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Uso de robôs para o disparo de notícias falsas pelas redes sociais

 

Contas falsas são criadas nas redes sociais para disparar em massa, com auxílio de robôs, notícias falsas e ataques contra instituições e adversários políticos
(Imagem: reprodução do Facebook)

O WhatsApp é uma ferramenta que se popularizou rapidamente. A princípio, era muito usado para bate-papos e conversas informais. Com o tempo, os recursos tiveram outras finalidades, inclusive para atender as necessidades de empresas e profissionais autônomos e isso é muito bom para facilitar a vida e os negócios de todos.

Mas os políticos espertamente entenderam que essa ferramenta também poderia ser utilizada a favor deles para angariar votos. Até aí nada demais. O problema é o uso indevido dessa ferramenta para espalhar boatos, mentiras e ataques contra adversários e instituições.

Alguns grupos políticos se especializaram tanto no uso que criaram até robôs para agilizar a distribuição de suas postagens pelos grupos desse aplicativo. Os robôs desempenham tarefas automatizadas pré-definidas, amplamente utilizadas não somente pelo WhatsApp como também por outras plataformas como Facebook, Twitter, entre outras ferramentas. 

O serviço de robôs que facilitam a automação também é usado por empresas e organizações que buscam ampliar o atendimento à população, como o Ministério da Saúde, bancos, empresas de telefonias e magazines comerciais. Desde que usados honestamente agilizam o atendimento  para clientes e usuários dessas empresas e instituições.

Robôs para disparar mentiras

Diversas linhas de celular ligadas a uma central para disparar mentiras pelas redes sociais, com perfis falsos. Robôs agem como se fossem gente (imagem: reprodução do site do UOL)


Os robôs são softwares sofisticados que desempenham funções automatizadas pré-definidas. Podem responder a comandos gerados em tempo real, como é o caso dos chatbots dos sites ou do WhatsApp, por exemplo. A comunicação entre o usuário e o robô é mantida por meio de perguntas e respostas. Para muitas empresas o uso desses robôs no atendimento às ligações agiliza os serviços e poupa tempo e custos.

Mas há também, no caso da política, o uso de robôs que criam grupos de WhatsApp e permanecem em silêncio. Funcionam apenas para disparar em grande quantidade, automaticamente de tempo em tempo, postagens com mensagens falsas, que por causar impacto são, por consequência, replicadas pela maioria dos integrantes para outros grupos e pessoas.

Se utilizam da tática usada por Adolfo Hitler de que uma mentira repetida mais de 100 vezes pode-se tornar verdade na cabeça daquelas pessoas que não se preocupam em checar a veracidade das informações recebidas.

Em setembro de 2019 matéria assinada pelos jornalistas Eduardo Militão e Aiuri Rebello, no UOL, mostrou que a rede de desinformação espalhou notícias falsas e deturpadas na campanha eleitoral, com uso de robôs, em pról do então candidato Jair Bolsonaro continuava em operação disparando mensagens em massa. O uso de boatos contra adversários em campanhas eleitorais sempre existiu. O problema é que a turma ligada ao presidente após as eleições não parou com essa prática desonesta de propagar mentiras.

 Grupos ainda estão na ativa

O UOL analisou 1.690 linhas telefônicas nacionais e internacionais em contas de grupos de WahtsApp mapeados por dois coletivos de ativistas digitais que procuraram a reportagem: “Programadores Brasileiros pela Pluralidade e Democracia” e “Hackers pela Democracia”. Das 1.690 contas criadas para divulgar a campanha, 1.355 (ou 80%) seguiam na ativa um ano após as eleições de 2018.

 No topo dessas listas, segundo a matéria, estavam contatos com características de robôs, os programas que operam as contas automaticamente para espalhar mensagens como se fossem pessoas de verdade.

A frequência dos disparos mostra essas características, segundo três especialistas independentes consultados pelo UOL. Um deles investigador do Ministério Público especializado em crimes cibernéticos e de corrupção. Uma das contas chegou a disparar 14 mensagens diferentes em período de apenas 30 segundos.

De 86 números de telefone celular identificados pelos técnicos digitais de onde partiram os disparos em massa de fake news durante as eleições, 38 (ou 45%) continuavam ativos em setembro de 2019, ainda disparando mensagens suspeitas.

Dos 1.504 números nacionais que mais enviavam fake news nos 53 grupos mais ativos de apoio ao então candidato Jair Bolsonaro monitorados durante as eleições – a maioria criada e administrada por números internacionais, geralmente com o prefixo “+1” antes do número do celular -- , 1.283 (ou 85%) estavam com suas contas no aplicativo de mensagens ativas e como administradores de grupos.

