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Osvaldo Pinto: 80 anos de idade e quase 60 anos como ferroviário |
Ferroviário de corpo e
alma. Assim se autodefine Osvaldo Pinto, presidente do Sindicato dos
Ferroviários da Araraquarense, que aos 80 anos de idade e 59 de profissão
afirma não saber fazer outra coisa na vida a não ser ferroviário. Filho e
neto de ferroviário, ele não gosta de ser chamado de ex-ferroviário ou como
ferroviário aposentado. “Corre nas veias o sangue ferroviário, não tenho a
menor dúvida”.
Nascido em Taroba, bairro
rural de Silvânia, pequeno povoado que se desenvolveu ao redor da antiga
estação ferroviária, inaugurada pela EFA (Estrada de Ferro Araraquarense) em 1901,
Osvaldo nasceu e cresceu em torno da linha do trem. Segundo o Censo de 2010, Silvânia
tinha apenas 180 moradores. Hoje o lugarejo pertence à cidade de Matão.
Da roça para a ferrovia
Antes de ingressar na
ferrovia, Osvaldo trabalhou na roça, na Anderson Clayton e na Nestlé. Ele lembra
como se fosse hoje o dia em que o então deputado Amaral Gurgel chegou em sua
cidade dizendo que a EFA estaria contratando
gente para trabalhar. Era o ano de 1963 e resolveu então se arriscar, sem
esperança de ser contratado, a bater na porta da chefia da estação de trem.
“E fui contratado, para minha
surpresa”, lembra. “Nos mandaram para abrir uma picada com enxadão, foices e
facões e nos deram uma lima para afiar mais de trinta ferramentas. Como nunca
tive medo de trabalho aceitei. Dali um ano nos mandaram para ajudar a construir
as bases do viaduto da avenida Alberto Andaló em Rio Preto”.
Morou em barracão de depósito
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"Nasci ferroviário, vivi como ferroviário e vou morrer como ferroviário", diz Osvaldo Pinto, presidente do Sindicato dos Ferroviários da Araraquarense |
Oswaldo conta que no
começo morou quase um ano, de forma improvisada, num barracão no depósito de
máquinas. Casou-se em 1965 e aí ganhou da empresa uma casa para morar próxima
da estação no bairro Gonzaga de Campo. “Morei trinta anos nessa casa até comprar
e construir minha própria casa”, ressalta.
Entre idas e vindas para
trabalhar em vários municípios, como Pindorama, Catanduva e na antiga Rubineia,
onde viu a estação Presidente Vargas desaparecer submersa nas águas para dar lugar
à usina hidrelétrica de Ilha Solteira, Osvaldo guarda na lembrança muitas boas histórias. “Uma vez chegou um superintendente da EFA
(Estrada de Ferro Araraquarense) e ficou abismado quando eu disse que tratava a
empresa como se ela fosse minha. E na outra semana fui promovido para ser chefe
do depósito em Rio Preto”.
Ingresso no sindicalismo
O sindicato, que antes era
uma associação, foi fundado em 1983 para ajudar a formar a Federação dos Ferroviários.
“Na época só tínhamos quatro sindicatos de ferroviários, o da Paulista, da Sorocabana,
Mogiana e da Noroeste e precisava de mais um para poder formarem a federação”,
lembra, acrescentando que esteve envolvido com a organização desde a sua
fundação. Na diretoria, Osvaldo ocupou os cargos de secretário e de tesoureiro
até assumir como presidente em 1992. De lá para cá foram seis eleições
sucessivas. Não saiu mais da presidência e tornou-se também diretor da
federação.
Pelo sindicato ele teve que negociar, ao longo desse período, com cinco empresas distintas: EFA, Ferroban, Brasil, ALR e a Rumo. Foi também por meio do sindicato e da federação que possibilitou viajar e conhecer vários países. Esteve em Singapura, no México, na Argentina e em diversos países europeus. Só não foi para o Japão porque, confessa, ficou com medo de ter de viajar sozinho e não saber o idioma.
