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Prédio do Palácio dos Bandeirantes foi planejado na década de 1930 para ser uma universidade bancada pela família do Conde Matarazzo |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
Construído para abrigar uma universidade que nunca saiu do papel, o Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, já recebeu 19 governadores desde quando foi inaugurado em 1964. Ponto de referência para prefeitos, vereadores e deputados paulistas, poucos que o visitam sabem das dimensões da sua história.
O projeto inicial, idealizado em 1938 pelo arquiteto italiano Marcelo Piacentini, apresentava linhas abstratas, muros lisos e ampla fachada. Tinha sido projetado por ordem de Francisco Matarazzo Júnior, figura de destaque no cenário cultural paulistano e herdeiro das famosas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (IRFM) para abrigar uma universidade da então recém criada Fundação Conde Francisco Matarazzo. A obra iniciou-se em 1954, sob direção do engenheiro Francisco da Nova Monteiro. Mas no meio do caminho faltou dinheiro e a poderosa IRFM entrou em crise financeira.
O prédio erguido pela família Matarazzo para abrigar uma faculdade que nunca foi inaugurada acabou virando moeda de troca. O governador Adhemar de Barros perdoou a dívida do grupo familiar em impostos, que teria atingido na época 2,1 bilhões de cruzeiros (hoje cerca de 13,9 milhões de reais), em troca do imóvel. Até então a sede do Governo de São Paulo funcionava no Palácio Campos Elíseos, na Praça da República.
Fachada imponente com 163 metros de largura
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A fachada do Palácio dos Bandeirantes possui quase dois quarteirões de largura |
Na fachada do prédio, em estilo grego-romano, com 163 metros de largura, estão em destaque 14 esculturas de 2 metros de altura que representam temas e personagens da história de São Paulo, como o jesuíta José de Anchieta, a imigração, o café e a Revolução de 32. As três estátuas femininas de 3 metros de altura, criadas por Gian Domenico de Marchis, fazem alusão à economia, às ciências e às finanças. Na entrada há duas esculturas de cavalos, de bronze, de Irineu Martinelli.
A área total construída do Palácio dos Bandeirantes é de aproximadamente 21.000 metros quadrados. A área do terreno é de 125.000 metros quadrados. São várias salas, gabinetes e quartos distribuídos por três pavimentos. Trabalham no local cerca de 1900 pessoas, entre funcionários de carreira, comissionados e profissionais terceirizados.
As colunas frontais são cobertas de pedra mineira, a mesma usada normalmente em torno de piscinas. Já a forração das paredes dos gabinetes de primeiro escalão é de louro encerado, imitando jacarandá.
Há cerca de 3.500 obras de arte dentro do palácio. Entre elas estão trabalhos de Tarsila Amaral, Candido Portinari, Tomie Ohtake e peças do período colonial, com a São José de Botas, uma escultura de Aleijadinho, famoso artista mineiro.
Em 1989 o hall de entrada do palácio foi decorado com o painel Tiradentes, criado em 1948 por Candido Portinari. Mas a obra foi doada ao Memorial da América Latina e o ex-governador Orestes Quércia promoveu um concurso para escolher o novo painel. O vencedor foi um quadro de Antônio Henrique Amaral, que tem como tema “São Paulo: Criação, Expansão e Desenvolvimento”.
Inauguração quase desértica em 1965
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Adhemar de Barros quando despachava no Palácio dos Bandeirantes em 1965 |
O palácio ganhou a denominação “Bandeirantes” em homenagem aos pioneiros que expandiram as fronteiras brasileiras. Em 22 de abril de 1965, o palácio foi inaugurado como nova sede do Governo de Estado, em solenidade com a presença de alguns populares. A maioria teve dificuldades para chegar ao local, que devido aos dias de chuva que antecederam a inauguração dificultou a chegada das pessoas. Naquela época não havia linhas regulares de ônibus e o acesso até o Morumbi era de terra.
Em seu discurso, Adhemar de Barros falou sobre a mudança da sede de governo para um lugar bucólico. “Ela deveu-se à necessidade de se obter um pouco mais de conforto para quem necessita de calma para meditar e resolver os problemas de quinze milhões de brasileiros”, disse, em referência à população do Estado naquela época. Ele ironizou o fato do local ser tão afastado do centro da cidade que quase não havia ninguém por perto. “Trata-se de nos colocarmos um pouco fora do bulício da cidade, para produzir mais. Aqui eu posso ficar em paz, posso caminhar sem que ninguém me peça dinheiro ou emprego”.
