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Índio exercendo sua função como repórter-fotográfico para o jornal A Notícia (foto de Gallo, da Revista Competir) |
Os heróis da vida real são pessoas comuns que se
destacam no meio em que vivemos. Essas pessoas despertam em nós a certeza de
quem vai à labuta diária consegue chegar ao topo. São exemplos de vida que
podem e devem ser passados adiante. Um desses verdadeiros heróis é Florindo
Damasceno de Oliveira, hoje com 67 anos de idade bem vividos, com muita fé,
dedicação, amor e muito trabalho.
Nascido em um sitio de José Bonifácio, Índio, como
é popularmente conhecido pelos amigos e colegas que tiveram a oportunidade de
trabalhar com ele, é o sexto filho de um casal de lavradores. A espanhola
Amparo Gonzalles e José Damasceno Oliveira, mineiro de São Sebastião do
Paraiso, tiveram ao todo 10 filhos, seis homens e quatro mulheres. Viveram como
meeiros de roças de café, produzindo rapadura, açúcar mascavo e verduras para
vender na cidade.
Naqueles tempos a vida não era nada fácil para a
família Damasceno. Eram tempos difíceis e Índio teve de abandonar os estudos,
quando estava no quarto ano primário para trabalhar. Precisava colaborar com o
pai no trabalho duro da roça, para ajudar o pai no sustento dos quatro irmãos
menores.
De servente à câmeraman
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Índio trabalhando como câmeraman na TV Rio Preto, Canal 8 |
Quando tinha 17 anos, Índio foi trabalhar de
servente de pedreiro com o irmão mais velho Florentino na construção do prédio da
TV Rio Preto, nas margens da rodovia Washington Luís. Ajudou a assentar os
primeiros tijolos no imponente prédio que viria a sediar uma das principais emissoras de
televisão do interior paulista.
Em 15 de setembro de 1971, a emissora, Canal 8
VHF, entrava no ar, de maneira bastante improvisada. E quis o destino que no
dia da inauguração um dos rapazes contratados para ser um dos operadores de
câmera faltasse. Vanderley Meneguini, primeiro diretor da emissora, afiliada na
época da extinta TV Tupi, lançou mão do improviso, pegando “a laço” na platéia
o jovem Índio para operar a câmera de número dois no dia da inauguração, que
teve as bençãos do Monsenhor Leibenides de Castro, pároco da catedral de São José.
“Nunca tinha visto e nem operado antes uma câmera
de televisão”, lembra Índio. “Me ensinaram ali na hora alguns comandos. Tremia igual
‘vara verde’, mas deu certo. Recebi os parabéns do diretor e já fui contratado”.
E ali foram longos 17 anos de trabalho nessa emissora com muitos programas de
auditório, como o de Amaury Junior, Silveira Coelho, Sala dos Esportes e o
histórico sertanejo Porteira do 8, que até hoje está no ar.
“Ali nessa emissora eu aprendi de tudo, desde
operar câmera, fazer edição e cortes dos filmes, dos vídeos para levar as
imagens ao ar, fiz sonoplastia, iluminação, cenário e com o tempo era eu quem
ensinava os outros”, conta Índio. A emissora foi inaugurada em 1971 por um
grupo de empresários de Uberlândia, liderado por Edson Garcia. Três anos depois
foi vendida para o empresário catanduvense Varlei Agudo Romão. Em 1978 passou a
pertencer ao grupo de Paulo Machado de Carvalho, dono da TV Record. Recebeu
novos equipamentos e expandiu sua rede, instalando retransmissores por quase todas cidades das regiões
noroeste e oeste paulista. Em 1989 foi adquirida pelo bispo Edir Macedo, da
Igreja Universal do Reino de Deus.
