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Rádio Dirceu de Marília: nome foi sugerido por Juscelino Kubitscheck

Microfone, conhecido como "latinha de alumínio", era padronizado  com o nome da emissora e utilizado para as coberturas externas da Rádio Dirceu de Marília

Nelson Gonçalves, especial para a Folha2

 Por sugestão de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, que na época nem presidente era e atuava como governador de Minas Gerais, a nova rádio que deveria ser inaugurada em 1953 em Marília deveria levar o nome de Rádio Dirceu de Marília. O deputado federal Miguel Leuzzi, dono da Rede Piratininga de Emissoras, muito amigo de Juscelino, e a quem estava sendo dada a concessão para o funcionamento da nova rádio, lógico, concordou de imediato com o nome sugerido.

 Juscelino era mineiro de Diamantina e apaixonado pelas histórias da Inconfidência Mineira, onde o poeta Thomaz Antônio Gonzaga usava do pseudônimo “Dirceu” para escrever cartas apaixonadas para sua amada Maria Doroteia, identificada nas cartas com o pseudônimo de “Marília”. Ao entregar a Juscelino o pedido e a documentação para a instalação de uma nova rádio na cidade de Marília, localizada no interior paulista, o deputado foi bem recebido pelo Juscelino, que era amigo do ministro da Viação, Comunicação e Obras Públicas, Álvaro de Souza Lima, seu conterrâneo de estado, a quem o deputado e o governador pediriam a liberação da rádio. Devido ao seu magnífico currículo, Souza Lima foi nomeado ministro por Getúlio Vargas. Depois foi nomeado por Juscelino como presidente da Central Elétrica de Furnas, onde permaneceu no cargo até falecer.

O governador de Minas Gerais se referiu ao fato de o nome de Marília significar um dos símbolos da Inconfidência Mineira, retratada no livro “Marília de Dirceu”, uma das mais importantes obras do poeta e militante político Thomaz Gonzaga, amigo do alferes e dentista Joaquim José da Silva Xavier, o popular Tiradentes.

Ambos passaram a relembrar a história do inconfidente apaixonado pela nobre Marília, a quem Dirceu dedicou seus históricos poemas, escritos em cativeiros africanos. “Foram os mais apaixonados versos que alguém poderia escrever à sua amada”, teria dito Juscelino, durante a conversa com o deputado Miguel Leuzzi.

Após concordância de Leuzzi, ao escrever uma carta ao ministro, o governador fez novamente a recomendação irrecusável de que desejava ver a emissora funcionando com o nome de Rádio Dirceu de Marília, em homenagem ao poeta de amor e liberdade.  

Inauguração

No último andar do edifício Marília funcionava um restaurante panorâmico onde foi servido um banquete para todos os artistas e políticos convidados para a inauguração da rádio

Assim no dia 15 de novembro de 1953, em pleno feriado nacional, uma caravana, composta por radialistas, artistas e políticos de São Paulo, chegava de trem para apresentar um grande show, seguido de um banquete no restaurante que ficava no décimo e último andar do Edifício Marília, na época o prédio mais alto da cidade, localizado na esquina da rua Nove de Julho com a avenida Sampaio Vidal. O deputado Miguel Leuzzi, paulista de nascimento, era o principal acionista da Rede Piratininga, que chegou a ter mais de 50 emissoras espalhadas na capital por cidades do interior paulista. Entre elas estava a famosa Rádio Mayrink Veiga, emissora carioca que ficou conhecida como reduto dos artistas da “Era de Ouro do Rádio”. A Rádio Difusora de São Paulo, que pertencia ao grupo, revelava Eli Correia para o mundo.

“Parece que finalmente a tão decantada estação de rádio sai dos campos de projetos para a realidade”. Assim o jornal Alto Cafezal anunciava a nova rádio para os marilienses.

