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Luiz Gama, o patrono da Abolição dos Escravos no Brasil, tem monumento no Largo do Arouche

 

Monumento ao abolicionista Luiz Gama passa quase despercebido, para quem não estiver atento, na praça do Largo do Arouche, em São Paulo


Por Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

Quem transita pelo Largo do Arouche, praça tradicional na região central de São Paulo, pode passar desapercebido, para quem não está atento, a um monumento de grande importância para a história do Brasil. Trata-se do monumento, inaugurado em 1931, com o busto de Luiz Gama, uma das figuras mais importantes da história do Brasil e que lutou bravamente pela liberdade dos escravos e para a proclamação da república.

O Largo do Arouche, que leva esse nome em homenagem ao primeiro diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e do Jardim Botânico, José Arouche de Toledo Bendon, é bastante conhecido. O local, que já foi renomeado por outros nomes, se tornou conhecido como “Praça das Flores” em razão da grande quantidade de bancas e lojas de flores ao redor. É considerado também como um polo de diversidade social, uma vez que é ocupado desde os anos de 1940, pelos gays, lésbicas, transexuais e simpatizantes desse público. A praça também se tornou nacionalmente conhecida em razão do programa humorístico “Sai de Baixo”, produzido pela TV Globo. Exibido entre 1996 e 2002, o programa retratava situações humorísticas que tinham lugar em edifício fictício localizado no Largo do Arouche.

 

Luiz Gama, o patrono da Abolição da Escravidão no Brasil, aprendeu a ler e escrever aos 17 anos de idade e se tornou respeitado jornalista e advogado 

Caminhada da resistência

Há pelo menos 40 anos artistas, jornalistas, advogados, professores, escritores e intelectuais ligados a diversas instituições, como a Universidade de São Paulo (USP), Sindicato dos Jornalistas, Ordem dos Advogados Brasil (OAB) e entidades ligadas ao movimento negro, realizam caminhada partindo deste monumento em direção ao túmulo de Luiz Gama, no cemitério da Consolação. E geralmente a caminhada termina com uma palestra no auditório de uma das entidades envolvidas.

“Essa caminhada simboliza a eternidade de Luiz Gama”, explica Abílio Ferreira, do Instituto Tebar. “Durante a caminhada fazemos uma espécie de oração pela liberdade das pessoas e para que não ocorra, nunca mais, retrocesso da escravidão em nenhum lugar do mundo”.

Nascido em Salvador como Luiz Gonzaga Pinto da Gama, em 21 de junho de 1830, ele teve brilhante atuação como advogado, jornalista, escritor e orador, mesmo tendo sido lhe negado ingresso na Faculdade de Direito de São Paulo. Considerado como Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil, ele mesmo foi vítima da escravidão, tendo sido vendido como escravo no porto de Santos. Quando tinha 10 anos, subiu, a pé, a Serra do Mar para chegar em São Paulo.

Gama passou a trabalhar como escravo doméstico na propriedade de um alferes, lavando e passando roupas. Trabalhou com alfaiate e sapateiro, aprendendo rapidamente todos esses ofícios. Somente aos 17 anos, quando teve contato com um estudante, que se hospedou na casa onde trabalhava, foi que aprendeu a ler e escrever. Passou então a ensinar o alfabeto para os filhos do dono da casa. Com isso conseguiu sua liberdade e se alistou no exército.

 

Túmulo no cemitério da Consolação, em São Paulo, onde estão enterrados Luiz Gama e o seu filho Benedicto Gama, que foi comandante dos Bombeiros em São Paulo

Com caligrafia boa e escrita afiada

Por possuir excelente caligrafia era escolhido para trabalhar como copista para os comandantes do regimento militar. Com 26 anos foi contratado como escrivão para trabalhar na Secretaria de Polícia, no gabinete do desembargador Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, que era professor na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e lhe facilitou o acesso à biblioteca. Quis matricular-se na faculdade, porém os alunos, filhos da oligarquia da nobreza paulista, constituída pelos chamados barões do café, protestaram contra sua presença nas aulas. Racistas ao extremo, não suportavam conviver com um estudante negro. Passou a estudar por conta própria e se tornou excelente advogado por ofício, passando a defender nos tribunais a alforria de mais de 700 escravos.

Interviu junto aos deputados para a criação de diversas leis a favor da liberdade dos escravos. Entre elas, com a Lei do Ventre Livre, sancionada em 1871, Gama conseguiu a alforria de 217 escravos, num ato considerado como “a maior ação coletiva de libertação de escravizados das Américas”, divulgada pela Rádio BBC de Londres e por todos os jornais da época.

Luiz Gama casou-se, quando tinha 27 anos, com Claudina Fortunata Sampaio. No ano seguinte nasceu seu único filho, Benedicto Graccho Pinto da Gama, que pertenceu a Força Pública e chegou a ser comandante do Corpo de Bombeiros de São Paulo.

Com hábil e incisiva escrita começou a escrever artigos para vários jornais. Ao longo dos anos, colaborou em várias publicações como os jornais “O Ipiranga”, “Correio Paulistano” e para o diário “A Província de São Paulo”, predecessor do “O Estado de São Paulo”. Em 1864, juntamente com Ângelo Agostini, funda o “Diabo Coxo”, uma resenha humorística semanal combativa a favor da libertação dos escravos e da proclamação da república.

