica as harpas são feitas à mão por alguns dos mais reconhecidos luthiers do país, todos eles com uma tradição familiar de muitos anos de experiência na construção de harpas e violões.

As harpas são feitas com madeiras selecionadas, como o cedro paraguaio, pinho vindos dos Estados Unidos e Canadá e uma madeira, muito rara, vinda do Japão. Normalmente a produção de uma harpa, dependendo do número de cordas e qualidade, varia entre 15 dias a três meses. O preço varia, conforme modelo e qualidade, entre 300 (R$ 1.650) a 2.000 dólares (R$ 12 mil). A variedade de cordas numa harpa varia entre 26 a 48 cordas. Clique aqui para acessar o site da fábrica de harpas.

Gustavo Arias ressalta que no Paraguai a maioria dos instrumentistas é composta por homens, enquanto no Japão e países europeus são as mulheres que dominam na execução das harpas. No Paraguai o instrumento é tão popular que anualmente ocorrem os Festivais Nacional e Mundial de Harpas, que leva harpistas de quase 30 países para apresentações que lotam plateias e cruzam fronteiras.

Não é à toa, o evento já tem versões na França, Itália, Alemanha, Bélgica, Espanha, Croácia e Portugal. E neste ano também desembarca na África do Sul, consolidando-se como o maior festival de harpas do mundo. “Os artistas são os verdadeiros protagonistas desses festivais”, afirma a diretora executiva do Festival, Ana Maria Scappini Ricciardi. “Nosso festival é uma celebração da música e da vida”. 

Clique aqui para assistir apresentação do harpista Mariano Gonzales tocando "Pajaro Campano", sendo tocado com duas harpas.


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