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Carlos Gomes, uma vida entre sucessos e dramas pessoais |
Antônio Carlos Gomes (1836-1896) foi o mais importante compositor de ópera brasileiro. Destacou-se pelo estilo romântico, com o qual obteve carreira de destaque na Europa. Foi o primeiro compositor brasileiro a ter suas obras apresentadas no renomado Teatro Alla Scala, em Milão, na Itália. É autor da ópera “O Guarani”, música que anuncia desde 1935 a abertura do programa “A Voz do Brasil” do Governo Federal.
Nascido em Campinas, Carlos Gomes era conhecido por Nhô Tonico, apelido com o qual assinava até em suas dedicatórias. Ele perdeu a mãe, Fabiana Jaguari Gomes, ainda criança e o seu pai, maestro Manuel José Gomes, o Maneco, vivia com dificuldades para sustentar os filhos. Com eles formou a Banda Musical de Campinas, onde Carlos Gomes iniciou seus primeiros passos na música e, posteriormente, substituiria seu pai na direção do grupo. Incentivado pelo pai e pelo irmão José Pedro de Sant’Anna Gomes, fiel companheiro das horas amargas, começou a compor ainda criança.
Nessa época, alternava o tempo entre o trabalho numa alfaiataria, costurando calças e paletós, e o aperfeiçoamento dos seus estudos musicais. Aos 15 anos de idade compôs valsas, quadrilhas e polcas. Aos 18 anos, em 1854, compôs a Missa de São Sebastião, sua primeira obra clássica.
Ao completar 23 anos, já apresentava vários concertos com o pai na capital paulista. Lecionava piano e canto, dedicando com afinco ao estudo das óperas. Compôs o Hino Acadêmico, cantado até hoje na Faculdade de Direito de São Paulo.
Em 4 de setembro de 1861, então com 25 anos, estreou no Teatro Lyrico Fluminense com a ópera “A Noite do Castelo”, baseada na obra do escritor Antônio Feliciano de Castilho. Foi entusiasticamente aclamado pelo público. O imperador Dom Pedro 2º estava presente na plateia e o agraciou com a Imperial Ordem da Rosa. Ali ele conquistava a Corte e sua vida tomaria novos rumos.
Apadrinhado pela Corte
Carlos Gomes tornou-se figura popular por todo o Brasil. Seus cabelos compridos eram motivo de comentários e até ele ria das piadas. Certa vez, ele viu um cartaz que fora emendado de “Tônico para cabelos” para “Tonico apara os cabelos”. Morando no Rio de Janeiro a saudade da sua querida Campinas, do seu velho pai e também da sua amada Ambrosina, com quem namorada, moça da família Correia do Lago, compôs a música “Quem Sabe”, com versos do poeta Bittencourt Sampaio, e posteriormente foi gravada por vários interpretes como Francisco Petrônio, Agnaldo Timóteo, Arthur Moreira Lima e Nei Matogrosso. Em 1975, essa música foi tema da novela “Senhora”, exibida pela TV Globo. Ouça essa música, clicando aqui
Carlos Gomes ainda compôs mais duas óperas de sucesso no Brasil quando foi agraciado com uma viagem à Europa, com todas despesas pagas pela Corte brasileira, para aperfeiçoar seus estudos com os grandes mestres da música clássica. Antes de embarcar, ao se despedir e agradecer o imperador, ainda se lembrou do seu velho pai e solicitou que lhe fosse dado lugar de mestre da Capela Imperial. Dom Pedro 2º enternecido ante aquele gesto de amor filial, acedeu.
Dom Pedro 2º preferia que Carlos Gomes fosse para a Alemanha, onde pontificava o grande Wagner. Mas a imperatriz, dona Teresa Cristina, napolitana, sugeriu a Itália, onde Giuseppi Verdi brilhava. E assim em 8 de novembro de 1863, Carlos Gomes embarcava num navio, sob calorosos aplausos dos amigos e admiradores, que se comprimiam no cais. Levava consigo carta de Dom Pedro 2º para que fosse apresentado a Lauro Rossi, diretor do Conservatório de Milão. O jovem compositor passou antes por Paris, onde assistiu alguns espetáculos.