 

Túmulo de Luiz Gama, no Cemitério da Consolação, em São Paulo, tem tributo feito pela Loja Maçônica Américas, a qual ele pertenceu junto com outros líderes importantes

Iniciado aos 40 anos na Maçonaria

Aos 40 anos de idade foi iniciado na Loja Maçônica Américas, onde conviveu ao lado dos propulsores defensores do fim do regime monárquico para a instalação do sistema republicano. Nessa época faziam parte dessa loja maçons que se tornaram protagonistas da história, tais como Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Pedro de Toledo, Antônio de Paula Souza, Américo Brasiliense, Américo de Campos, Rangel Pestana, Bernardino de Campos, Ubaldino do Amaral e Amadeu Amaral. Junto com esses líderes foi fundador do Partido Republicano. Mas depois se desfilou do partido, ao descobrir que muitos de seus líderes mantinham escravos em suas fazendas e não se importavam ou interessavam com a questão abolicionista.

 Luiz Gama se tornou venerável da loja quando propôs e criou a criação de uma biblioteca comunitária, bem como instituiu escola gratuita para crianças e um curso de alfabetização de adultos no período noturno, que funcionou na rua 25 de Março, em São Paulo.

Luiz Gama faleceu aos 52 anos, em 24 de agosto de 1882. Ele estava adoecido com diversos problemas de saúde. São Paulo tinha na época cerca de 40 mil habitantes, uma população dez vezes menor que a cidade do Rio de Janeiro, então capital da corte brasileira. Segundo diversos jornais relataram, cerca de 4.000 pessoas, 10% da população paulistana, compareceu para prestar as últimas homenagens ao maior abolicionista brasileiro. Havia pelo menos três carruagens para levar o esquife até o cemitério, que ficava do outro lado da cidade. Mas a multidão quis que o trajeto fosse feito caminhando, para lembrar que ele, após ser vendido como escravo, tinha caminhado de Santos à capital paulista. Antes de ser descido à sepultura, o médico Antônio Bento, fez discurso emocionado, levando todos os presentes às lágrimas, ao relatar a vida sofrida de Luiz Gama a favor da liberação dos escravos e da proclamação da independência, fatos que somente seriam consumados seis e sete anos depois de sua morte.

Homenagens póstumas a Luiz Gama

Fotografia e placa alusiva ao jornalista patrono da Abolição dos Escravos, foi introduzida na sede do Sindicato dos Jornalista em 2019, em São Paulo

Alguns anos depois de sua morte, logo após a abolição dos escravos, em 1888, foram fundadas três lojas maçônicas em sua homenagem: Trabalho e Ordem, Progresso e Luiz Gama, onde foram iniciados 25 negros.

Em sua homenagem, em 1916, a Estrada de Ferro Sorocaba batizou uma de suas estações com o nome de Luiz Gama. O monumento no Largo do Arouche, em São Paulo, foi erguido durante a celebração do centenário do seu nascimento com recursos arrecadados pelo movimento negro por meio de uma campanha organizada pelo jornal “O Progresso”.

Em 2013 foi lançado o filme “Anos de Escravidão” e, no ano seguinte, a escritora Ana Maria Gonçalves, escreveu o livro “Gama, Um Defeito de Cor”, que chamou a atenção um canal da televisão para a produção de uma minissérie sobre Luiz Gama. Em 2017, a Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, deu nome dele a uma de suas salas.

Em 2018, o presidente Michel Temer incluiu o nome de Luiz Gama no Panteão da Pátria e da Liberdade. No mesmo ano, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo prestou homenagens póstumas reconhecendo-o como jornalista e associado honorário da entidade.

Em 2019 o cineasta Jefferson Dê lança outro filme sobre a vida de Luiz Gama, com o ator Fabrício Boliveira interpretando o personagem na vida adulta. Também em 2019, a história em quadrinhos Provincia Negra foi publicada, retratando também a vida de Luiz Gama como protagonista da história, após ser vencedora do edital Fomento Cultural da cidade de São Paulo. O roteiro é assinado por Kaled Kanhour.

 Em 2021, a USP concedeu-lhe, postumamente, o título de “doutor honoris causa”, tornando-se o primeiro brasileiro negro a receber esse título honorífico na história da universidade. Desde 2021, o site Black Pasi, voltado para a história global africana e afro americana, tem uma página com a biografia do poeta, jornalista e advogado Luiz Gama.

Neste ano, sob direção do cineasta Alexandre Kishimoto, estreou o primeiro episódio do documentário "Caminhada Luiz Gama Imortal". O documentário narra o percurso da caminhada, de seu túmulo no Cemitério da Consolação ao Largo do Arouche, junto a estátua construída pelo movimento negro em novembro de 1931, durante o nascimento de Luiz Gama. Clique aqui para assistir.

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Luiz Gama em desenho a bico de pena feita pelo ilustrador Raul Pompeia

Semanário "Diabo Coxo", lançado por Luiz Gama, em São Paulo

Luiz Gama atuou como jornalista e advogado a favor da libertação dos escravos em quadro da Loja Maçônica América, quando ele ocupou o cargo de venerável mestre

Uma pequena placa colocada na parte de baixo do túmulo de Luiz Gama no cemitério de São Paulo

O Largo do Arouchê em São Paulo é conhecido por ser ponto de encontro da comunidade gay 



 

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