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O imponente e robusto caminhão FNM era um produto genuinamente brasileiro |
Nelson Gonçalves, especial para a Folha2
A sigla FNM nos anos 1950 e 1960 era sinônimo de
caminhão no Brasil. O nome “fenemê”, como os brasileiros chamavam a marca, teve
origem em 1942 quando no auge da Segunda Guerra Mundial a Fábrica Nacional de
Motores (FNM) foi criada pelo governo brasileiro para produzir motores de
aviões. Era destinada para dar suporte aos aviões norte-americanos que cruzavam
o oceano Atlântico em busca de armas e munições para o combate às nações
inimigas. A iniciativa foi aprovada pelo presidente Getúlio Vargas, que deu
total apoio à fábrica.
A FNM era, na verdade, uma estatal do governo
brasileiro. Primeira indústria automobilista do Brasil, foi criada em 1942 em
Xerem, distrito industrial da cidade de Duque de Caxias, no estado do Rio de
Janeiro, para ser fábrica de motores de avião. Idealizada pelo general
brigadeiro Antônio Guedes Muniz, que dirigiu a criação e a fase inicial de
operação e se tornou diretor-presidente da empresa. Muniz estudou engenharia na
França e trabalhou na Caudron, empresa francesa fabricante de aviões. Criada no
bojo dos acordos entre o Brasil e os Estados Unidos sobre a cessão de bases aéreas
e militares nas regiões Norte, em Barreiras, na Bahia e no Nordestes brasileiro,
em Natal, no Rio Grande do Norte, a FNM após o fim da Segunda Guerra Mundial mudou
sua plataforma industrial para produzir caminhões. Ela produzia não só motores,
como o caminhão inteiro com robusta carroceria.
FNM cria a Cidade dos Motores
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Uma verdadeira cidade, com toda infraestrutura necessária, foi criada pela FNM |
A sede da FNM foi batizada de “Motor City” (Cidade
dos Motores) pelos norte-americanos e tinha sido projetada como uma inovadora cidade
autossuficiente. Começou a ser construída em 1943, em um local com mais de 1,5
milhão de metros quadrados em Xerém, na cidade de Duque de Caxias (RJ). Foi na época
e talvez até hoje uma das maiores obras já construídas no Brasil. Tinha dimensões
imensas, com instalações ultra modernas para atender mais de 15 mil funcionários.
Era espaço e quantidade de funcionários para fazer inveja a qualquer montada de
veículos de hoje.
Havia espaço de sobra porque o projeto inicial
tinha sido elaborado para 25 mil funcionários, com infraestrutura completa para
atender os trabalhadores e suas famílias. Dentro da imensa área da Cidade dos
Motores havia armazéns, escolas, ambulatórios médicos, consultório odontológico,
cinema, área de esportes com quadras e campo de futebol, e até a Igreja de
Nossa Senhora das Graças. Tudo seguindo o novo modelo das cidades industriais
planejadas dos Estados Unidos.
O perímetro do empreendimento foi considerado como
área de segurança nacional e foi aplicado o regulamento das Forças Armadas.
Seus trabalhadores recebiam um certificado de serviço militar, o que
significava que eles eram trabalhadores “embutidos’ ao exército brasileiro e o
abandono do emprego era considerado como deserção. A FNM se expandiu ainda mais
quando ingressou no ramo de caminhões e começou a conquistar o mercado em
países vizinhos. Ela fez um acordo com a empresa italiana Isotta-Fraschini. A
FNM montava caminhões, introduzindo seus motores sobre o chassi italiano e
vendia como FNM D-7300 no mercado local. A Isotta-Franschini faliu em 1951 e a
FNM fechou então acordo com a estatal italiana Alfa Romeo.
Em 1958 a Alfa Romeo começou a produzir sua
própria linha de caminhões e a FNM, muito mais estruturada, comprou os direitos
de produção das linhas 430 e 900, chamadas no Brasil de FNM D-9500 e FNM-11000.