O prédio, na verdade, foi inaugurado ser estar totalmente pronto. O auditório estava inacabado e somente pode ser usado na gestão do governador Abreu Sodré em 1967.
Histórias de assombrações no palácio
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Corredores sombrios e escuros do palácio suscitam histórias de assombrações |
Há muitas histórias de assombração contadas como lendas por quem conviveu de perto, ao longo desses anos, com o Palácio dos Bandeirantes. Funcionários mais antigos juram que, em certas noites, nos corredores desertos e intermináveis da ala residencial, era possível ouvir a voz do ex-governador Adhemar de Barros, que governou São Paulo entre 1963 e 1966 e foi o primeiro governador a morar no local. Barulhos de passos e portas batendo também seriam comuns, segundo esses relatos, desmentidos, no entanto, por várias vezes pelo então diretor de infraestrutura, Nelson Essaki. “Isso não existe não”, disse Essaki, quando questionado em entrevistas.
Assombração ou não uma coisa é fato: desde que a sede do governo se transferiu para o Palácio dos Bandeirantes, em 1964, nenhum de seus ocupantes chegou à Presidência da República. A começar por Adhemar de Barros, que teve o mandato cassado pelo regime militar em 1966. Paulo Maluf, Orestes Quércia, Geraldo Alckmin e José Serra disputaram e perderam as eleições para presidente. O que chegou mais próximo é Geraldo Alckmin que ocupa o cargo de vice-presidente da República.
As dimensões históricas do palácio
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Palácio dos Bandeirantes abriga 270 salas num espaço de mais de 27.000 m² de construção |
Como todo palácio, o Bandeirantes tem muitos corredores e ambientes. São 270 salas. Só na ala residencial são 15 cômodos de grandes dimensões, onde fica um piano de cauda e vários sofás de couro. Alberto Goldman, que ficou pouco meses como governador, costumava tocar ali algumas obras nas horas vagas. Goldman preferiu, no entanto, continuar morando em seu próprio apartamento, em Higienópolis. “Seria muito trabalho mudar para ficar tão pouco tempo”, justificou o ex-governador.
O ex-governador Claudio Lembo disse certa vez numa entrevista que a ala residencial do Bandeirantes parecia “um hotelzinho de segunda categoria decadente”. “É um conjunto de erros, com móveis demais, todos desgastados e envelhecidos”.
Entre os visitantes famosos estiveram o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, em 1984, o príncipe Charles e a princesa Diana, em 1991, e o Papa bento 16, em 2007.
Quando Mário Covas foi governador um sósia dele, o funcionário Plínio Augusto de Camargo, fazia as vezes de “duble” do governador nas recepções de visitas de estudantes ao local. Certa vez, ele passou apertado, ao ponto de quase ser agredido, ao ser confundido de verdade com o governador em uma manifestação na rua. Em 2002, a escola de samba Leandro de Itaquera fez um desfile em homenagem a Covas, falecido no ano anterior, e Plínio foi destaque. Emocionado, começou a passar mal na dispersão e morreu pouco depois, aos 62 anos.
O português naturalizado brasileiro Anibal Fernandes trabalhou na mudança de sede de governo foi considerado como o funcionário que mais tempo trabalhou no local. Saulo Menezes é considerado como o primeiro morador do local. Com sua mãe e irmãos, mudou-se para o terreno na década de 60. “Dona Leonor, mulher de Adhemar de Barros, ofereceu-nos uma casinha de madeira, que hoje não existe mais”, conta Saulo, dizendo ter sido despejado na primeira gestão de Laudo Natel.
Dentro do palácio funcionam dois restaurantes, que abrigam até 321 pessoas e preparam cerca de 1000 refeições diárias. Estima-se que sejam servidas diariamente mais de 2.000 xicaras de café por dia. Café, representado no brasão oficial do Estado, não pode faltar porque simboliza o desenvolvimento de São Paulo.