Sucesso na Europa
Teatro Scala em Milão onde Carlos Gomes estreou em 19 de março de 1870 a ópera "O Guarani", que o notabilizou pelo mundo inteiro
Lauro Rossi encantou-se com o talento do jovem aluno, passou a protege-lo e a recomendá-lo aos amigos. Em 1866, Carlos Gomes recebia o diploma de mestre com os maiores elogios de todos professores e críticos de música. Passou então a compor. No ano seguinte estreava no Teatro Fossetti com a peça “Se sa Minga”. Um ano depois, levava à cena no Teatro Carcano a ópera “Nella Luna”.
Carlos Gomes já gozava de merecido prestígio em Milão, grande centro cultural da época, quando passando pela praça central ouviu um garoto gritando: “II Guarani! II Guarani! Storie interessante der selvaggi del Brasile”. Tratava-se de uma péssima tradução do romance de José de Alencar. Mas aquilo interessou de súbito o maestro, que comprou o livreto e logo procurou Antônio Scalvini, autor do livreto sobre a obra de Alencar. E assim surgiu “O Guarani”, que apesar de não ser a sua melhor obra, foi aquela que o imortalizou. A noite da estreia da ópera foi 19 de março de 1870 no Teatro Alla Scala de Milão. Ouça, clicando aqui a ópera “O Guarani”. A opera original tinha 180 minutos, incluindo o intervalo. Posteriormente quando gravada em disco pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida pelo maestro Eleazar de Carvalho, foi reduzida para 7 minutos.
A ópera ganhou projeção mundial. Foi apresentada em toda a Europa e em países da América do Norte. Giuseppe Verdi, já glorioso e consagrado, presente na noite de estreia, teria dito que “este jovem começa onde eu termino”. “O Guarani” faz parte do repertório das principais orquestras do mundo.
Ainda na Itália, em 1891, Carlos Gomes voltou a lotar o Teatro Scala de Milão com a ópera “Condor”. De volta ao Brasil, em setembro de 1889, estreou a ópera “Lo Schiavo” em homenagem à Princesa Isabel. A estreia dessa ópera ocorreu dois meses antes da Proclamação da República. A abertura desta ópera, chamada de “Alvorada”, foi composta na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, onde se encontra um busto de Carlos Gomes.
Decadência e morte
Os últimos dias de Carlos Gomes, quando se encontrava adoentado na cama e recebia a visita de autoridades políticas e eclesiásticas de Belém
Depois da ascensão com as óperas “O Guarani” e “Condor”, Carlos Gomes não conseguiu mais emplacar nenhuma outra obra de sucesso. E passou a viver momentos de penúria, principalmente depois que Dom Pedro 2º foi deposto e teve de ser exilado do Brasil. Carlos Gomes perdeu seu principal financiador. Logo que foi proclamada a Republica no Brasil, os republicanos chegaram a lhe oferecer a quantia de 20 mil contos de réis para que compusesse um novo hino nacional, mas o maestro recusou a oferta em respeito ao imperador deposto, seu grande amigo e protetor.
Ironicamente, a mesma Itália que deu tantas alegrias, louros e dinheiro também lhe deu dissabores. Ele se casou com a pianista italiana Adelina Peri, com quem teve cinco filhos, e quatro morreram no país quando ainda eram crianças. O casal se separou anos depois. Grande parte do dinheiro que ganhou investiu na compra de uma vila na cidade de Lecco, que foi desapropriada pelo governo local para a construção de uma ferrovia. E nunca ele recebeu indenização, o que fragilizou suas finanças.
Doente e com parcos recursos em 1895, Carlos Gomes volta ao Brasil e foi se apresentar em Belém (PA). E foi convidado pelo governador Lauro Sodré a viver em Belém para organizar e dirigir o conservatório daquele estado. Sofrendo com um tumor maligno na língua e garganta, cercado por autoridades e amigos, como governador Lauro Sodré à cabeceira de sua cama, Carlos Gomes veio a falecer às 22h20 no dia 16 de setembro de 1896.
Seu corpo foi embalsamado, fotografado e em seguida exposto à visitação pública durante três dias, na sede do Conservatório Musical de Belém, rodeado de flores e de objetos como partituras e instrumentos musicais. Sob os acordes de “O Guarani” uma multidão acompanhou o féretro até o cais para ver o caixão ser transladado por navio até o porto de Santos. A pedido do governador Campos Sales, houve missa de corpo presente na Catedral da Sé, em São Paulo, antes de seguir para Campinas, onde foi sepultado. O corpo do compositor se encontra hoje no monumento-túmulo na Praça Antônio Pompeu, em Campinas, sua terra natal. A duas quadras dali está o Museu Carlos Gomes, que reúne objetos e partituras do compositor.