Ações na Justiça
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Osvaldo Pinto guarda em seu escritório algumas fotografias e até o fardamento antigo de um guarda do trem. Quer fazer um museu para lembrar a história dos ferroviários |
Durante todos esses quase 40 anos na vida do sindicato, Osvaldo garante que sempre sua maior preocupação foi com o bem estar dos ferroviários e de seus familiares. Ele conta que acompanhou de perto centenas de ações movidas pelos companheiros de trabalho contra as empresas. E esses processos demoram anos. Muitas vezes quando chega ao final e a Justiça manda pagar os direitos devidos, o ferroviário já não está mais vivo e é uma verdadeira maratona para encontrar os verdadeiros herdeiros.
“Teve uma vez que a única pista que tínhamos de um ferroviário que morreu e tinha uma grande ‘bolada’ para receber era que uma de suas netas trabalhava em uma das farmácias do centro da cidade”, lembra o presidente do sindicato. “Percorremos farmácia por farmácia até encontrar essa moça que pode nos indicar todos seus tios para receber esse dinheiro”. No dia em que a reportagem da Folha do Povo esteve na sede do sindicato, Osvaldo estava preocupado em encontrar familiares de Wilson Ferraz do Amaral. Era telegrafista da estação de trem em São José do Rio Preto. Faleceu sem ver o desfecho de uma ação favorável à sua pessoa. Agora seus filhos e netos deverão herdar mais de R$ 100 mil de indenização. “A justiça, infelizmente, é muito demorada”, lamenta.
Casado pela segunda vez com a dona Alice, que ajudou a cuidar de seus quatro filhos, Osvaldo não cansa de falar que tudo o que tem na vida deve-se à sua amada esposa. “Sempre tive um nome a zelar e se eu não puder ajudar, faço de tudo para não atrapalhar ninguém”, afirma, dizendo ser essa sua meta de vida. "E se fiz alguma coisa errada não foi intencional. Foi querendo acertar".
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Locomotiva GE abandonada em Araraquara |
Osvaldo lamenta que as
ferrovias foram abandonadas no Brasil. “É uma pena, pois é um transporte seguro
e mais barato”, afirma. “No Japão faz mais de 60 anos que tem o trem a bala e
aqui nunca chegou esse trem. Os Estados Unidos tem a maior malha ferroviária do
mundo, pode-se cruzar o país inteiro nos trens. Aqui só se vê trens abandonados
e estações depredadas. Depois que governo estatizou, dentro de pouco tempo
acabou tudo, até a quantidade de emprego gerado pelas ferrovias”.
Nos tempos áureos somente o
sindicato da EFA tinha mais de 4 mil associados. Hoje não passa de 1.500. E a
maioria é composta por aposentados, uma ala fiel e saudosista das ferrovias. É
visível a alegria no semblante de Osvaldo quando se fala dos bons tempos das
ferrovias. As lágrimas por vezes no rosto, com a voz rouca e embargada faz
lembrar dos fluorescentes períodos de progresso e de desenvolvimento em
diversas cidades onde chegava a ferrovia.
Viagens para fora
“Tive o privilégio de
conhecer centenas de ferroviários que ajudaram a escrever a fascinante história
da nossa ferrovia”, fala Osvaldo, de forma emocionada. Ele conta que no último
dia 8 de dezembro, data do seu aniversário, quando nem lembrava mais da data, foram
lhe buscar em sua casa com a desculpa de o levarem para jantar fora. Mas qual
não foi sua surpresa ao adentrar um salão de festas repleto de amigos e
familiares cantando “parabéns a você”. “Só não chorei na hora para me mostrar
que era forte”, brincou. “Mas me emocionou muito essa agradável surpresa”. Lá
estavam também todos seus filhos, genros, netos e bisnetos. “Logo serei
tataravô”, anuncia.
Ferroviários, segundo Osvaldo, são assim chamados todos aqueles que trabalham na ferrovia. “Não importa a função, se é foguista, maquinista, chefe de estação, guarda trem, portador, mensageiro, telegrafista e tantas outras funções”. Ser ferroviário é lembrar das jornadas vividas ao longo dos anos nos trilhos, nos dormentes, estações e trens.
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Reprodução de locomotiva em miniatura da antiga Fepasa |