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Marcelino Medeiros, o homem que inventou a rádio FM no interior paulista |
Nelson Gonçalves, Especial para a Folha2
Era sábado, 23 dezembro,
faltando dois dias para o Natal de 1972, quando um trágico acidente tirou a vida
de Marcelino Medeiros, um jovem de 30 anos que se despontava como empresário no
setor de comunicação no interior paulista. O acidente aconteceu por volta das
11 horas da manhã, na altura do km 186 da rodovia Washington Luís (SP-310), na
época ainda com pista simples, na serra do município de Corumbataí, entre Rio
Claro e São Carlos.
Uma chuva fina e a neblina
da serra provavelmente atrapalharam a visão de Wanderley Mariano que dirigia o
Opala Comodoro em que viajavam Rubens Sgorlon, no banco do passageiro, e no banco de
trás Marcelino Medeiros. O carro derrapou na pista super movimentada e bateu de
frente com um Fusca, de Mogi das Cruzes, que vinha em sentido contrário. Dirigido
por Luiz Gonzaga Makiguo, no Fusca, viajavam seus familiares e sua noiva, Teigo
Kato, 21 anos, também residente em Mogi das Cruzes, que faleceu no local.
Mariano, Sgorlon e outros quatro ocupantes do Fusca foram socorridos num
hospital de Rio Claro. Marcelino, em estado mais grave, chegou sem vida ao
hospital.
A notícia da morte de
Marcelino Medeiros chegou rápido em Marília, onde ele estava a frente do jornal
“A Tribuna” e do conglomerado de empresas do Grupo Verinha, que incluía a Rádio
Verinha, um sistema de Frequência Modulada (FM) e emissoras em Tambaú e Casa
Branca. Naquele fatídico dia os amigos e colegas de trabalho Orlando Mendonça e
Roberto Camargo fariam um churrasco com 10 quilos de carne e 25 litros de chope
na casa da nova torre da antena, numa chácara no vizinho município de Vera
Cruz. Entre os participantes provavelmente estaria o celebre Osmar Santos,
então funcionário do jornal “A Tribuna”, de Marcelino Medeiros. O dia amanheceu
chuvoso e o churrasco foi adiado.
Marcelino, que não gostava
de ficar parado, resolveu aproveitar aquele sábado nublado e chuvoso para
viajar à Campinas onde iria acertar a compra de equipamentos para o novo sistema
de Frequência Modulada (FM), que começava a ser implantado no Brasil. Marcelino
era predestinado, parecia estar anos luz a frente do seu tempo e envolvia as
pessoas em seus sonhos.
Repercussão
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O dentista Orlando Mendonça, que integrou o grupo Tangolero de São José do Preto, durante apresentação na Argentina. Orlando Mendonça trabalhou com Marcelino Medeiros na rádio Verinha e no jornal A Tribuna. No dia do acidente escreveu um tributo emocionado |
“Fazia as pessoas acreditar
nas coisas mais impossíveis. Inspirava tanta confiança em quem o cercava, que
transformava as tarefas mais difíceis em coisas simples e fáceis”, escreveu
Orlando Mendonça, dentista e um dos primeiros professores na Faculdade de
Odontologia da Unimar. Na época ele era um dos redatores do jornal e também atuava como comentarista esportivos nas transmissões dos jogos de futebol. Orlando Mendonça também se destacou, nas horas vagas, com
cantor de tango e boleros, integrando por vários anos, em São José do Rio Preto, o famoso grupo musical
Tangolero, do qual o colunista social Nenê Homsi também fez parte ao lado do
maestro Walter Benfatti, do médico Fred Navarro da Cruz e do colunista César
Muanis, entre outros profissionais liberais, que se dedicavam, por prazer,
também à música.
A colunista social Zaira
Artênsio no mesmo dia do acidente, ainda com a emoção dos acontecimentos,
escreveu que Marcelino teve uma vida plena de realizações e fez muito em tão
curto espaço de tempo. “É muito melhor arriscar coisas grandes na vida,
alcançando triunfo e glória, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com
os pobres de espirito, que não gozam e nem sofrem porque não conhecem a vitória
e nem a derrota”, escreveu Zaira, lembrando que esse era o pensamento constante
e frases inúmeras vezes repetidas por Marcelino.