Miguel Leuzzi era médico e político muito influente naquela época. Em 1963 seu filho Miguel Leuzzi Filho casou com Maria Thereza dos Reis, filha do brigadeiro Júlio Américo dos Reis. Um dos padrinhos do enlace foi o presidente da República, João Goulart. O casamento realizado no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em Campos Elíseos, em São Paulo, contou com a presença de figuras marcantes do mundo artístico e político do país. Além do presidente da República, também estava presente o governador Carvalho Pinto.  

 Logo após o golpe militar, o nome de Miguel Leuzzi aparecia entre os deputados que tiveram o mandato cassado pelo Ato Institucional nº 1. Dizem que o nome dele foi colocado na lista por engano. Na verdade, queriam cassar os direitos políticos do seu filho, cujo nome era idêntico. O presidente do Senado, Auro de Mouta Andrade, tentou intervir, mas o presidente Humberto Castelo Branco não quis voltar atrás em sua decisão.

Miguel Leuzzi faleceu em 1975 em São Paulo. Deixou a viúva, dona Lina Giorgi Leuzzi, e seis filhos. Antes de falecer, dona Lina doou, em 1998, a antiga locomotiva, fabricada em 1839, de propriedade da família, para a Prefeitura da Estância Turística de Paraguaçu Paulista. Em sua homenagem o Centro Cultural e Histórico e a locomotiva, tipo Maria Fumaça, foram batizados com o seu nome.

 Concurso do slogan

Slogan "Marília, símbolo de amor e liberdade" até hoje estampado no Paço Municipal foi escolhido por meio de concurso promovido pela Rádio Dirceu. 

  O Slogan da cidade, pintado na fachada do Paço Municipal, “Marília, símbolo de amor e liberdade”, surgiu em um concurso promovido pela emissora. A frase faz parte da música "A Mulher e a cidade", composta por Moraes Moreira para homenagear a cidade e a esposa dele que chamava Marília. Os programas de auditório da Rádio Dirceu de Marília foi, durante muitos anos, destaque em sua programação. Grandes nomes passaram por seus microfones. Uma espécie de fã clube foi constituído, reunindo declamadores, pianistas, músicos e cantores, amadores ou não, para demonstrarem seus talentos nos microfones. Era um programa de grande sucesso.

A cidade de Marília se notabilizou por exportar grandes locutores esportivos. O maior de todos foi Osmar Santos, natural de Oswaldo Cruz e revelado na cidade com passagens pelas rádios Clube e Dirceu de Marília. Se destacou na Rádio Globo de São Paulo. A voz do narrador marcou o título do Campeonato Paulista de 1977, vencido pelo Corinthians. Outra narração lembrada até hoje foi do primeiro título mundial do São Paulo, em 1992, contra o Barcelona, no Japão. Mas o que marcou mesmo a carreira de Osmar Santos foi a campanha nacional pelas Diretas Já. Ele ficou conhecido como o “locutor das Diretas” por apresentar os comícios, por todo o Brasil, que reunia as maiores celebridades artísticas e políticas daquela época.

Outros nomes importantes do rádio também passaram pela Dirceu. Entre eles Valter Rangel, José Luiz Menegatti, Luiz Rivoiro e Miguel Neto. Dirceu Maravilha, até hoje no ar na Bandeirantes em São Paulo, também foi outro nome consagrado pela emissora. Regina Lara, primeira voz feminina no rádio, e Takeo Nakazawa, primeiro locutor japonês, também tiveram passagens pela Dirceu.

 Rádio Dirceu levava ao ar todos os dias a noite o programa Pérolas do Oriente. Apresentado por um locutor com forte sotaque japonês, o programa apresentava as músicas tradicionais e de sucesso no Japão.

