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Carlos Zéfiro teve mais de 600 revistas publicadas ao longo de duas décadas |
Carlos Zéfiro foi desenhista
ídolo de algumas gerações. Seu trabalho ensejou sonhos e orgasmos de quem tinha
entre 12 a 20 anos nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Eram os chamados anos dourados quando
apareceram as revistinhas proibidas do Zéfiro, chamadas de “catecismos”,
vendidas clandestinamente de mão em mão.
Essas revistinhas tinham
32 páginas com histórias picantes e de pura sacanagem, excitantes, criativas,
invariavelmente com finais felizes e até moralistas. A venda nas bancas
acontecia de forma bastante sigilosa. Tinha que ser bem amigo do jornaleiro
para poder ter acesso a publicação que nunca ficava exposta e nem à vista dos
olhares curiosos da molecada, ávida por ver cenas de sexo.
O interessante de tudo é
que Carlos Zéfiro era o pseudônimo do funcionário público Alcides Aguiar Caminha,
que se aposentou como escriturário no setor de Imigração do Ministério do Trabalho
no Rio de Janeiro, escondendo praticamente pela vida toda, inclusive para sua
própria família, que era ele o autor dos desenhos que deu asas à imaginação, sexualmente
ou putamente falando para muitos marmanjos por mais de duas décadas.
Sua identidade somente se
tornou pública em uma reportagem feita pelo consagrado jornalista esportivo Juca
Kfouri para a Revista Playboy, onde era editor, em novembro de 1991, um ano
antes da morte do desenhista. Juca Kfouri revelou recentemente para o jornal Jornalista
& Cia que essa foi a melhor matéria de toda sua vida. Ele contou em
detalhes como chegou até Caminha e de que maneira o convenceu a revelar sua
identidade.
O autor da matéria contou como foi difícil fazer aquela matéria, que teve
chamada de capa e ocupou cinco páginas da Playboy, falando do artista que fez a
alegria de jovens e marmanjos afoitos por ver cenas de sexo explicito em
desenhos tão perfeitos que pareciam fotografias de verdade. Juca Kfouri lembra
que foi muito difícil convencer Zéfiro revelar sua verdadeira identidade.
Autodidata no desenho e concluinte do curso de segundo grau somente quando
tinha 58 anos de idade, ele mantinha o anonimato sobre sua verdadeira
identidade por temer ter seu nome envolvido em escândalo que poderia lhe trazer
problemas por ser funcionário público e que, na época, punia com demissão, por
justa causa, quem se envolvesse em “incontinência pública escandalosa”.
Suas revistas eram vendidas
dissimuladamente em bancas, devido ao conteúdo pornô-erótico. No serviço e em
sua própria casa, nem a mulher e nem os seus cinco filhos sabiam dessa atividade secreta,
mas que lhe rendia mensalmente um bom dinheiro para ajudar no sustento da casa.
Juca Kfouri foi procurado
por um cara chamado Eduardo Barbosa, um desenhista dos bons e dos tempos
antigos, dizendo ser ele o Zéfiro e queria 25 mil dólares para a entrevista.
Mas a essa altura, Juca já havia mantido contato pessoal com o primeiro editor
de Zefiro, Hélio Brandão, dono de um sebo na capital fluminense, e sabia tratar-se
de um impostor querendo tirar proveito da situação. Barbosa era amigo de Caminha e sabia muitos detalhes dos desenhos e da vida do artista. Mas não era ele o autor dos desenhos por quem se fazia passar.
Até então Zéfiro era alvo
da curiosidade de pesquisadores, professores universitários e de jornalistas de
todo o Brasil. Havia quem dissesse que se tratava de um presidiário que criava
as histórias na prisão. Outros difundiam que Zéfiro seria um ex-seminarista,
versão que ganhava consistência por causa dos “catecismos”. O editor Hélio Brandão também guardou o segredo por décadas.
Segredo revelado
Juca Kfouri após muito
pesquisar procurou Caminha em sua casa no bairro carioca de Anchieta. E disse a
ele que iria publicar a entrevista com Eduardo Barbosa que se autoproclamava
ser o Zéfiro. Caminha, evidentemente, não gostou do que ouviu. Ele e Barbosa
eram, até então, amigos. E topou conceder a entrevista para a revista Playboy.
Mas antes fez um pedido: gostaria de ler o texto antes de ser publicado. Pedido
feito, pedido aceito.
“Voltei a casa do Caminha
com a matéria pronta”, contou Kfouri, à Jornalista & Cia. “A família toda
estava reunida em uma mesa grande. Caminha, sua mulher, as filhas e filhos (ao todo
teve cinco filhos e seis netos) todos me aguardavam. Comecei a ler o texto. Lá pelas tantas,
ouvi um fungado ou algo parecido. Depois mais um e mais outro. Eram ele e a
mulher, os filhos, chorando emocionados”.
Os “catecismos” eram
desenhados diretamente sobre papel vegetal, eliminado assim a necessidade do
fotolito, o que barateava a impressão das revistinhas, que eram rodadas em diferentes
gráficas em diversos estados brasileiros. Em 1970, foi realizado em Brasília uma
investigação para descobrir o autor daquelas obras pornográficas. Chegou-se a
prender por três dias o editor Hélio Brandão, amigo do artista, que segurou a bronca
e não revelou a verdadeira identidade do autor. A investigação terminou como
inconclusa. E Brandão com medo da prisão se recusou a publicar novas edições daqueles desenhos. "Cheguei a queimar todos os que eu tinha em casa", revelou, depois para Kfouri.
O nome Carlos Zéfiro foi
tirado de um autor mexicano de fotonovelas.
Além de seus trabalhos como ilustrador, Alcides Caminha foi compositor, e
aí sim ele se revelava com orgulho, tendo sido inscrito até na Ordem dos
Músicos do Brasil. Foi parceiro de Guilherme de Brito e de Nelson Cavaquinho,
com quem compôs quatro sambas para a escola de samba Mangueira, entre eles os
sucessos “Notícia”, gravado por Roberto Silva, e “A Flor e o Espinho”.
Após sua morte teve seus
trabalhos publicados como homenagem póstuma por diversas editoras. Desde 2011,
alguns de seus trabalhos estão expostos ao lado de outros quadrinhos eróticos
no Museu do Sexo, em Nova York, nos Estados Unidos. Em março de 2011, Zéfiro
foi tema da peça de teatro “Os catecismos segundo Carlos Zéfiro”, escrita e
dirigida por Paulo Biscaia Filho. Em 2018, o jornalista Gonçalo Junior publicou
o livro “Deus da Sacanagem – A vida e o tempo de Carlos Zéfiro”, pela editora
Noir.
No site Mercado Livre é possível encontrar ainda encontrar algumas relíquias das edições do “catecismo” de Carlos Zéfiro, com preços que variam de R$ 89 a R$ 486. As obras de Carlos Zéfiro, impróprias para menores de 18 anos, ainda podem ser vistas no site que leva o seu nome na internet.
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