Ainda segundo texto
publicado por Zaira, no jornal “A Tribuna”, Marcelino era uma pessoa fora de
série. “Dele emanava uma força interior que nos envolvia a todos a atuar numa posição
privilegiada para nos transmitir vontade de combater e de vencer”, escreveu. “Convivendo
ao seu lado, aprendemos a conhece-lo mirando em seus olhos que eram o espelho a
nos dizer quais as tempestades ou as alegrias que por ventura moravam em sua alma.
Tinha um sorriso franco e aberto, emoldurado por um rosto moreno, de traços
perfeitos e olhos profundamente negros e brilhantes. A beleza dos seus olhos refletindo
a própria alma”.
Cidade chora emocionada
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Na foto Marcelino, de terno branco, fazendo a apresentação de Cauby Peixoto, durante show do cantor no salão do Marília Tênis Clube. |
Naquele sábado a tarde
acontecia no estádio do Morumbi, em São Paulo, o jogo final do Campeonato Brasileiro
de Futebol. Os jogadores do Palmeira e Botafogo, perfilado lado a lado,
homenagearam o líder do setor de comunicação com um minuto de silêncio antes da
partida. Em Marília o prefeito Pedro Rojo Lozano Sola decretava luto por três
dias no município.
O redator-chefe de “A
Tribuna”, Roberto Camargo, que depois teve passagens no comando do jornal “Folha
de S.Paulo”, junto com José Miguel Netto, que atuou depois na imprensa
rio-pretense e em Votuporanga, escreveram um editorial melancólico de
solidariedade: “Em nosso estado, ainda confuso e desorientado, impedido de raciocinar
normal e coerentemente, diante do ocorrido, queremos agradecer toda a
coletividade que colocou seus préstimos à nossa disposição”.
“Foi simplesmente
comovente a imensa manifestação coletiva de solidariedade que recebemos, sem a
qual não suportaríamos o duro golpe que se abateu sobre nós”, diziam Camargo e
Miguel Netto, no dia seguinte, ressaltando as extremosas manifestações de
solidariedade recebidas. “Nos auxiliaram em tudo o que foi necessário”, destacaram.
“Afigurou-se como histórico o nobre gesto das rádios Dirceu e Clube que
formaram em cadeia com a Verinha para a transmissão da missa de corpo presente
do nosso diretor geral Marcelino Medeiros. Também não poderíamos deixar de
agradecer o gesto nobre do jornal ‘Correio de Marília’, cujos redatores
integraram-se, de corpo e alma, à equipe da nossa ‘A Tribuna’”.
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Celly e Tony Campelo se apresentando no Yara Clube. Logo atrás, na foto, aparece de terno Marcelino Medeiros. Toda vez que chegava artista para se apresentar na cidade, ele era chamado para ser o mestre de cerimônias do show
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História de Marcelino Medeiros  |
Santinho distribuído no dia do velório ainda é guardada pela família |
Marcelino nasceu em 19 de
julho de 1942, em Marília. Filho de Francisco Sebastião Medeiros e de dona
Victalina dos Santos Medeiros. Casou-se em 21 de julho de 1962 com Marlene
Cavalca Medeiros, nascendo dessa união os filhos Marcelino, Sandra Miriam e
Márcio, que tinham respectivamente quando ele faleceu 9, 7 e 5 anos de idade.
Começou ainda garoto a
trabalhar na Mesbla, uma das maiores lojas de magazines que o Brasil já teve, passou
pelo Banco de Crédito Mercantil (BCM), trabalhou também em cartório, chegando a oficial de gabinete do
prefeito Octávio Barreto Prado. Mas o
sonho dele era o radiojornalismo. Começou como locutor na Rádio Clube e redator
no Jornal do Comércio, de Irigino Camargo.
Segundo Rubens
Barbosa de Moraes, Marcelino foi descoberto pelo gerente da Rádio Dirceu de
Marília, Miguel Neto. “Segundo ele me contou, ele mandou o Osmar Santos quase a
força para São Paulo, para fazer teste na rádio Jovem Pan e deu início a uma
bela e bem sucedida carreira para o ‘pai da matéria’ em São Paulo”, escreveu Rubens, num site
de memórias da cidade.
