Cientistas da USP e da Universidade da Pensilvânia construíram um drone autônomo que desvia de obstáculos e calcula quantidade de árvores em grandes vegetações
Obter informações detalhadas sobre uma floresta é fundamental para
orientar o poder público a definir políticas de conservação e a monitorar possíveis
crimes ambientais, como queimadas e desmatamentos ilegais. Atualmente, para
fazer um levantamento sobre determinada área, especialistas produzem o chamado
inventário florestal, estudo que apura o número estimado de árvores de uma
floresta, o volume de madeira disponível, a área coberta por vegetação, as
características da biodiversidade local, a topografia da região, entre outros dados.
No entanto, realizar esse trabalho manualmente é praticamente inviável
tendo em vista a dificuldade de acesso a algumas matas e o longo tempo para
execução das tarefas, que podem levar semanas para serem finalizadas, além de
exporem os profissionais a diversos riscos, como quedas em buracos e ameaças de
animais. Por esses motivos, pesquisadores brasileiros e norte-americanos
desenvolveram um sistema computacional capaz de controlar um drone de forma
autônoma (sem controle humano) no interior de florestas, permitindo que ele
desvie de árvores e mapeie grandes territórios em poucos minutos.
“Além de termos a possibilidade de fazer um inventário florestal em uma
área de cobertura muito maior, com a atuação do drone esse processo se torna
muito mais rápido, seguro e preciso”, explica Guilherme Nardari, pesquisador do
INCT de Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC), sediado na Escola de
Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, e um dos autores do trabalho, que foi
realizado em parceria com cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos
EUA.
Para efeito de comparação, com o drone desenvolvido seria possível
mapear uma floresta inteira de 400 mil metros quadrados em apenas 30 minutos.
Já se o mesmo trabalho fosse realizado por uma equipe de engenheiros
florestais, por exemplo, o tempo saltaria para 12 dias e meio, considerando que
eles trabalhassem 24 horas por dia, missão impossível para um único grupo. Pela
dificuldade da tarefa, os profissionais optam por avaliar pequenos trechos da
floresta e fazer uma estimativa dos dados totais, gerando informações muito
menos precisas e detalhadas.
Pesa 3 kg e tem autonomia de voo para 20 minutos
Com peso aproximado de 3kg e autonomia de voo de 20 minutos, o drone,
que está sendo testado nos EUA, é composto por quatro hélices, uma câmera, um
computador de bordo, um controlador de voo e um sensor a laser, responsável por
calcular em tempo real a distância entre o drone e as árvores ao seu redor.
Pioneira, a utilização de um veículo aéreo não tripulado (Vant) autônomo para
monitorar e mapear florestas possibilitará uma série de aplicações, entre elas,
o combate ao desmatamento.
“Nós conseguiríamos avaliar o estado de conservação das florestas e
detectar locais que precisam de reflorestamento, servindo de alerta para as
autoridades ambientais caso alguma região apresente transformações suspeitas ao
longo do tempo. Esse tema é muito relevante, principalmente pelo atual cenário
que vivemos, de total descaso com a Amazônia”, afirma Roseli A. Francelin
Romero, pesquisadora do InSAC e professora do Instituto de Ciências Matemáticas
e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Segundo a docente, atualmente o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) realiza alguns levantamentos
florestais por imagens de satélite, mas são estimativas que impossibilitam uma
análise mais minuciosa da vegetação em áreas específicas.
Segundo relatório divulgado no
primeiro semestre deste ano pelo MapBiomas, 99% do desmatamento feito no Brasil
em 2019 foi ilegal. Ao todo, mais de 1,2 milhão de hectares (ha) de mata nativa
foram devastados, ou 12.187 km², o equivalente a oito municípios de São Paulo.
Mais de 60% da área desmatada está na Amazônia, com 770 mil hectares
derrubados. O segundo bioma em que mais houve perda foi o Cerrado, com 408,6
mil ha, seguido de Pantanal (16,5 mil ha), Caatinga (12,1 mil ha), Mata
Atlântica (10,6 mil ha) e Pampa (642 ha). Já de acordo com pesquisa divulgada
na última semana pelo Inpe, entre agosto de 2019 e julho de 2020 foram
registrados mais de 45 mil alertas de desmatamento na Floresta Amazônica, um
aumento de 34,5% em comparação com o período anterior.
Voando pelas florestas
Para evitar que o drone colida com
algum objeto durante o voo, o sensor a laser do veículo aéreo dispara
milhares de feixes de luz por segundo que, conforme acertam as árvores,
calculam a distância delas para o Vant e estimam a espessura de cada tronco ou
galho. Todos esses dados são interpretados por um código de computador
(algoritmo) que foi desenvolvido e que utiliza inteligência artificial para
detectar árvores, mapear a região e “guiar” o drone na direção correta, fazendo
com ele se esquive dos obstáculos.
Ao mesmo tempo, o algoritmo gera um mapa em
3D da floresta, revelando o número de árvores do local, o volume de madeira, a
área coberta por vegetação, entre outros dados. Segundo os pesquisadores, o
drone também é capaz de identificar folhagens no chão, permitindo avisar as
autoridades sobre um risco maior de queimadas, que são muito comuns tanto no
Brasil como nos EUA.
Para avaliar a eficácia do VANT autônomo, ele foi testado pelos
cientistas em uma floresta de pinheiros norte-americana no Estado de Nova
Jersey. Os resultados foram positivos: o drone conseguiu desviar das árvores e
levantar com precisão os dados da área. Durante os trajetos, ele se comunicava
em tempo real com operadores em solo, que formavam uma base móvel que recebia
imagens da câmera do veículo aéreo, informações do voo, bem como do gasto de
bateria. “Foi um desafio enorme do ponto de vista robótico, pois além de fazer
um drone voar sozinho no meio das árvores, sem perdermos a comunicação com ele, precisávamos obter um mapa de qualidade, extremamente preciso”, conta
Guilherme, que faz doutorado no ICMC e é orientado pela professora Roseli
Romero.
O jovem, que desenvolveu o trabalho durante intercâmbio nos EUA e recebe
financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),
afirma que o algoritmo desenvolvido para controlar o drone permite um
mapeamento mais preciso e com informações mais detalhadas sobre a floresta,
além de voos menos suscetíveis a interferências em comparação com outros
modelos encontrados na literatura da área. Os resultados do trabalho geraram um
artigo que foi publicado na IEEE
Robotics and Automation Letters, revista científica internacional. A
pesquisa também foi apresentada na Conferência Internacional de Robótica,
um dos mais renomados eventos científicos da área de robótica do mundo, que
teve início no dia 31 de maio e segue até o próximo dia 31 de agosto, com
realização 100% online devido à pandemia de Covid-19.
Nos Estados Unidos, os cientistas parceiros no estudo criaram uma empresa e já começaram a oferecer alguns serviços de mapeamento
com o drone para a iniciativa privada. Segundo Guilherme, há interesse em
trazer a tecnologia para Brasil, mas antes o sistema de controle do Vant
precisaria passar por algumas adaptações, afinal, existem diferentes tipos de
florestas no país, com obstáculos distintos, que podem dificultar as missões
com o veículo aéreo. A estimativa de custo para cada drone autônomo como esse é
de R$ 60.000,00. “O valor não é alto se comparado ao retorno que ele pode
trazer para a população em geral, com a preservação das florestas e do meio
ambiente”, finaliza Roseli.
Link para o vídeo do drone voando em floresta dos EUA: https://www.youtube.com/watch?v=8kF1kosEYfE&feature=youtu.be