 Dinheiro envolvido

Grupos, geralmente administrados por robôs, foram criados para disparar mensagens em massa para denegrir imagens de instituições e adversários
(imagem: reprodução do site do UOL)


De acordo com o professor e consultor de Marketing Marcelo Vitorino, em entrevista para o UOL, e que também já atuou em campanhas políticas, o fluxo dos disparos significa que não se tratou de um evento natural de mensagens de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Significa, segundo o professor, que pode haver dinheiro envolvido.

“Uma possibilidade é um comportamento de robô”, afirmou o professor. ”A outra possibilidade, que é mais grave, é você pagar pessoas para fazer esse trabalho manualmente. Você só tem duas formas de fazer isso. É uma organização, uma 'indústria' de disseminação de conteúdo”.

Contas suspeitas

Outra característica das contas avaliadas no estudo é que elas não trazem nome, foto ou informações de contato no perfil do aplicativo. A reportagem do UOL, assim como também da Folha do Povo, telefonou aleatoriamente para dezenas de números com essas características na lista. A maioria estava bloqueada para receber chamadas, apesar de ativas no aplicativo de mensagens. Outra característica comum dessas contas é que nenhuma delas possui sequer imagem. Quando muito possui foto de algum desenho, como a silhueta de um gatinho ou algo semelhante.

O editor-chefe da Folha do Povo, jornalista Nelson Gonçalves, que participa de várias instituições, como clubes de serviços e organizações não-governamentais e sem fins lucrativos, conta que durante o período eleitoral foi incluído automaticamente em mais de 10 grupos de WhatsApp automaticamente, todos eles com viés políticos e batizados com nomes ufanistas tipo “Brasil Acima de Tudo”, “Agora é a Hora”, “Honestidade na Política”, "Bodes na Política" e temas similares. “Não pedi para ser incluído em nenhum desses grupos e fiquei observando por algum tempo as postagens”, lembra. “E notei que muitos deles tinham como administradores telefones com prefixos internacionais. Cheguei a ligar e mandar mensagens para muitos deles. Não atendiam e nem respondiam, o que me fez suspeitar de tratar-se de robozinhos para disparar mensagens, geralmente sempre com alguma coisa impactante para que as outras pessoas incluídas nesses grupos ficassem indignadas e replicassem para outras pessoas e outros grupos”.

Na reportagem do UOL, apenas uma pessoa, moradora no interior de Minas Gerais, atendeu a ligação. Negou o envio das mensagens e afirmou que havia registrado dois boletins de ocorrência por desconfiar que alinha e a conta no WhatsApp tivessem sido clonadas.

De acordo com a reportagem do UOL, que monitorou alguns grupos, em todos eles existem um certo padrão. Permanecem silenciosos por determinado tempo até “estourar” o assunto da vez. A partir daí começam a disparar os memes, vídeos e links com fakes news, previamente produzidas de forma orquestrada para distorcer, deturpar ou desviar os assuntos em questão, invariavelmente enviados por uma das contas associadas às linhas com características de robôs. Fazem defesa de figuras ligadas ao governo e ao presidente.

Vítimas de fakes

Jornalista Willian Bonner por mais de uma vez foi vítima de fakes news nos grupos de apoiadores ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais
(foto: reprodução da tv)


Quando o ex-juiz Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça no dia seguinte dispararam dezenas de séries de memes, vídeos e links com notícias falsas sobre o ex-ministro. Em um desses links, direcionados a um suposto site de notícia de "jornal", afirmava-se que Moro seria "o principal mandante do assassinato de um advogado em Curitiba". Notícia logo desmentida pelos principais veículos de comunicação do País.

Quando começaram a pipocar denuncias de fraudes no recebimento dos 600 reais de ajuda do governo federal pela pandemia, não faltaram notícias falsas de que celebridades e políticos contra o governo também teriam recebido o benefício. Entre os supostos recebedores dos 600 reais estaria personalidades da Rede Globo, como o jornalista Willian Bornner e os apresentadores Huck, Faustão e Xuxa Meneghel.

Não é raro a mesma notícia falsa circular em diferentes grupos ao mesmo tempo. Alguns têm os mesmos administradores. Tudo de uma forma bem arquitetada e orquestrada. E as postagens são produzidas por profissionais da área de marketing. Forjam estúdios de televisão, com fundos falsos (kroma key) idênticos aos dos principais telejornais. E usam apresentadores que você nunca viu antes na telinha de nenhum canal de televisão, para divulgar notícias bombásticas e falsas.