Em 1963, Marcelino deixou Marília para trabalhar em São Paulo. Passou pelas rádios e TVs Record, Bandeirantes,
Gazeta e rádio Jovem Pan. Lá conquistou fama e fortuna. Mas em 1970, endinheirado, retornou
vitorioso a Marília para concretizar um grande sonho: a formação de um complexo
de comunicação, com rádio, jornal e quem sabe num futuro um canal de televisão.
Empreendimento considerado por muitos com uma aventura.
Ao adquirir a antiga e
desacreditada Rádio Clube de Vera Cruz, dava-se início ao sonho. Em 1971, a incorporação
do jornal A Tribuna e em seguida o controle acionário da Rádio Difusora de Casa
Branca e Rádio Tambaú, consolidava o Grupo Verinha.
Homem de extraordinária
vontade e visão ainda encontrou tempo e disposição para em 1972 integrar a
diretoria da ACIM (Associação Comercial e Industrial de Marília), como secretário, e a APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), como presidente. Também fez parte da diretoria do Marília Atlético Clube. Por seu
desprendimento e sucesso onde colocava suas mãos era certeza de sucesso. Naqueles tempos tinha quem defendia que ele
deveria se enveredar para a política para ser o próximo prefeito de Marília.
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Todos os jornais da cidade prestaram homenagens à Marcelino
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Herança: aptidão do filho para os microfones
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Márcio Medeiros é o filho caçula de Marcelino Medeiros e herdou do pai dinâmica para falar diante dos microfones. Márcio já foi governador do Rotary e atualmente é um dos seus principais palestrantes |
O filho caçula de Marcelino
Medeiros, Márcio Cavalca Medeiros, hoje com 56 anos, seguiu a carreira do pai.
Tornou-se jornalista e radialista e também bem sucedido empresário no ramo de
comunicação. Não chegou a ser proprietário de emissoras de rádio como o pai, mas
atuou também em grandes emissoras de radio e televisão na capital paulista, mas
resolveu, assim como o pai, fixar residência e negócios na cidade de Marília.
Além de bem sucedido
jornalista, Márcio Medeiros se destaca como um dos principais expoentes do
Rotary Clube Internacional. Ele foi governador do Distrito 4510 no ano rotário
2011-12 e atua como palestrante, se fazendo presente em todos os distritos do
Rotary no Brasil.
Márcio afirma que “certamente
muita coisa seria diferente em Marília se ele (seu pai) mão fosse o único a falecer
no carro que viajava”. “Faleceu muito jovem, com apenas 30 anos de idade, em
plena construção de um complexo de comunicação na cidade”.
Marcelino, o propulsor da Rádio FM
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Estúdio de emissora de rádio, durante implantação das famosas cartucheiras |
Marcelino Medeiros pode
não ter sido o inventor da rádio FM (Frequência Modulada) no Brasil. Mas foi,
sem dúvida, na região de Marília o propulsor desse meio de comunicação. Em 1950
o antigo e temeroso Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações) concedeu,
por meio da Portaria 1099, autorização para o funcionamento da Rádio Clube de
Vera Cruz, município vizinho de Marília.
Não se sabe muito bem ao
certo para quem foi dado esse direito de exploração do sinal da emissora, mas
sabe-se que ela foi parar nas mãos do grupo Emissoras Coligadas, comandado por
Ulysses Newton Ferreira, e que chegou a ter 33 emissoras de rádios espalhadas
por municípios paulistas, no triângulo mineiro e norte paranaense. Até hoje o
grupo, comandado por uma das netas de seu fundador, está na ativa gerenciando
10 emissoras nas cidades de Jaú, Marília, Ourinhos, Presidente Prudente, Tupã e
Uberaba (MG).
Por volta de 1970, depois
de uma bem sucedida carreira no rádio e televisão na capital paulista Marcelino
Medeiros retorna à região e adquire a antiga e desacreditada Rádio Clube de
Vera Cruz, conhecida como Rádio Vera Cruz. Imediatamente transfere os estúdios,
transmissores e a antena de transmissão para o município de Marília. Não
demorou muito para os fiscais do Dentel baterem na sua porta. A fiscalização do
Dentel era intolerante com as ilegalidades. A concessão era para o município de
Vera Cruz e não Marília.
A antena, que já estava
instalada no bairro Alto Cafezal, em um dos pontos mais altos em Marília, teve
que retornar obrigatoriamente ao município de Vera Cruz para a emissora não ser
fechada pelo órgão.