A frota palaciana é composta por 280 veículos, entre carros, caminhões, tratores e viaturas. Dentro da área do palácio funciona uma creche que atende 60 crianças de até 6 anos, todas filhas de funcionários.
Banheiros e esgoto tratado
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Hall de entrada do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo |
Parte do esgoto do Palácio é tratado e despejado no córrego Coimbra e outra parte direcionada, por tubulação, até a estação de tratamento em Barueri. O Palácio dos Bandeirantes, ao contrário dos palácios medievais, é bem equipado com banheiros. Ao todo são 285 vasos sanitários, o que perfaz um vaso sanitário para cada seis pessoas que ali trabalham.
No imenso jardim, nos arredores do palácio, estão algumas árvores plantadas por personalidades importantes. Algumas delas possuem placas com os nomes das pessoas que as plantaram, como Loyola Brandão e Luisa Mell. É tradição que todo governador plante ali uma muda de árvore nativa brasileira.
O Centro de Estudos Ornitológicos da USP (Universidade de São Paulo) identificou 46 espécies de aves no jardim, como o pica-pau amarelo, o joão-de-barro, a corujinha do mato e o sabiá laranjeira.
Bandeiras retiradas para arejar o local
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Auditório Ulysses Guimarães no Palácio dos Bandeirantes em São Paulo |
No auditório do palácio cabem 900 pessoas sentadas. Mas em geral o número de convidados passava de 1.300 e deixava o ambiente muito quente, provocando desmaios e mal estar nas pessoas.
Até pouco tempo o auditório tinha mais de 600 bandeiras de pano penduradas nas laterais, representando cada município do Estado. Como elas contribuíam para tornar o ambiente mais abafado, além de fiarem apodrecias e sujas com muita rapidez, a direção resolveu retirá-las para tornar o ambiente mais arejado. Atualmente o auditório possui apenas duas bandeiras: a do Brasil e a de São Paulo.
Histórias e boas lembranças
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O Palácio dos Bandeirante é enfocado em três livros, disponíveis nas principais livrarias |
Os funcionários mais antigos lembram das histórias que até hoje permeiam o imaginário do corpo de servidores. A cerimonialista Chistine Starr guarda tantas histórias sobre o local que, em 2013, resolveu lançar um livro de memórias. Ela trabalhou por 36 anos no local e foi encarregada de organizar as visitas de delegações internacionais no Palácio dos Bandeirantes.
“Passei muito tempo da minha vida dentro do Palácio”, contou Christine, numa matéria publicada no site do Governo. “Tenho orgulho da nossa sede. É um monumento belíssimo, com uma vasta galeria de obras de arte e com muitas histórias. Só tenho boas lembranças. Minha vida foi muito rica lá dentro”.
O cardápio de histórias de Christine é extenso. Ela lembra de detalhes de visitas de figuras como a do presidente norte-americano Ronald Reagen, em 1982, com forte esquema de segurança que contou com atiradores de elite e cachorros rastreadores.
Entre as histórias contadas no livro está a visita de Nelson Mandela, em 1991, quando teve ser amparado, devido ao frio intenso da capital paulista naqueles dias, por um casaco emprestado pelo então governador Luiz Antônio Fleury. Antes de embarcar de volta, já dentro do avião, o líder sul-africano se lembrou da blusa emprestada e voltou para devolvê-la a Fleury, que já imaginava ter “perdido” o casaco.
Visitas monitoradas
As visitas ao Palácio dos Bandeirantes precisam ser agendas e podem ser feitas, de segunda à sexta-feira, das 10h à 16h. Ao sábados somente para grupos acima de 10 pessoas, das 10h às 14h.
O agendamento prévio é necessário para todas as visitas. Todas visitas, que demoram cerca de 1 hora e meia, são acompanhadas por monitores do palácio. No caso de eventos oficiais, as visitas poderão ser canceladas. O agendamento é realizado somente através do e-mail monitoria@sp.gov.br . Para mais informações sobre visitas ao Palácio dos Bandeirantes, ligue para (11) 2193-8282.
Veja regras para agendamento e visitas clicando aqui
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São José de Botas, obra de Aleijadinho no palácio |
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Hall principal de entrada do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo |
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Entrada para um dos auditórios do Palácio dos Bandeirantes |