 |
| Dom James Roque, bispo emérito da Igreja Anglicana Continuante em Jundiaí |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
A
história de um bispo que foi casado, tem uma filha e é maçom pode parecer
incomum à primeira vista. No Brasil quando se fala de “bispo” naturalmente a
relação feita é com aquele da Igreja Católica Romana, necessariamente
celibatário e quase inacessível ao comum fiel. Também, a questão da separação, chegando
à divergência explícita, entre a Igreja e uma sociedade discreta como a
Maçonaria. O bispo em questão é dom James Antonio Roque, 61 anos, nascido em Lins (SP), criado
em Promissão (SP) e desde 1976 sediado em Jundiaí (SP). Após a sua caminhada
religiosa no seio do anglicanismo tradicional, atualmente é bispo emérito do
Movimento Anglicano Continuante, oriundo historicamente da Igreja da Comunhão
Anglicana nos Estados Unidos da América, uma comunidade eclesial certamente
católica, sem ser romana, e reformada, sem ser evangélica.
Graduado
em Engenharia Civil pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), em
Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo, em
Teologia pela UMESP (Universidade Metodista de São Paulo) e em Pedagogia pela
FIAR (Faculdades Integradas de Ariquemes), o bispo também possuiu pós-graduação
em Teologia pelo Centro Universitário Claretiano, mestrado em Engenharia de
Materiais pela USFr (Universidade São Francisco) e doutorado em
Engenharia Civil pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Também é mestre e doutor em Teologia por seminários de Brasília (DF) e do Rio
de Janeiro (RJ).
Antes
dele se enveredar pelo lado religioso ele atuou, durante oito anos, como
engenheiro na Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e
outros quase 20 anos como engenheiro sênior na CEF (Caixa Econômica Federal).
“Na Caixa éramos responsáveis pela análise e aprovação, além da supervisão das
obras, de grandes empreendimentos, como, por exemplo, um conjunto habitacional
edificado em Franco da Rocha com quatro mil umidades habitacionais”, lembra.
O
Bispo é pai e é maçom.
Sua
filha está com 24 anos e a mãe dele, com 93 anos, é moradora na cidade de
Jarinu (SP), cidade vizinha de Jundiaí. Ambas o acompanharam na sua trajetória
profissional e na sua atuação ministerial religiosa. Para ele, ser pai foi uma
experiência transformadora, oferecendo uma visão mais ampla do mundo, onde a
fé, a paternidade e a vida comunitária se harmonizam. Além disso, o fato de ser
maçom acrescenta uma camada ainda mais intrigante à sua história.
A
Maçonaria, uma sociedade discreta com suas próprias doutrinas e rituais, tem
uma visão filosófica sobre a moralidade e o comportamento humano que, em muitos
aspectos, se alinham com as virtudes cristãs, como o respeito ao próximo, a
busca pela verdade e o aprimoramento pessoal. Em outros aspectos, ele reconhece
que pode haver discordância entre os mais sectários sobre o papel da evolução
pessoal segundo o ensino da maçonaria e a doutrina da Igreja, pois a tolerância
deixa de ser considerada num diálogo pouco exercido. Embora, a relação entre a
Igreja, notadamente no catolicismo romano, para com a Maçonaria sempre foi marcada
por desconfianças, dom James Roque garante que nunca teve problemas de foro
interno sobre as duas instituições.
Para
o bispo, ser maçom pode ter sido uma escolha baseada no seu desejo de promover
a fraternidade e o bem comum, além de um entendimento mais aprofundado da
espiritualidade como esta ensina, sem precisar abdicar em nada das suas
convicções cristãs ortodoxas. Na maçonaria está no Grau 18 dos Altos Graus do
rito maçônico ao qual se vincula e, também, faz parte dos altos graus do Arco
Real maçônico. É membro da Loja Maçônica “Estrela de Jundiaí II”,
jurisdicionada à GLESP (Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo), onde já
ocupou variados cargos. Costuma também frequentar outra loja, a “Guardiões de
Jerusalém”, de outro rito maçônico e de outra potência regular e reconhecida, o
GOP (Grande Oriente Paulista), na cidade de Nova Odessa (SP). Também é membro da Academia Brasileira Maçônica (ABM).