Com carroceria especifica projetada por desenhistas brasileiros e com foco nas
necessidades do mercado local os caminhões da FNM se tornaram líderes do mercado.
Os modelos produzidos pela FNM foram rapidamente
aceitos, pois apresentavam diversas vantagens ao mercado local, como ter ampla
cabine com duas camas e com estrutura imponente e robusta. O FNM foi o primeiro
caminhão pesado do Brasil e se tornou figura popular e fácil de ser encontrado
nas estradas, marcando presença nas obras de construção de Brasília. Com seu
abrutalhado e o som grave do motor a diesel de seis cilindros era inconfundível
nas estradas.
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Caminhões eram produzidos em série na fábrica da FNM na Cidade dos Motores |
Ônibus e automóveis
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O FNM 2150 era um sedã brasileiro de luxo, refinado e com o toque da Alfa Romeo |
Além dos caminhões FNM, chamados de gigantes sobre
rodas, também foram produzidos chassis e motores para ônibus. A empresa foi
apelidada pela população brasileira de “Fenemê”, como na grafia das iniciais da
sigla FNM. Não dúvidas, segundo os registros fotográficos da construção de
Brasília, que os caminhões da FNM foram os protagonistas no transporte dos
tijolos, cimento e ferragens para a construção da capital brasileira. Os
caminhões FNM, segundo os motoristas da época, eram “pau para todo tipo de
obras”. Ele aguentava todos os trancos e barrancos das nossas estradas. Era
considerado como um verdadeiro mito para enfrentar as estradas ruins da época.
O governo brasileiro, sob o comando de Juscelino
Kubitschek, iniciava em 1956 projetos para atrair o estabelecimentos
norte-americanos para o Brasil, como a Willys Overland, Ford, General Motors e
as europeias Isetta, Auto Union, Volkswagen e Fiat. Em 1960, em comemoração à inauguração
de Brasília e já temendo a concorrência, a FNM lançou seu primeiro automóvel,
batizado de FNM JK 2000, em uma homenagem ao presidente Juscelino Kubitschek. O
veículo foi reestilizado em 1969 e renomeado como FNM 2150. Era um sedã que foi
produzido até 1973 e tornou-se uma espécie de sonho de consumo para alguns
brasileiros. Porém o carro nunca obteve a mesma simpatia dos caminhões da
marca, que viraram sinônimo de caminhão e coisa grande. Quando alguém queria se
referir a uma pessoa de estatura grande dizia: “Fulano parece um Fenemê”. A jornalista Gisele Faganello conta que o seu pai quando se referia a alguma mulher feia, falava que "parece um Fenemê".
Em 1968, quatro anos após assumir o poder, o regime
militar do Brasil resolveu privatizar a FNM. Os militares nunca tiveram muita
simpatia pela fábrica que homenageou o ex-presidente JK batizando um veículo
com o seu nome. A FNM posta à venda foi adquirida pela Alfa Romeo e, em 1977,
foi comprada pela Fiat, que passou a fabricar o caminhão pesado FNM 180 em
Xerem por mais dois anos. Depois abandou a marca FNM e passou a produzir
caminhões com sua própria marca, Fiat Diesel, até 1985.
Antes de a operação ser encerrada, a unidade de
Xerem chegou a produzir caminhões com a marca Iveco, destacando-se o Iveco 80,
o Iveco 190 H e o Iveco Turbo Diesel.
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Oswaldo Strada, apaixonado pela marca, possui a
maior coleção de FNMs no país |
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Assim como as antigas DKVs dos anos 60, alguns modelos
dos caminhões FNMs tinham as portas abrindo pelo lado contrário |
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Nessa foto de Camilo Fontana a frente desse FNM lembra
a de uma locomotiva |
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O robusto FNM era sinônimo de caminhão no Brasil |
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Funcionário na linha de montagem coloca a grande com a marca FNM no caminhão
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