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Na chegada do corpo de Carlos Gomes em Campinas, o cortejo reuniu milhares de pessoas |
Ingresso na Maçonaria
Carlos Gomes, junto com seu irmão carnal José Pedro de Sant’Anna Gomes, foi iniciado na Maçonaria quando tinha 23 anos de idade. Os dois irmãos entraram no mesmo dia, 24 de junho de 1959, na loja maçônica Amizade, em São Paulo. O Venerável Mestre, na época de sua iniciação, era o padre Fortunato Gonçalves Pereira de Andrade, que só não dirigiu a sessão, por se encontrar gravemente enfermo nesse dia.
Em homenagem ao compositor existem no Brasil quatro lojas maçônicas que levam o nome de Carlos Gomes. Uma na cidade de Campinas, sua terra natal, e outras três nas cidades de Jaguariúna, Tupã e na capital paulista. Tem também a Orquestra Sinfônica Carlos Gomes, regida pelo maestro Ricardo Rossetto Mieli, que também é maçom, e o grupo tem total apoio da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (GLESP), realizando apresentações por diversas cidades.
Homenagens
Monumento-túmulo de Carlos Gomes em Campinas (SP)
Existem várias estátuas e bustos do compositor, bem como ruas, avenidas, praças e conservatórios musicais com o nome de Carlos Gomes espalhados por todo o Brasil. Em Campinas, sua terra natal, está o maior monumento em sua homenagem. Uma obra do escultor Rodolfo Bernadelli, foi inaugurado em 16 de setembro de 1905. A pedra fundamental do local foi lançada por outro brasileiro importante: Alberto Santos Dumont, o pai da aviação.
O monumento é também o túmulo onde estão enterrados os restos mortais do compositor. Ele é feito todo em granito e, além da estátua de Carlos Gomes, no topo, em tamanho natural como se estivesse regendo a orquestra, tem na base a imagem da cantora lírica Maria Monteiro, representando a cidade de Campinas.
Também como fato marcante da história na cidade de Campinas, o Guarani Futebol Clube, o único campeão brasileiro do interior até 2002, foi batizado em homenagem à obra-prima, a ópera “O Guarani”, do compositor campineiro Carlos Gomes.
O clube foi fundado em 1911, por alguns jovens de ascendência italiana e um jovem de ascendência alemã. Nessa época Carlos Gomes estava vivo, com 50 anos de idade, e já era conhecido no mundo inteiro por causa da música “O Guarani”.
Em Belém do Pará, onde Carlos Gomes faleceu, em 1896, foi criado o terceiro conservatório musical mais antigo do Brasil. Mais tarde foi transformado em Fundação Carlos Gomes para projetos de extensão e pesquisa acadêmica visando divulgar o trabalho do compositor. O instituto foi desativado em 1908 pelo governador Augusto Montenegro sob alegação de contenção de despesas. Mas foi reaberto em 1929 pelo governador Eurico Valle com apoio do senador Antônio Almeida Faciola, que havia integrado o seu corpo docente na arrancada inicial.
A Fundação, que se vinculou à historiografia musical do Pará, é constituído por professores que lecionam cursos de piano, cordas, sopro, canto lírico, percussão e musicalização a cerca de 1700 alunos por ano, contribuindo para a formação de novos músicos.
Imagem trocada
Monumento a Carlos
Gomes em frente do Teatro Municipal de São Paulo. Observa-se a estátua do
compositor sentado ao topo do monumento |
Um monumento com a estátua de Carlos Gomes também foi construído na Praça Ramos de Azevedo, defronte ao Teatro Municipal de São Paulo. Porém durante uma de suas visitas a São Paulo, o compositor Pedro Mascagni, autor da música “Cavalleria Rusticana”, que era amigo de Carlos Gomes, ficou intrigado com o monumento que acabara de ser inaugurado.
“Admirei o conjunto, mas não reconheci a fisionomia do maestro esculpida no bronze”, contou Mascagni. “Sou depois que se tratava do busto do General José Gomes Pinheiro Machado. Não me contive e fui procurar o governador Whashington Luís, que a principio se mostrou incrédulo, só se convencendo com provas. O governo mandou retirar o busto e substituí-lo pelo verdadeiro”. Graças a Mascagni, a estátua que o público vê diante do Teatro Municipal de São Paulo tem hoje a cabeça certa de Carlos Gomes.
Estátua de Carlos Gomes na
Cinelândia, no centro da cidade do Rio de Janeiro