Cidadão ESG
Diante da desigualdade abissal,
miséria e fome, ele pode ser o grande indutor das mudanças.
Emerson
Kapaz*
Ética e
transparência como regra, adoção de práticas que protegem o meio-ambiente e
promovem a recuperação de eventuais degradações, além de políticas inclusivas e
de respeito à diversidade são conceitos cada vez mais valorizados pelo
consumidor - e, corretamente, exigidos das corporações. Não por outro motivo,
empresas de todos os portes em todas as partes do mundo estão, há algum tempo,
imersas nos desafios ESG, essenciais para a sobrevivência não só delas, mas do
planeta. Mas cabe perguntar: qual a nossa contribuição individual? Por que não
avançarmos para um cotidiano ESG em nossas vidas? Em casa, na escola, no
trabalho ou no lazer?
O cidadão
ESG é aquele que não só separa o lixo, recicla o óleo de cozinha, as garrafas
pet e as latinhas, poupa água - o que já é ótimo. Ele participa da coletividade
e busca contribuir para tornar o ambiente comum mais saudável. Fomenta a democracia
entre aqueles com os quais convive, com respeito à opinião de todos, e tenta
auxiliar na construção de consensos. Integra a comunidade escolar dos seus
filhos, participa das reuniões de condomínio, discute de política a futebol sem
transformar discordâncias em conflitos, brigas e inimizades. Rechaça qualquer
tipo de discriminação e valoriza o diferente. Todos os dias, o dia inteiro.
À primeira
vista parece um ser utópico, ficcional. Um chato, dirão muitos. Em especial num
país tão abissalmente desigual como o Brasil, com metade da população espremida
pela pobreza, 33% sem nem mesmo ter o que comer, portanto, distantes anos-luz
desse debate. Mas é exatamente na premência de encontrar soluções para mudar
essa realidade tão perversa que as organizações e o cidadão ESG se tornam ainda
mais fundamentais. Em especial o “S” da questão.
Sem
disparidades tão latentes, no bloco de nações desenvolvidas o “Environment,
Social, Governance”, ou Governança Social e Ambiental, têm pesos quase iguais.
Nelas, o destaque fica para as mudanças climáticas, que passaram a mobilizar com mais força governos,
empresas e organizações.
Embora a
governança - especialmente no que tange aos processos contra a corrupção -, e
as questões ambientais, das quais depende a sobrevivência de todos nós, sejam
peças indissociáveis do conceito ESG, em países como o Brasil e de quase toda a
América Latina, a urgência ditada pela desigualdade, miséria e fome, impõe um
olhar mais agudo ao social.
À despeito
da inoperância do estado, estão em curso centenas de iniciativas coletivas e
individuais, não raro estabelecendo extraordinárias redes de ação voluntária,
tanto de empresas e ONGs como de cidadãos. Mas, por mais louváveis que sejam, é
preciso avançar mais, e mais celeremente. Aqui, de novo, entra o cidadão
ESG.
Ele pode ser
o grande indutor das mudanças. Tanto para o resgate do enorme contingente sem
acesso às mínimas condições de vida, quanto para a disseminação e defesa dos
direitos de todos. É decisivo na mobilização de sua comunidade, nas eleições de
seus representantes, na cobrança individual e coletiva das obrigações do poder
público. E indispensável para propagar uma cultura de prosperidade e bem-estar,
objetivos nucleares do conceito ESG.
É utopia,
pode ser. Mas foram utopias que inspiraram as revoluções mais profundas da
humanidade - na produção, nas relações de trabalho, no regramento político, na
vida em sociedade, nas pessoas.
Nada se faz
de um dia para o outro. São processos longos, de contínua maturação. Mas que, creio,
já começaram. Estão a todo vapor nas empresas, já fazem parte do cotidiano de
milhões de pessoas. Sim, daqueles “chatos” que separam o lixo, reciclam latas e
garrafas pets, poupam água; que olham para a coletividade e não só para os seus
umbigos. Que, a partir de práticas cotidianas, por vezes simples, estão
plantando sementes, fortalecendo raízes que podem se multiplicar,
exponencialmente. Assim nascem as mudanças duradouras.
*Emerson Kapaz é empresário, foi
secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do governo Mario
Covas (1995-1998) e deputado federal (1998-2002).