 Incêndio e lacração

Agentes e viaturas da Polícia Federal bateram na porta da sede da CMN e lacraram os transmissores das rádios Dirceu AM e Diário FM (foto:Romeu Neto)

A emissora depois foi vendida, no final da década de 1970, para o empresário José Nelson de Carvalho, que era dono também da rádio Terra Branca de Bauru e montou na cidade o jornal “Diário de Marília”. Porém tanto o jornal como a emissora começaram a entrar em decadência e o empresário vendeu. Inicialmente para Carlos Antônio Monteiro, então reitor da Unimar (Universidade de Marilia) que tomou a frente dos negócios. Um grupo de fora também tomou conta por certo período do jornal. Alcides Matiuzzi, ex-prefeito de Bariri e dono do grupo Tangará,  também assumiu por determinado período o controle acionário da Rádio Dirceu de Marília e da Rádio Tangará FM. Nesse período se destacaram na emissora Hailton Medeiros, um um jornalista contundente, e Cido de Almeida com o programa Canta Brasil. 

Até que, depois de muitas idas e vindas e troca de comando de direção, a emissora e o jornal Marília Notícias foram parar nas mãos do ex-prefeito Abelardo Camarinha, que se utilizava de “testas de ferro” para estarem a frente do conglomerado de emissoras e jornal que formavam a CMN (Central Marília de Notícias), que além da Dirceu e do jornal, também reuniu num mesmo prédio a Rádio Diário FM. Depois de muitas brigas na justiça pelo controle acionário do grupo, um incêndio, no dia 7 de setembro de 2005, depois constatado como criminoso, destruí cerca de 60% das instalações das duas rádios e do jornal.

Em agosto de 2016, as emissoras foram alvos da Polícia Federal e tiveram seus transmissores lacrados. O Ministério das Comunicações cassou as concessões tanto da Rádio Dirceu AM como da Rádio Diário FM. E o jornal sucumbiu na mesma época, encerrando as atividades.

 Jô Fabiano

Jô Fabiano foi locutor com maior audiência em todos os tempos da Rádio Dirceu

João   Fabiano Pires, o popular Jô Fabiano, ao terminar o Tiro de Guerra, no início dos anos 80, saiu de Garça, sua cidade natal, para levar currículo em duas emissoras de rádio que fizeram história no setor em Marília. Na Rádio Clube entregou para o gerente Octávio Lignelli e na Dirceu para o gerente Santo Seno Neto. Ganhou elogios nas duas e uma vaga na segunda. Se tornou líder de audiência no rádio e ficou conhecido pelos concorrentes e depois também por alguns adversários políticos como o “TED – Terror das Empregadas Domésticas”

 Ao receber o título de Cidadão Mariliense, proposto pelo vereador Wilson Damasceno, em 2018, Jô Fabiano lembrou com carinho das centenas cartas dos ouvintes que recebia diariamente. A popularidade no rádio foi tanta que ele foi convidado, em 1992, para ser candidato a vice-prefeito na chapa do promotor aposentado Salomão Aukar. Como o nome do radialista era super conhecido e do promotor totalmente desconhecido pela primeira vez na história política o nome do candidato a vice ia na frente e sobressaia em termos de tamanho nas propagandas eleitorais, que traziam os nomes de “Jô e Salomão”. Foi uma eleição bastante concorrida. Mas venceram o ex-prefeito Abelardo Camarinha com diferença de 8.000 mil votos.


Osmar Santos, o locutor conhecido como o "pai da matéria", se despontou na Rádio Dirceu

José Luiz Menegatti, que durante muitos anos apresentava o jornal do horário do almoço da TV Record, apelidado como "jornal da tosse", começou sua carreira na Rádio Dirceu


Casamento do filho do dono da Rádio Dirceu, Miguel Leuzzi Filho, teve o presidente da República João Goulart e o governador de São Paulo, Carvalho Pinto, como padrinhos

Deputado Miguel Leuzzi (a esquerda) conversa com o presidente João Goulart, durante o casamento do filho Miguel Leuzzi Filho no Santuário Sagrado Coração em Campos Elíseos, em São Paulo

Logotipo que identificava a Rádio Dirceu de Marília

Auditório da Rádio Dirceu onde aconteciam os programas de calouro

Miguel Neto, que foi gerente da Rádio Dirceu de Marília, durante a Noite dos Pioneiros no Teatro Municipal, relembrou de várias passagens interessantes da emissora

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