O radialista Elias Soares
contou numa entrevista que Marcelino, espertamente, instalou a antena bem na
divisa, entre os dois municípios, ao lado de um córrego que separa as duas
cidades: Vera Cruz e Marília. Quem passava de trem pelos trilhos da antiga
Companhia Paulista de Estrada de Ferro (CPEE) poderia ver a antena fincada ao
lado do córrego, mas do lado de Vera Cruz.
Naquela época funciona em
Marília, na rua Coronel Galdino, a fábrica de vitrolas Memphis, ligada a família
dos irmãos Elias, conhecidos como “turcos” que mais tarde montaram a Plastimar,
que chegou a ser uma das principais indústrias de embalagens plásticas
brasileiras. Também começavam a ser instalados na cidade alguns hotéis de luxo,
como o Palace, Avenida e Holiday In.
Numa jogada de mestre,
Marcelino Medeiros encomendou a confecção de umas 200 unidades dos primeiros rádios receptores
FMs. Funcionava de uma maneira muito simples. Uma pequena caixinha de madeira
com potente alto falante onde somente tinha um botão, que servia, além de
volume, para ligar e desligar o aparelho. A sintonia era única: somente a rádio
Verinha, numa faixa que somente tocava músicas selecionadas e dava a hora certa
e o prefixo da emissora com um locutor de voz romântica voz.
Além dos hotéis, consultórios,
clínicas, as lojas, magazines e supermercados que desejassem ter o aparelho
para tocar música no ambiente tinham que pagar um valor, tipo uma assinatura
mensal. O aparelho transmissor era, na verdade, emprestado. Antecipando o futuro
das tvs por assinatura o consumidor pagava naquela época, na concepção da
palavra, o rádio por assinatura. O negócio estava indo bem e aumentando a cada
vez mais o número de assinantes.
O aparelho pertencia à
emissora e as pessoas pagavam para receber o sinal. Não havia propaganda, era
só música, instrumental ou orquestrada. Pela manhã música bem suave, crescendo
até a hora do almoço, depois decrescendo até o final da tarde. Tinha que ter
muita sensibilidade para fazer essa programação.
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Expediente do jornal A Tribuna onde também aparece o nome de Marcelino e de Osmar Santos como um dos diretores do jornal |
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Uma edição de tristeza do jornal "A Tribuna", na véspera do Natal de 1972 |
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Dirceu Maravilha quando assinava contrato com a Rádio Verinha. Na foto aparece Francisco César, gerente da rádio em 1973 |
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Estúdio da Rádio onde pode-se observar os chamados pratos para tocar os discos LPs |
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Marcelino foi até a Memphis, fabricante de vitrolas e radiolas para negociar a produção dos primeiros receptores de rádio FM |
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Os aparelhos de rádios antigos eram movidos à válvulas, que esquentavam e chegavam a queimar |
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Da esquerda para a direita: Ronaldo Ferreira, Urbano César Gonçalves, Benedito Roberto Camargo, Dirceu Maravilha, Samuel Negrin, Luiz Araújo, B de Paula, Paulo Araújo, Val Araújo e Chico de Assis. Essa foto foi tirada em novembro de 1973, nove meses após o acidente que vitimou Marcelino |
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Rubens Sgorlon, José Luis Menegatti (foi apresentador da TV Record), Galdino de Almeida, Décio Paio, João Hnerique, Cleber Roberto, Paulinho Athayde, Donizete Delazari e Nhô Costâncio. Sentados: Francisco César, Nha Tuca (de óculos), Padre Geraldo Valle (depois foi arcebispo em Guaxupé-MG). Essa foto foi tirada em 1975, durante lançamento da nova programação da Rádio Verinha |
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Esta é a parte de traz de um aparelho antigo de rádio, repleto de válvulas
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Entrega do “Troféu Homem do Ano”, criado por Marcelino Medeiros em 1971,
para o empresário Wilson de Almeida. Evento de gala realizado no Marília Tênis
Clube. Na foto, em 1976, no tempo das calças “boca sino”, aparecem José Luiz
Menegatti, Rubens Sgorlon, Wilson de Almeida ao centro com o troféu, Padre
Geraldo Valle e Francisco César |