Repórter-fotográfico
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Índio atuando como repórter-fotográfico no antigo estádio do América |
Um ano antes da TV Rio Preto, que passou por
alguns perrengues financeiros, ser adquirida por Edir Macedo, Índio recebeu
convite de Amaury Júnior para trabalhar como repórter-fotográfico e
laboratorista do recém criado jornal “Dia & Noite”. “Ele me ofereceu pagar
quase três vezes mais do que eu ganhava de salário na televisão”, lembra,
contando que não pensou duas vezes em pedir as contas na emissora.
Paralelo ao seu trabalho ao jornal também
trabalhava como operador de som e sonoplasta em algumas emissoras de rádio. “Sempre
gostei de aprender coisas novas e aquilo para mim é era maravilhoso”.
Infelizmente, o “Dia & Noite” não deu muito certo, se enveredou em dívidas
e teve de ser fechado. Foi então quando surgiu a oportunidade para ajudar na
montagem da “Folha D´Oeste”, jornal na cidade de Jales, com equipamentos em
off-set de ultima geração, para o qual, destaca, eram carreados recursos vindos
do deputado Hebert Levy e do banqueiro Olavo Setubal. “Contrataram os melhores profissionais da
região e colocaram nós para morar numa casa, com piscina e churrasqueira, algo raro
para a época. Para se ter ideia da potência desse jornal tinham lançado o Fiat
147, que custava uma nota, e compraram seis zerinhos, todos pintados com a
logomarca do jornal”.
Com as mudanças na política, os recursos para o
jornal de Jales foram rareando-se. Índio recebeu convite de Ivaci Matias, com
quem tinha trabalhado no Canal 8, para trabalhar na TV Morena de Campo Grande.
Mas preferiu continuar pela região de São José do Rio Preto. Nessa altura tinha
casado com a Claudenir e já tinha filha Juliana, hoje com 37 anos, e mãe do
David, de 8 anos, o xodó do vovô Índio.
Salva-vidas
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Casado com Claudenir, com quem teve a filha Juliana, Índio fez de tudo um pouco na vida: de servente de pedreiro, salva-vidas, repórter fotográfico, cinegrafista, laboratorista, sonoplasta, entre outras atividades |
Índio conta que em tempos difíceis recebeu ajuda do
amigo Alberto Cecconi, jornalista e empresário no ramo da comunicação. “De
imediato ele me arrumou um emprego no Sesi para trabalhar como salva-vidas”,
lembra, acrescentando, bem-humorado, que mal sabia nadar direito. “Depois fui trabalhar
numa clicheria e participei da reinauguração do jornal ‘A Notícia’, onde fui
laboratorista e repórter-fotográfico”.
Como laboratorista descobriu a fórmula química para
produzir reveladores e fixador de filmes. “As nossas fotos só faltavam ‘falar’”,
brinca. Com a técnica apreendida passou a ser cobiçado por outros jornais da
cidade. Trabalhou também por alguns anos no “Diário da Região”, onde em meados
dos anos 90 entrou na “lista de corte” da nova direção. “Contrataram um novo
diretor que veio de fora, de Sorocaba, se não me engano, e numa sexta-feira 13
ele mandou embora, de uma vez, umas 15 pessoas. E meu nome estava nessa lista
de demitidos”.
Nesse período, já acima dos 45 anos de idade,
Índio passou por inúmeras dificuldades financeiras. Viveu um verdadeiro
calvário, percorrendo dezenas de redações de jornais e televisão de várias
cidades em busca de uma vaga. Viajou para várias cidades em busca de emprego e
de uma nova oportunidade. “A gente sabia que era bom naquilo que nos propusemos
a fazer. Sabia fotografar, revelar e operar uma câmera como poucos
profissionais. Mas ninguém mais abria as portas e nem nos dava oportunidade.
Foi um período muito triste”.
