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Rosina na capa do livro, escrito pela filha Ude em 2016
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Nelson Gonçalves, Especial para a Folha2
Maria Rosina de Moraes
Costa tornou-se, na década de 1940, a primeira mulher a coordenar e comandar,
como proprietária, uma emissora de rádio no interior paulista. Por quase seis
anos ela dirigiu, e com muita desenvoltura, a Rádio Clube de Marília, que tinha
como slogan “a emissora que nasceu com a cidade”. Dirigir uma rádio era naquele
tempo uma função preconceituosamente machista, sob o pressuposto de que mulheres
eram inferiores aos homens.
Neta de Pudente de Moraes,
o primeiro presidente civil do Brasil, Rosina quando tomou a frente da rádio ainda
estava enlutada e entristecida com o falecimento do marido, o empresário e
radialista Fernando Getúlio Neves da Costa, que foi sócio de Assis
Chateaubriand na Rádio Difusora de São Paulo. Aliás foi na Difusora que Rosina
conheceu Fernando quando lá compareceu para se apresentar como cantora no
rádio. Em suas memórias ela conta que ficou impressionada como aquele rapaz que fumava,
com piteira, um cigarro atrás do outro. Naquele tempo era moda fumar e com
piteira ficava ainda mais elegante.
Rosina foi exemplo de
coragem e perseverança para todos os que com ela conviveram. Em seu livro de
memória, editado em maio de 2015 pela filha Maria de Lourdes Moraes Costa, a
Ude, conta que ela com 33 anos, com cinco filhos pequenos para criar, revivendo
ainda o trauma da morte prematura do marido, após intensa luta contra um câncer
no pulmão. Buscaram tratamento inclusive nos Estados Unidos. Ela mostrou
talento, maturidade e competência para estar à frente dos negócios. Jovem
viúva, bonita, simpática e inteligente como era, foi alvo também de propostas
românticas, inclusive de casamentos, mas preferiu viver apenas para seu
trabalho e para seus filhos, além de dedicar-se, de mil e uma maneiras, às
causas sociais. Tanto em Marília, como em São Paulo promovia constantes
campanhas de arrecadação de roupas e alimentos para ajudar os mais
necessitados.
Registros importantes
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Fernando Getúlio Neves da Costa conheceu Rosina quando ele era sócio e gerente da Rádio Difusora de São Paulo. Os dois se casaram e tiveram cinco filhos |
Rosina deixou registrado
em seu diário de memórias, transformado em livro pela filha, muitos detalhes de
sua vida. Ela relatou pormenores desde o dia em que conheceu Fernando, fumando
um cigarro atrás do outro, na Rádio Difusora quando se apresentou para ser
contratada para ser uma das cantoras da emissora.
Fernando foi diagnosticado
com câncer. E Rosina fez de tudo para salvar a vida do marido. Grávida da filha
mais nova, ela viajou junto com Fernando, num avião da FAB (Força Aérea Brasileira)
cedido com autorização do presidente Getúlio Vargas. Naquele tempo, todos os
voos comerciais estavam suspensos por causa da Segunda Guerra Mundial. E também
não havia aviões de grande porte que possibilitassem voos diretos. A viagem
para Dallas, nos Estados Unidos, teve sete escalas e demorou quase uma semana. Após
o nascimento da filha nos Estados Unidos, regressaram ao Brasil, mas Fernando
não resistiu ao tratamento e faleceu.
A situação financeira para
a família se complicou em face das enormes despesas que tiveram com o
tratamento de Fernando. Naquela época, as pessoas raramente tomavam as precauções
para fazer seguro de vida e nem sequer existiam planos de saúde. Voltou a
cantar no rádio e a se apresentar nas noites paulistanas em diversos clubes e
salões. Mas os cachês recebidos mal davam para suprir as despesas. Até que um
dia ela foi surpreendia por um emissário de Assis Chateaubriand que lhe propôs
comprar as ações da Rádio Difusora e ainda em troca lhe daria uma emissora de
rádio na cidade de Marília, como compensação pela dedicação e trabalho do
marido durante os onze anos em que esteve dirigindo a Rádio Difusora de São
Paulo.
Mudança para Marília
Rosina, que sequer conhecia
o interior, pediu um tempo para pensar e conhecer primeiro a cidade e a rádio
em Marília. À primeira vista, era um desafio desencorajador. Ela embarcou num
trem na Estação da Luz, em São Paulo, e viajou a noite toda e quase a metade do
outro dia para desembarcar na estação de Marília, cercada por ruas e avenidas empoeiradas
de terra. A cidade ainda não tinha ruas asfaltadas. Mas, mesmo assim, com ajuda
da sua mãe, irmãs e cunhados que cuidaram dos filhos matriculados em escolas
com regime de internato na capital paulista, Rosina aceitou o desafio e a
proposta de Chateaubriand.
“A primeira pessoa a quem
fui apresentada foi Octávio Lignelli, o gerente da Rádio Clube, o melhor
violonista que conheci e pessoa mais generosa e gentil”, escreveu Rosina, em
seu diário de memórias. “Aprendi com ele tudo de administração de uma emissora
de rádio, principalmente de contabilidade, em cujo assunto eu era uma nulidade,
mas tentava disfarçar que sabia”. Esses ensinamentos lhe valeram muito depois,
quando nos anos de 1960, ela abriu, em São Paulo, a fábrica de Cerâmica Decor.
“Eu me desdobrava. Além de
administrar a Rádio, também cantava, fazia radioteatro, chanchadas,
sonoplastia, redigia textos e treinava os locutores e radioatores. Fazia de
tudo um pouco, como todos os que lá trabalhavam. Descobri cantores e grupos regionais,
além canções regionais e do folclore nacional, muito bonitas através de minha
amiga Amélia Brandão Néry”. Rosina chegou a gravar um disco com pseudônimo.
