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Aline Aparecida Pereira passa a colaborar com a Folha2 |
A
equipe da Folha2 acaba de ganhar um importante reforço. Aline Aparecida
Pereira, de 39 anos, é a nova colaboradora do jornal. Natural de José
Bonifácio, Aline traz uma sólida bagagem acadêmica e profissional. É graduada
em História e Pedagogia, com especialização em História pela Unicamp e em
Didática da Educação Básica pela Unesp de Bauru.
Segue abaixo o primeiro texto disponibilizado por Aline, com exclusividade, para a Folha2:
Doce de Abobora
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O doce de abobora traz memórias afetivas para Alice Pereira |
*Aline Aparecida Pereira
Hoje,
fiz doce de abóbora. E o que tem de especial nisso? Para mim e minha família,
um marco!
Minha avó fazia doce de abóbora para os netos e filhos. Ela, já de idade, permitia- se demorar no processo, descascando-a com uma delicadeza sofisticada e cozinhando em fogo baixo, sem pressa. Minha mãe faz doce de abóbora para suas filhas e seus netos também, organizando-o como sobremesa para os almoços demorados de domingo, dispondo-o em refratários de vidros caprichados, o doce de abóbora fica ao lado do doce de leite e dessa forma, saboreá-los juntos, é quase inevitável. Minha sogra faz doce de abóbora com cravo da índia, cozinha-o no fogão à lenha e serve-o aos que sempre ocupam sua casa com alegria ímpar e apetite sem fim.
Hoje, eu quem fiz doce de abóbora, abóbora com coco. Depois de uma jornada de trabalho de oito horas, criança pequena para cuidar e casa por arrumar, paramos, a convite do menino para descascar a abóbora e cozinhá-la com açúcar. Não era domingo, estávamos em casa sem visitas, mas o momento nos levava a ela, a abóbora que havia sido colhida por ele mesmo na casa da “vó do sítio” deveria ser feita com cautela, tratava-se de uma abóbora especial.
Ao descascá-la, fui alertada pelo marido que a casca era dura, e por isso ofereceu sua ajuda; recusei-a, não porque era algo desnecessário, eu precisava de ajuda; recusei-a por orgulho mesmo, minha avó jamais permitiria ajuda de outra pessoa enquanto estava no comando do fogão, então era assim que faria, seguindo as ranhetices dela.
Depois de descascá-la, lembrei-me das falas de outra senhora, doceira de excelência, que dizia: “doce é feito de açúcar, não economize”.
Então, em uma calda de açúcar maravilhosa, acrescentei coco ralado (não por mim), abóbora picada em formatos duvidosamente cuneiformes e fogo baixo. Assim que a calda começou a derreter os pedaços imperfeitos da abóbora, o cheiro de doce quente espalhou-se por toda a casa, e os sorrisos acompanharam a doçura do aroma espalhando-os como uma mágica.
Como estava ocupada no preparo do doce, o marido se dispôs a fazer o jantar e abriu um vinho, era a epopéia do meu dia! Fechei meus olhos, senti o cheiro de doce, um fim de tarde com vinho, meu filho orgulhoso de sua mãe que sabe fazer coisas difíceis, jantar sob a preocupação da pessoa que me ama… que cena, meus amigos! Vi-me em um momento celestial!
Eu precisava fazer o doce! Não precisava de comê-lo, mas prepará-lo. Por qual motivo? Queria ser como minha mãe, avó e sogra? Gostaria de estar com elas, todas juntas em uma cozinha, conversando e tomando vinho enquanto cozinharíamos e trocaríamos receitas? Ou ainda, porque meu filho precisava de uma mãe que tivesse tempo e devoção para isso?
Na verdade, era isso tudo. O doce de abóbora aproximou-me de algumas das mulheres mais incríveis que dividi a vida! Meu filho entendeu a complexidade de se realizar o que é bom e aparentemente simples, ajudou-me como um bom “atrapalhante” faria. Meu marido cedeu-me tempo e espaço para que curtisse tudo isso, rimos do processo, era o doce mais emotivo que já experimentamos! Não fiz o doce só, estava muito bem acompanhada, minhas memórias e afetos guiavam-me naquele momento. E curtimos, juntos! Hoje, fizemos doce de abóbora.
* Aline Aparecida Pereira é escritora e colaborada da Folha2