Produção de salgados
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Foi produzindo e vendendo salgados que Índio conseguiu mudar de vida |
Índio morava nessa época numa casa, localizada na
última rua do bairro Solo Sagrado, quase na beira de um córrego. A casa tinha
sido ele mesmo que tinha erguido as paredes. A rua nem asfalto tinha. Quando
chovia era barro e lama. No calor a poeira era insuportável. Mas foi nesse
cenário, chegando em casa chorando por não conseguir trabalho para sustentar a família,
que a mulher Claudenir sugeriu que ele se ajoelhasse e pedisse ajuda a Deus. “Foi o que eu fiz. Dobrei meus joelhos e pedi
clemência a Deus”, conta.
A esposa para ajudar no orçamento doméstico
começou a fazer coxinhas de mandioca e outros de tipos e salgados para vender
de porta em porta no bairro Eldorado. Era o único dinheiro para o sustento da
família. Índio que já não tinha mais carro, vendido para ajudar a pagar as despesas
da casa, pegou a velha motoneta que ainda lhe restava e saiu pelas feiras-livres
para ajudar a vender os salgados produzidos pela esposa.
As vendas foram, aos poucos, melhorando. De repente
ele conseguiu fechar negócio para o abastecimento de uma cantina de escola. Em
pouco tempo ele já fornecia salgados para cantinas de mais de 40 escolas. Teve
que ampliar o negócio. Comprou fornos industriais, maquinários, carros e motos
para entregas. Chegou a ter mais de 15 funcionários contratados na empresa. “Foi
uma benção”, revela, acrescentando que a produção e venda dos salgados mudaram
totalmente a sua vida e a da sua família.
Mas não era nada fácil. Ele, a esposa e a filha
Juliana colocaram literalmente as mãos na massa. Acordavam todos os dias às 4
horas da manhã para preparar as massas. Às 6 horas da manhã já saiam da fábrica dois ou três carros, carregados de salgados, e mais de 15 motoqueiros para levar os salgados para abastecer as
cantinas das escolas, de inúmeras lojas de materiais de construção e de clubes
recreativos.
Fé e muita humildade
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Focando no trabalho e numa fé inabalável em Deus que Índio conseguiu dar uma reviravolta em sua vida para viver melhor ter tudo o que tem hoje |
“Graças a Deus minha luz sempre brilhou por causa
da minha humildade”, afirma, acrescentando que nunca discutiu ou maltratou
ninguém. “Sempre respeitei a todos. Aprendi muito e ensinei o que pude a todos”.
Estabelecido agora com três casas de aluguel, uma
chácara com mais de 2 mil metros quadrados e aposentado, Índio diz que não tem
do que reclamar da vida. “Estou muito feliz por ter vivido e enfrentado tudo
que vivi”.
Casamento
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Frei Nélio Belotti foi quem celebrou o casamento de Florindo com Claudenir, na igreja de Santa Apolônia, nos distrito de Engenheiro Schimidt |
O único ponto triste para Índio foi a recente
perda da esposa Claudenir. “Ela lutou o quanto pode para derrotar o câncer. Foi
uma grande mulher ao lado de toda a minha vida. Nos deixou muitas saudades”. Índio
guarda boas lembranças do casamento, celebrado na Igreja de Santa Apolônia pelo
frei Nélio Joel Angeli Belotti, o conhecidíssimo Frei Francisco, que dirige dezenas
de hospitais em cidades dos Estados de Goiás, Paraná, Ceará, Pará, Rio de Janeiro
e São Paulo, além do Barco Hospital, a pedido do Papa Francisco, para atender
comunidades ribeirinhas do rio Amazonas.
“Até hoje temos amizade com o Frei Nélio, que é
uma alma boníssima, e sempre mantemos contato”, revela Índio, orgulhoso em
fazer parte do rol de amigos do padre missionário. Ele aconselha as pessoas a
terem fé em Deus, trabalhar e nunca deixar de se dedicar, de corpo e alma, para
alguma religião. “Seja qual for a religião. Temos que ter uma para seguir,
trabalhar, porque nada cai do céu, e ter muita fé em Deus”.