Para ajudar a expandir a
venda e distribuição de receptores de rádio na região, Rosina, sempre com
espírito empreendedor, abriu a loja “Palácio do Disco”, onde comercializava aparelhos
de rádio a preços módicos, em suaves prestações, bem como pilhas e baterias da
marca Rayowak, além de discos. O objetivo era atender principalmente os
moradores da zona rural, não servidores pela rede elétrica e que desejavam
ouvir a Rádio Clube, cujos programas matinais funcionaram por longos anos como
a principal caixa de ressonância de mensagens na região.
Incentivadora
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Omar Cardoso, o rei do horóscopo, começou a trabalhar na Rádio Clube |
Dona Rosina foi também
grande incentivadora e promotora dos locutores que se destacavam nos microfones
da PRI-2, prefixo de identificação da Rádio Clube. Ela encaminhava os melhores
para a Rádio Tupi e para a Rádio Difusora de São Paulo, onde mantinha grandes
amigos como Homero Silva, Aurélio Campos, Edmundo Monteiro e Assis Chateaubriand.
Entre os locutores que
passaram pela emissora e depois se tornaram famosos e conhecidos por todo o
Brasil estavam Omar Cardoso, o mais famoso astrólogo do rádio brasileiro,
Fausto Canova, Humberto Marçal, os narradores esportivos Geraldo Tassinari,
Milton Camargo, Doalcei Camargo e Volnei Camargo, entre outros. Omar Cardoso
foi considerado como o maior astrólogo do Brasil de todos os tempos. Suas
previsões eram respeitadas e transmitidas diariamente no programa Bom Dia, Mesmo,
pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, que por sua vez retransmitia o horóscopo
para mais de 300 emissoras.
Os programas de auditório
da Rádio Clube de Marília atraiam centenas de pessoas. Passaram por ali grandes
nomes da chamada “Época de Ouro do Rádio”. Entre nomes importantes do mundo
musical Francisco Alves, Dorival Caymmi, Izaurinha Garcia, Sylvio Caldas, Vicente
Celestino, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Luiz Gonzaga e Hebe Camargo, no
tempo que ela mantinha os cabelos negros. Também levou para ali se apresentar
humoristas como Silva Júnior e até o cantor norte-americano Bob Barlow.
Foi Rosina quem abriu as
portas e deu oportunidade que consagrou Wilson Mattos, considerado com um dos
melhores locutores do rádio mariliense. A mãe de Wilson, dona Maria, lavadora
de roupa, encontrou com Rosina e solicitou uma oportunidade para o filho fazer
um teste para falar nos microfones. “Dona Rosina foi uma criatura maravilhosa e
muito inteligente”, declarou Wilson, no livro biográfico escrito pela filha
Wilza Mattos. “Ela foi a grande incentivadora de grandes nomes do rádio.
Durante muitos anos, ela estendeu a mão para muitas pessoas que queriam se
tornar locutores”.
Ajuda para o MASP
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Assis Chateaubriand contou com ajuda de Rosina para se aproximar de banqueiros e comprar obras de arte para o MASP (Museu de Artes de São Paulo) |
O jornalista Jayme
Martins, que trabalhou e morou muitos anos na China, conta que foi Rosina quem
providenciou a vinda a Marília do museólogo Pietro Maria Bardi e de Assis
Chateaubriand a fim de arrecadar junto aos banqueiros e cafeicultores recursos
para comprar obras para o recém inaugurado Museu de Arte de São Paulo (MASP). “A
maior contribuição foi do Banco Brasileiro de Descontos, atual Bradesco, pois
sua matriz inicial era em Marília e o controle acionário ainda estava nas mãos
de um dos pioneiros da cidade, o fazendeiro Zezé de Almeida, fundador da Casa
Bancária Almeida & Irmãos, antecessora do banco, posteriormente presidido
por Amador Aguiar”, afirmou Jayme, em depoimento no livro. “Bardi e Chatô foram
recepcionados com um grande baile, organizado por dona Rosina, no Tênis Clube, em
sua sede inicial, à avenida Sampaio Vidal, cuja fachada ainda levava o nome da
grande pianista Guiomar Novaes. Foi dona Rosina quem fez a aproximação do
banqueiro Amador Aguiar com o mecenas Chateaubriand e o museólogo Bardi,
colocando-os lado a lado à sua mesa”. Rosina era uma mulher de grande visão e
pensamentos muito além do seu tempo.
Em 1952, após cinco anos à
frente da Rádio Clube, Rosina sentindo a necessidade de estar mais perto dos
filhos em São Paulo resolveu vender a emissora. Durante sua gestão ela
construiu uma nova sede para a rádio com auditório, várias salas e estúdios,
numa obra assinada pelo construtor Frank
Milencovitch, que hoje empresta nome ao aeroporto da cidade. A rádio foi adquirida então por Ulisses
Ferreira, dono da rede de Emissoras Coligadas que chegou a ter mais de 30
rádios espalhas pelo interior paulista e sul de Minas Gerais.
De volta a São Paulo,
Rosina não conseguia ficar parada. Voltou a cantar na noite. E depois de uma viagem
à Europa resolveu montar a indústria Cerâmica Decor. Sofreu alguns baques com a
perda de dois filhos, também vitimados pela mesma doença do pai: câncer no
pulmão. Ela faleceu em 1992, aos 78 anos de idade em São Paulo. Mas deixou um
enorme legado para a sociedade.
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Apresentação artística no auditório da Rádio Clube |