Poucas pessoas sabem o significado do feriado de 9 de Julho

Avenida Nove de Julho, em São Paulo, vista do mirante e ao fundo o túnel com o mesmo nome: são marcos importantes da capital paulista

Nelson Gonçalves, Especial para a Folha2

O dia 9 de Julho é feriado apenas no Estado de São Paulo. Mas poucas pessoas, inclusive os paulistas sabem o significado desse dia. Existem ruas, avenidas, praças e prédios com esse nome em quase todas as cidades paulistas. Nem mesmo quem reside em Birigui, onde uma das principais avenidas leva o nome de Euclides Miragaia, o mais jovem entre os quatro estudantes que morreram inocentemente no dia 23 de maio de 1932. A avenida 23 de Maio na capital paulista tem esse nome exatamente por causa da morte dos estudantes nesse dia.

O feriado foi instituído em 1997 pelo governador Mário Covas. A data relembra o dia em que se iniciou a revolta dos paulistas, em 1932, contra a ditadura do então presidente Getúlio Vargas. Os paulistas pediam a destituição de Getúlio do cargo. Para entender a Revolução de 1932 é preciso voltar dois anos antes para compreender também o que foi a Revolução de 1930.

Desde 1898, quando o advogado paulista Campos Sales assumiu a presidência após a chamada era da "política da espada" com militares no poder, como Marechal Deodoro, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, o Brasil vivenciou 32 anos da política “café com leite”. Políticos mineiros e paulistas se revezavam na presidência. O paulista Washington Luís estava na presidência e ao invés de optar pelo apoio a um mineiro, escolheu Júlio Prestes, então governador de São Paulo para ser seu sucessor. Os mineiros se revoltaram. Se uniram aos gaúchos e aos dirigentes de estados do Norte e Nordeste e provocaram uma ruptura política. Getúlio Vargas liderou a Revolução de 1930 e impediu Júlio Prestes, já então eleito com expressiva votação, de tomar posse.

Getúlio Vargas chega ao poder e anula a Constituição de 1891. Fechou o Congresso Nacional, extinguiu os partidos políticos e começou a governar por meio de decretos. Nos estados, depôs os antigos governadores e nomeou interventores, pessoas de sua confiança. Grupos políticos antagonistas entraram em conflitos, objetivando a tomada do poder.

São Paulo nunca aceitou essa derrota e a imposição de Vargas, que impediu Júlio Prestes de assumir o poder. Surgiram diversos protestos pelas ruas. O clima político esquentou no final de 1931 e começo de 1932.

Os protestos ganharam força. Em 23 de maio um grupo de revoltosos organizou manifestação na Praça da Sé, em São Paulo. As forças leais ao governo Vargas reagiram com balas. Na confusão, quatro estudantes foram mortos: Mário Martins Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Camargo de Andrade. As iniciais de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, como eles eram conhecidos pelos colegas, foram imortalizadas no acrômio MMDC. A partir daí o movimento ganhou mais força ainda nas ruas, culminando, em 9 de julho de 1932, com o levante armado das tropas dos paulistas contra o governo de Vargas.

A revolução teve adesão do povo, mas perdeu força porque os revoltosos de outros estados acabaram sendo controlados pelas tropas do governo federal. Armas encomendadas no exterior não chegaram aos paulistas. Houve muito derramamento de sangue. 

Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo

Quem doava Ouro para o Bem de São Paulo recebia um certificado da Associação Comercial

Para financiar os soldados paulistas, foi criada a Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo. O povo era convocado a doar seus objetos de valor em prol da causa constitucionalista. Muitos doaram suas alianças de casamento, por não terem outra peça de ouro para doar. O apoio dos gaúchos e dos mato-grossenses não veio. O governo de Minas Gerais preferiu ficar ao lado de Vargas. A suspeita de que os paulistas estavam também lutando pela sua independência e separação do Brasil fez com que governantes de outros estados retirassem seu apoio à causa para elaboração de uma nova Constituição. 

A Revolução de 32 criou algumas situações embaraçosas. O interventor Pedro de Toledo, nomeado por Getúlio para governador São Paulo, mudou de lado e passou a apoiar os paulistas. O mineiro Benedito Valadares fez ao contrário. Deixou de apoiar os paulistas para ficar ao lado de Vargas, sendo nomeado depois, após o conflito, como governador de Minas. Juscelino Kubitschek participou do combate como médico das tropas mineiras contra São Paulo. Mais tarde fora nomeado por Valadares como prefeito de Belo Horizonte.

O criador do avião, Alberto Santos Dumont, quando soube que a sua invenção era usada para matar pessoas, suicidou-se em 23 de julho de 1932. Foram centenas de vidas perdidas. Dados oficiais estima-se em 600 paulistas mortos no conflito, que durou até outubro de 1932. Muitos estudiosos consideram a estimativa muito abaixo da realidade. Alguns falam em 2.000 mortes dos paulistas combatentes.

Euclides Miragaia, nome de avenida em Birigui

Euclides Miragaia é um dos "M" da sigla MMDC que deu origem à Revolução de 1932

Euclides Miragaia nasceu em São José dos Campos. Era filho de um cartorário, José Miragaia, que logo após o incidente mudou-se com a família para Birigui, onde assumiu o cartório de registro de imóveis. A família fez parte da história e do progresso da cidade. E Euclides Miaragaia é o nome de uma das principais avenidas da cidade, sem que a maioria dos moradores sabe quem foi esse herói paulista.

Os paulistas tiveram que se render as tropas nacionais para que não ocorressem ainda mais mortes. Saíram derrotados nessa disputa. Mas o sangue derramado e os esforços valeram a pena. Dois anos depois, em 1934, Getúlio Vargas reabria o Congresso Nacional e uma nova Constituição, como era desejo dos paulistas, foi aprovada. Getúlio voltou ao poder. Mas pelo voto direto dos brasileiros. Foi o presidente que mais tempo governou o Brasil: 16 anos.

.

No Obelisco do Ibirapuera, com 75 metros de altura é o mais alto monumento da capital paulista, estão sepultados os corpos dos quatro estudantes que deram origem a sigla MMDC 

Os paulistas foram para a guerra contra todos os estados para defender a Constituinte

Com a sobra da Campanha Ouro para o Bem de São Paulo, a Associação Comercial construiu um prédio de 13 andares, simbolizando as 13 listras da bandeira paulista para a Santa Casa de Misericórdia