Falsos médicos

Também criam sites falsos, sem o “br", registrados fora do Brasil para dificultar identificação e localização, além de vídeos de pessoas se passando por médicos, advogados, cientistas, professores de universidades ou pesquisadores. Pode-se observar nesses vídeos em que as pessoas, que se fazem passar por supostos médicos, advogados ou quaisquer outros profissionais, não se identificam de proposito no próprio vídeo ou áudio. Isto porque ao se passar falsamente por médico ou advogado, por exemplo, cometeriam o crime de falsidade ideológica, o que pode acarretar pena de três meses a dois anos de detenção. 

E se, por acaso, essa pessoa que gravou se passando por médico, ou qualquer outra profissão, for presa irá justificar que nunca falou que era médica. E de fato, propositalmente no vídeo, ela não fala. Mas o texto que acompanha o vídeo ou alguma introdução feita na voz de outra pessoa diz claramente que a pessoa que fala no vídeo é médica de renome para tentar enganar os desavisados. E muitos caem na mentira. E ainda por cima ajudam a disseminá-la, replicando, feito papagaio que não pensa e nem se questiona se aquilo pode ser mentira, para outros grupos e pessoas.

Sabedores da punição e do crime que cometem os produtores desses vídeos e áudios falsos já orientam a quem se sujeita a gravar depoimentos se fazendo passar por médico, por exemplo, a não dizer no áudio ou no vídeo que são médicos. No texto que acompanha o vídeo e o áudio é que os produtores mencionam que fulano é “médico”, acrescido ainda que é “especialista” em determinada área de saúde ou pertence a algum hospital ou universidade. Os internautas deveriam aprender de uma vez por todas que depoimentos feitos de forma anônima não merecem credibilidade.

As contas internacionais de telefone utilizadas para disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp são registradas em sua maioria nos Estados Unidos. Mas também há números da Argentina, México e de outros países da América Latina e Europa. A Folha do Povo vem acompanhando também grupos de WhatsApp em países como Bolívia, Peru e Canadá. Nos  dois primeiros também já detectou a ocorrência da mesma tática: o suposto uso de robôs para o disparo de mensagens de forma automática.

A reportagem do UOL tentou contato com a assessoria de imprensa da Presidência da República, que pediu para encaminhar as perguntas à direção do PSL, o que foi feito, mas segundo o UOL não houve resposta.

 CPI das Fakes News

Deputada Joice Hasselmann conhece bem o assunto, pois esteve envolvida na campanha que ajudou a eleger o presidente Bolsonaro (imagem: Reprodução da TV Câmara)


Ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) denunciou em dezembro, durante depoimento à CPI das Fake News, a existência de uma “milícia digital” do chamado “gabinete do ódio” para espalhar ameaças e ataques à reputação de críticos do presidente da República. “Eles escolhem uma pessoa e essa pessoa é massacrada”, afirmou a deputada. “Eles se escondem atrás de perfis, como ‘Ódio do Bem’, ‘Isentões’ e ‘Left Dex’ para o disparo das mensagens falsas”..

A orientação desses grupos, segunda ela, é atacar aqueles considerados “traidores”. A deputada também apontou o uso de robôs para alavancar artificialmente as hatshatags favoráveis ao governo. Entre elas a página “#deixadeseguirapepa” em referência a própria deputada que foi forte aliada do presidente, durante a campanha eleitoral. Joice apoiou a candidatura de Bolsonaro e esteve, durante a campanha, no chamado núcleo forte dos apoiadores. 

Joice Hasselmann revelou à CPI da Fake News que haveria, inclusive, uma tabela para que, a cada dia, fosse produzido um meme, uma sátira ou uma publicação especifica para destruir reputações. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ex-colaboradores governistas, como Gustavo Bebiano, o general Santos Cruz e até o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão (PRTB), já teriam, segundo Joice, sido alvos desses ataques feitos de forma anônima pelos partidários de Bolsonaro pelas redes sociais.

A deputada apresentou dados à CPI das Fake News para afirmar que, dos 5,4 milhões de seguidores da conta do presidente Jair Bolsonaro no Twitter, mais de 1,4 milhão seriam robôs. Ainda de acordo com a deputada, dinheiro público estaria sendo usado para manter essa rede criada para difamar biografias de pessoas e instituições.

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