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Navio Kassato Maru chegava em 18 de junho de 1908 no porto de Santos trazendo a primeira leva de imigrantes japoneses, atraídos pela fake-news de que ouro dava em árvores |
Por Nelson Gonçalves, Especial para a Folha 2
Em 2024, o início da migração japonesa para o
Brasil completa 116 anos. O processo ocorreu em diversas levas migratórias e
foi incentivado tanto pelo governo japonês como pelo brasileiro. O navio o
Kasato Maru desembarcou os primeiros 781 imigrantes japoneses, em 18 de junho
de 1908, no porto de Santos.
Com o tempo, o fluxo cresceu a ponto de tornar a
colônia japonesa em São Paulo a maior fora do Japão. A crise econômica no Japão
era grande e eles vinham pensando em permanecer algum tempo, ficarem ricos e
voltarem. O governo brasileiro e os fazendeiros estavam preocupados em
substituir a mão de obra dos escravos. Divulgavam maravilhas para atrair a
japonesada. A propaganda da época mostrava árvores que davam ouro, numa alusão
ao café. Mas eles entendiam literalmente. Acreditavam porque essas informações
eram propagadas no idioma deles pelo governo japonês. Foram enganados!
A psicóloga Mary Yoko Okamoto, professora da
Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (Universidade Estadual Paulista),
realizou intensa pesquisa sobre a imigração entre Brasil e Japão e concluiu em
seu pós-doutorado sobre o tema que a imigração japonesa foi sui generis. Ao
contrário dos italianos, espanhóis, alemães, libaneses e tantos outros que
decidiram trocar suas terras de origem pelo Brasil, os japoneses não tinham
intenção de se fixar.
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Professora Mary Okamoto realizou pesquisa sobre a imigração japonesa no Brasil |
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Centenas de japoneses desembarcaram em 1908 no Brasil sem sequer saber o nosso idioma |
“Eles queriam ficar rico e voltar”, afirma a
professora Okamoto, com a autoridade de quem pesquisa o assunto há mais de duas
décadas e já entrevistou centenas de japoneses e descendentes. “Tanto é que
eles pretendiam voltar que, em geral, decidiram criar seus filhos como
japoneses”, observa, acrescentando que eles se fecharam em torno de suas associações
nipônicas, os chamados kaikans (kai significa reunião, kan local, prédio).
Para atender as famílias dos chamados decasséguis,
nos anos 1990 o Ministério da Educação firmou convênio com o seu equivalente
japonês para instalações de unidades de ensino com o currículo brasileiro e
aulas majoritariamente em português. Em 1995 eram cinco escolas. Em 2008, o
número chegou a uma centena. Depois esse número caiu e em 2023 eram 33 escolas
homologadas. Isso significa que quem estuda em uma dessas escolas está apto a
prestar o vestibular em qualquer faculdade do Brasil. Em comum, há o desejo de
um dia voltarem ao Brasil. E por isso preparam seus filhos para estarem aptos a
viver em terras brasileiras.
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Loja de produtos brasileiros vende bacon, linguiça calabresa e até feijoada no Japão |
O geógrafo e professor brasileiro Milton Sato,
quando terminou sua graduação em 1989, resolveu ir morar no Japão. E lá ficou.
Ele informa que a comunidade brasileira, basicamente formada por
nipodescendentes, marca uma verdadeira expressão cultural em muitas cidades da
Terra do Sol Nascente. Se os primeiros imigrantes fundaram no Brasil
associações para ensinar japonês a seus filhos, agora é a vez dos brasileiros
fazerem o contrário.
“Aqui na minha região, a quantidade de brasileiros
é muito grande. Temos restaurantes, lojas que vendem produtos brasileiros e
muitos importadores de qualquer coisa que queiramos do Brasil”, relatou Sato, para o jornalista Edison Veija, do Jornal da Unesp. A jornalista Fátima
Yamamoto Kamata, que trabalhou anos atrás no jornal Diário da Região, de São
José do Rio Preto, complementa informando que é possível encontrar escolinhas
de futebol, futsal, voleibol, academias de dança, jiu-jitsu, capoeira,
supermercado, restaurantes, bares, salões de beleza, oficinas mecânicas,
serviço de transportes, bancos e um sem número de estabelecimentos dirigidos
por brasileiros no Japão.
Outro exemplo de brasileiro bem sucedido no Japão é do paulista Bruno Masuzake Albino. Nascido em Parapuã, mas criado em Rinópolis, chegou no país asiático pensando em ganhar dinheiro e logo voltar para a terra dos seus pais. Montou uma charcutaria, onde comercializa bacon e linguiça calabresa, entre outras coisas brasileiras. Ele se tornou empresário em Toyohashi, a 300 km de Tóquio. Seu foco, claro, é a grande comunidade brasileira.
Há oito anos no Japão, trabalhando numa fábrica de amortecedores, Flávio Gonçalves, nascido e criado em Rinópolis, foi para lá com a esposa Lidiane Yamashita e com o filho Theo, quando este tinha 1 ano de idade. A intenção era ganhar dinheiro e voltar em pouco tempo. Mas em 2020 nasceram as gêmeas Liz e Maya. Veio a pandemia do coronavírus, que fechou os aeroportos e portos. E os planos mudaram. Os avós até hoje ainda não conhecem pessoalmente as netas.
Flávio já comprou uma casa. Mas no Brasil. “Nosso
sonho é poder voltar para o Brasil, mas pretendemos ficar mais um pouco ainda
para que nossos filhos aprendam a falar, ler e escrever no idioma japonês”,
informa Flávio. Hoje tanto o filho Theo, como as gêmeas falam fluentemente a língua
japonesa que aprendem na escola. E em casa os pais ensinam o português.
Leia mais sobre a chegada da família de Flávio Gonçalves no Japão, clicando aqui
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Flávio Gonçalves com suas duas filhas nascidas no Japão: Liz e Maya |
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As meninas Liz e Maya, filhas de Flávio e netas de Jair Gonçalves, com uniforme escolar indo para a escola onde aprendem a ler e a escrever em japonês |
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De Rinópolis para o Japão, Bruno Masuzake, vende carnes e embuidos |
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Brasileiros que vivem no Japão podem até comprar lá o tradicional café Pilão por 830 yenes (mais ou menos 283 reais) |