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A barulhenta e demorada máquina de telefone, com fios acoplados ao bocal de um telefone de disco |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
Mal
termina um discurso do presidente dos Estados Unidos na Casa Branca, em Washington,
ou um bombardeio na Ucrânia e os sites jornalísticos já estão repletos de imagens
fotográficas da cobertura. Porém nem sempre foi assim. Até poucas décadas
atrás, o envio de imagens pelas agências internacionais ou fotógrafos distantes
era um processo para lá de demorado. Demorava-se dias e talvez até semanas para
uma fotografia, que foi inventada em 1826, chegar, via marítima, trem ou avião,
ao seu destino. Era um tempo em que nem a ficção cientifica previa fazer o que
qualquer celular faz, em segundos, nos dias de hoje.
Em
1935 a agência americana Associated Press (AP) inaugurou uma engenhoca mecânica
chamada de telefoto. O funcionamento parecia ser simples: a fotografia em preto
e branco era transformada em impulsos telefônicos que permitiam a transmissão
pela linha telefônica em que o aparelho estivesse conectado.
As
fotografias precisavam ser reveladas e ampliadas no tamanho 18x24 centímetros para que a
transmissão pudesse ser feita. Era preciso desatarraxar o bocal do aparelho
telefônico para amarrar os fios. A
máquina de telefoto era constituída basicamente de um cilindro metálico em
torno do qual se enrolava a fotografia a ser transmitida lentamente. O cilindro
girava da esquerda para a direita, bem devagar, de forma a que todos os pontos
do cilindro passassem sobre uma fortíssima luz que ficava dentro dele. De acordo com a intensidade dos sinais
elétricos, o papel receptor era pintado de preto ou cinza. Quando a luz passava
por um ponto claro na foto, conseguia atravessar a fotografia com uma
intensidade variável. A área branca passava muita luz, área cinza ou preta,
menos luz e um codificador transformava cada raio de luz em som.
Barulho da máquina era irritante
O
jornalista Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto, contou numa entrevista para
o “Unidade”, veículo do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a história
relatada pelo falecido fotografo Antônio Lúcio, que trabalhou na década de 1960
para o “Estadão”, o melhor jornal do país na época. O jornal queria publicar no
dia seguinte as fotos da inauguração de Brasília, ocorrida em 21 de abril de
1960. Como não dava tempo dos fotógrafos revelar os filmes, copiarem em papel e
enviarem por meio de um dos raros voos daqueles tempos para São Paulo, um deles
teve a brilhante ideia de pegar, emprestado, da Associated Press uma máquina de
telefoto emprestada.
A
máquina, como lembra Bebeto, era uma gerigonça estranha e muito barulhenta. Tinha
que ter uma na sucursal em Brasília e outra na redação em São Paulo. O ruido
era decodificado novamente na luz com a mesma intensidade original. Aos poucos
e, linha por linha, a luz piscante, em intensidade diversa, ia desenhando a
fotografia no papel fotográfico colocado na máquina receptora que, depois de
revelado, mostraria uma cópia teoricamente perfeita da foto original.
Bebeto
explica que numa época em que era necessário recorrer ao auxílio das
telefonistas das concessionárias para se fazer uma ligação interurbana era
também muito comum que elas interferissem na linha e prejudicasse todo o
trabalho de transmissão das fotografias. O processo de transmissão de uma
fotografia demorava entre 20 a 30 minutos. O som, na verdade um ruído, que
apitava tipo “piiiu, fiiie, pi, pi pi, piiiiu” era algo estranho e incomodante.
As
telefonistas achando estranho a cacofonia de sinais acústicos na linha, sem que
ninguém falasse nenhuma palavra, quando não derrubam a ligação, entravam na
ligação perguntando: “alô, alô, alguém na linha”. E bastava essa interferência
para que a máquinas interpretasse a voz da telefonista como uma longa linha
negra que, claro, passava a cortar de ponta a ponta, por exemplo, o rosto do
presidente Juscelino discursando na inauguração de Brasília. E aí tocava ligar
novamente para a telefonista, pedir nova ligação e explicar a ela que iria
ouvir sinais estanhos na linha, mas que, por favor, não interferisse, pois o
jornal estava mesmo interessado em receber esses sinais “alienígenas”, sem
nenhuma interferência. Foram necessárias várias tentativas até que as
companhias telefônicas de São Paulo e de Brasília entenderem o problema.
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Fotos estampadas na capa do "Estadão", na edição do dia 22 de abril de 1960, mostram a inauguração de Brasília com a utilização, pela primeira vez, das máquinas de telefoto no Brasil |
As
fotografias muitas vezes chegavam de forma sofrível nas redações
A
fotografa Mônica Zarattini, que trabalhou para o grupo “Estadão” na década de
1980, costumava levar a telefoto em uma maleta, junto de um pequeno laboratório
de revelação. Ela lembra que em grandes coberturas, não era raro o congestionamento
de repórteres na sala das telefonistas dos hotéis. “Era uma briga enorme, porque
as transmissões eram demoradas, e todo mundo queria mandar suas fotografias
primeiro”.
O
repórter-fotográfico José Carlos Moreira, que trabalhou no final dos anos 80 e
começou dos anos 90 para a sucursal do jornal “O Globo” em São Paulo conta ter
utilizado, por diversas vezes, as máquinas da Associated Press (AP) para transmitir
suas fotografias para a sede do jornal no Rio de Janeiro. As fotografias mais
marcantes para ele foram quando acompanhou os candidatos na primeira eleição
com voto direto para presidente da República, após o fim da ditadura militar. “Fiz
fotos do Lula e do Fernando Collor participando de comícios memoráveis em São
Paulo”, lembra. “A gente transmitia as fotos para elas saírem, geralmente na capa
do jornal, no dia seguinte”.
Jorge
Maluf, o decano dos fotógrafos em São José do Rio Preto, conta ter trabalhado
numa era bem antes do surgimento dessas máquinas de transmissão, onde tudo era
muito mais demorado. “Peguei uma época em que tínhamos que mandar fazer clichê
de chumbo ou de zinco na Clicheria do Sasakibara para a fotografia poder sair
no dia seguinte no jornal”, conta Maluf, acrescentando que seu trabalho com
fotografias foi sempre voltado para as redações de jornais locais.
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Lula, então candidato a presidente da República em 1989, discursa na porta do Bradesco, em São Paulo, na fotografia de José Carlos Moreira que foi capa do jornal "O Globo" |
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Outra fotografia de José Carlos Moreira para o jornal "O Globo" o então ministro do Trabalho, Antônio Roberto Magri, que ficou conhecido pelo termo "imexível", discursa no Sindicato dos Eletricitários |