Só levando na bunda...
Silvio Caruso
Não
vou me desculpar por ter usado a bunda. As nádegas são usadas apenas em
concursos de beleza e nas farmácias. Nos concursos, quando o “agrimensor”
anuncia as medidas do lote: X de altura, Y de largura e 98 centímetros de
nádegas!
Nas
farmácias, quando o funcionário com cara de safado pergunta pra jovem: vai
tomar a injeção no braço ou na nádega?
Ninguém
usa a nádega pra mais nada, além disso. Já ouviu alguém dizendo que fulana tem
uma bela nádega? Ou, meti o pé na nádega dela (e)? Então, pra que serve, seja
ela nádega ou bunda? Pra quando cair sentado amortecer a queda? É mais
confortável pra sentar? Alguém já viu um boi deitado, apoiando o cupim num
tronco, pedra ou cupim? Sim, porque seja nádega ou bunda, além de ter certa
semelhança com o cupim do boi, parece ter a mesma consistência...
Ah,
então serve pra tomar injeção, que dói menos? Só se doer menos na bunda do
farmacêutico, porque na da vítima dói pra diabo, só se doer menos na
consciência dele! Eu que o diga. “Levei na bunda” literalmente dez vezes
ininterruptas alternando apenas a nádega, um dia numa, o outro dia na outra.
Uma delicia.
A
maneira mais confortável de sentar é de pé. Dormir, só de bruços ou no cabide.
Se virar na cama dormindo, vai achar que o capeta te meteu o pé na bunda! Mas
valeu o sacrifício, levei na bunda pra aprender! Não, não foi pra aprender que só
serve pra tomar injeção, aprendi um monte de coisas. Calma que eu explico.
Nunca
tive medo de nada: assombração, bandido, bicho nenhum, raio, chuva temporal,
mas morria de medo de injeção! Pronto, passou, até me acostumei. Seja na bunda,
na adega, no braço ou na veia...
Nunca
tive nenhum problema de saúde, nunca quebrei um osso, nunca levei um ponto
cirúrgico, não tenho dor nenhuma, não uso medicamento nenhum. No final do ano
passado fiz dois checapes e “gabaritei” em tudo. Colesterol, triglicérides,
glicemia, pressão normal, até de osteoporose passei, nada!
Do
nada, tive um desmaio, o primeiro da vida, e aí começou o aprendizado. Só de
pensar no que poderia ter acontecido fiquei apavorado. O que seria se estivesse
sozinho em casa? Se estivesse dirigindo? Será que vai repetir? Se tivesse
morrido, nem teria ficado sabendo. Aí vem o trauma. Fiquei quase um mês sem
dirigir e causar algum acidente. Tinha medo até de andar e cair. Só andava
apoiando em paredes, muros ou grades. Sugeriram que tomasse banho sentado em
uma cadeira dentro do Box. Me neguei, pois poderia não conseguir mais tomar
banho sem ela. Cheguei a pensar que tivesse tido um AVC, mas o médico me
tranquilizou.
Com
isso tudo, aprendi que o mais importante de tudo é a saúde e precisamos cuidar
bem dela. Depois da aposentadoria fiquei sedentário. Não tendo mais horário nem
compromissos a cumprir, passava o dia lendo, escrevendo, ouvindo e aprendendo
música ou assistindo televisão. Não sou muito de comer, e isso me fez pensar
que pela pouca atividade física, menos alimentos eu necessitava. Caí de
fraqueza. Hoje, plenamente recuperado já estou pensando em regime...
Mas
o médico foi cruel comigo, dizendo que “cerveja nunca mais!”. Justo minha
companheira de todas as noites há mais de trinta anos? A vida perdeu a cor.
Justo agora que comprei cavaquinho, pandeiro e tamborim pra dar início à vida
de sambista? Não existe leite em roda de samba, o que será de mim? Escrever o
que, sem cerveja e só levando na bunda e ainda por cima, a seco ?
O
escritor que havia em mim, foi embora e levou a inspiração. A vida ficou muito
chata e sem graça. Se for pra continuar assim, pode fechar a conta que eu vou
embora, mas já aviso que vou “pendurar”! Desobedecendo o farmacêutico, tô
tomando só três latinhas por noite...
Além
de todo o aprendizado, comprovei que a gente só dá valor ao que tem, quando
perde. E pra não deixar por menos, como grandes descobertas foram feitas por
acaso, a minha poderá vir a ser a descoberta do século XXI: Bunda serve pra
tomar injeção!