Maçonaria e a Igreja
A
Maçonaria, segundo ele, oferece um espaço para a reflexão filosófica e o
desenvolvimento pessoal, onde valores de solidariedade, da moralidade e da
tolerância podem ser explorados num contexto diferente, e que somam
adequadamente com os preceitos da Igreja. Ele encontrou na Maçonaria um modo de
viver a sua fé de maneira pessoal, à parte das regras do direito canônico e de
posições institucionais, pois sempre procura equilibrar a sua vida sacerdotal
segundo tudo aquilo que é bom e adequado ao ser humano.
Católico
apostólico praticante desde criança, em meados da década de 2000, quando já
atuava como engenheiro na CEF, dom James se deu conta de alguns fatos
incongruentes na comunidade de Fé onde estava. “Vi certas hipocrisias em
algumas pessoas e procedimentos, certamente anti-cristãos, cujos nomes e locais
prefiro não mencionar; assim sendo, resolvi procurar outra vivência de Fé em
comunidade diversa”.
Acabou
enveredando para o ministério ordenado, e fez o bacharelado em Teologia, além
de cursos complementares em anglicanismo e filosofia. Em 2008 foi ordenado ao
diaconato em Araraquara (SP), em 2010 foi ordenado presbítero na cidade de
Bandeirantes (PR). E, em 2013, foi ordenado e sagrado o primeiro bispo brasileiro
da Igreja Anglicana Continuante. Esta ordenação e sagração aconteceu na cidade
de Barranquila, na Colômbia. No Brasil, o bispo dom James Roque organizou a
primeira diocese denominada como Diocese Anglicana do Japih, em Jundiaí.
Movimento Anglicano Continuante
O
Movimento Anglicano Continuante é uma das muitas vertentes da Igreja Anglicana
mundial, com vinculação histórica com a originária Igreja da Inglaterra.
Segundo dom James, a partir da década de 1970 uma ala não pequena da Comunhão
Anglicana, tornou-se liberal e modernista. Isto deu abertura para coisas novas
nas Igrejas nacionais, como a ordenação de mulheres e de homossexuais
praticantes, como padres e bispos. Discordando dessas inovações, não poucos
bispos, clérigos e leigos, como até Igrejas anglicanas nacionais inteiras,
preferiram se opor, a fim de se manter as antigas tradições ortodoxas. O
Movimento Anglicano Continuante, organizado nos Estados Unidos da América, foi
parte dessa corrente de manutenção da Tradição bíblica ortodoxa.
“Não
somos contra as mulheres, mas Jesus Cristo não escolheu nenhuma para ser um dos
seus 12 apóstolos”, ressalta, acrescentando que a mulher tem também o seu papel
relevante na história cristã. “Quando Jesus Cristo estava lá crucificado,
pendente e agonizando na cruz, os seus apóstolos praticamente sumiram todos com
medo de também serem presos e condenados. Mas a mãe de Jesus e outra discípula
atuante dEle, Maria Madalena, além de João, o mais novo dos apóstolos, bem
jovem, estavam lá ao pé da cruz”.
Dom
James explica que naquela época as mulheres não tinham nenhuma importância
perante as leis de Roma e por isso podiam chegar perto de um condenado à pena
da cruz sem sofrer nenhuma condenação. “Essas ordenações de mulheres ao
ministério eclesiástico são inovações do Século 20, pois a Igreja obedeceu e
seguiu à risca por vinte séculos a Tradição primitiva, sem que houvesse nenhuma
contestação pelos bispos, clero ou fiéis leigos e leigas”. Quanto aos
homossexuais, a Igreja não os condena como pessoas, ao contrário. Porém, no
caso de ser praticante e de forma pública, pode e, muitas vezes, causa
escândalo entre os fiéis quando são ordenados. A Escritura e a Tradição da
Igreja são claras quanto ao tema, portanto, mais que uma disciplina é uma
ordenança a ser seguida pela Igreja.
.
 |
Dom James Roque (Bispo Emérito), Dom Theodoro e Dom Frederick Haas (Baden Baden Alemanha), durante recente encontro da Igreja Anglicana no Brasil
|
 |
| Dom James Roque é autor da tradução do Livro Culto Divino, que pode ser adquirido clicando aqui |
 |
Em
2017, o Príncipe Dom Rosário de Saxe Coburgo e Bragança, o 22º Duque de
Bragança, chefe da Casa Real de Saxe Coburgo e Bragança, concedeu o título nobílico
de Conde Roque de Japi para dom Jame Antonio Roque |
.
