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Vista área da cidade de Borá, o menor município do estado de São Paulo |
Nelson Gonçalves, Especial para a Folha2
Borá é o menor município do estado de São Paulo. No Censo de 2022 registrou 907 moradores. Já foi também o menor do Brasil, mas perdeu esse lugar no ranking, nos últimos 10 anos, para a pequena Serra da Saudade (MG), que desde 2013 registra 833 habitantes. Do Brasil, Borá é a segunda menor cidade.
Borá possui 32 ruas e não possui semáforo. Tem um certo ar de fazenda, onde todos se conhecem e seus moradores constituem uma grande família. Uma calmaria paradisíaca envolve os visitantes que chegam ao local. É bastante comum ver carroças ou homens montados a cavalo transitando pelas ruas.
Uma pequena lanchonete, o imponente prédio da prefeitura, o único edifício de dois andares onde também funciona, no andar superior, a Câmara Municipal, chama a atenção. Na praça, fincada no quadrilátero central, está instalada a igreja de Santo Antônio, santo padroeiro do lugar, chama a atenção uma pia com água encanada e uma torneira de metal reluzente. Certamente se fosse numa cidade maior essa torneira não estaria mais intacta no local.
Memórias afetivas
Esse repórter sempre escutou histórias e memórias afetivas sobre Borá. Isso pelo fato de sua mãe, Maria Júlia Gonçalves, ter nascido no bairro do Campinho, em Borá, quando o lugar era ainda distrito de Paraguaçu Paulista. Seu avô materno, o português Faustino Gonçalves, chegou por volta de 1919, junto com outras famílias portuguesas, para ajudar a desbravar o local. Uma prima conta que o avô teve uma grande decepção no lugar.
Segundo Miltes Gonçalves, ela sempre ouvia de seu pai, Silvino, filho primogênito da família Gonçalves, que Faustino tinha vendido umas terras e guardado todo o dinheiro recebido num grande cofre. Mas quando foi a noite, bandidos, talvez informados pelos compradores, chegaram na casa, renderam a família e levaram todo o dinheiro. Desgostoso, o avô caiu em depressão e resolveu mudar-se para Marília, onde viveu até os últimos dias de sua vida.
Outra nítida lembrança do repórter é do comerciante e sitiante Luiz Mérci, sogro do comerciante Jacómo Querino, dono do único armazém de "secos e molhados" do local. Luiz Mérci o levou, ainda criança, para conhecer as propriedades da família. Dirigindo uma perua Rural Willys ao passar por uma pinguela, o sitiante errou a pontaria das rodas nas tábuas da pinguela e o veículo caiu nas águas do pequeno riacho. Foi também a primeira vez que experimentou na vida a salada de repolho verde, temperada com pimenta do reino e vinagre.
Terra dos aposentados
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Jornalista Celso Pelosi, depois de 48 anos fora, resolveu voltar às origens |
A maioria das pessoas que chega à cidade é aposentada. Não apenas pelo sossego, mas pela baixa variedade de empregos. Segundo dados do Censo, Borá possui três pequenas indústrias e menos de 20 estabelecimentos comerciais. Boa parte dos moradores, cerca de 200, trabalha em uma usina de açúcar e álcool em Paraguaçu Paulista, município vizinho.
O jornalista Celso Pelosi, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo e considerado com um dos filhos mais ilustres da cidade, é um dos que após se aposentar, depois de 48 anos trabalhando fora, voltou para morar em Borá. “O que me trouxe de volta à Borá é que Borá nunca saiu de mim”, declarou, recentemente numa entrevista para uma emissora de televisão. “Eu sai de Borá para trabalhar fora, mas Borá nunca saiu do meu coração”. Por onde ia, Pelosi nunca escondeu ter nascido em Borá. E tinha orgulho em falar “ter nascido no menor município do Brasil”. Assim o fez na abertura de seu discurso, quando recebeu o título de Cidadão Honorário de São José do Rio Preto.
Elizabete da Costa é outra moradora que trocou a vida agitada de São Paulo, a maior cidade da América Latina, para viver em Borá. “Parece uma cidade de boneca, muito calma e tranquila”, frisa. “Onde eu morava antes, em São Paulo, a gente vivia com medo e com a casa toda trancada”.
O pedreiro José Luiz Moraes, depois de morar 30 anos em Marília, escolheu o sossego e calmaria de Borá para morar. “Quando cheguei aqui, pensei que tinha chegado no paraíso de tão sossegado que é o lugar”, afirma, referindo-se ao fato de todos dormirem com as portas e janelas abertas.
Na Delegacia de Polícia faz anos que não se registra nenhuma ocorrência policial. As duas celas da carceragem do prédio da Delegacia estão desocupadas há muito tempo. Atualmente servem apenas para guardar uma motocicleta e duas bicicletas apreendidas. Como todos moradores se conhecem, eles se auto ajudam no policiamento preventivo. Ao menor sinal de perigo, eles se comunicam imediatamente entre si.
Duas irmãs, Aparecida e Maria Lúcia Merci, vivem em casas, uma ao lado da outra, na pacata cidade. Elas são netas de João Merci, um dos pioneiros que hoje empresta o nome para uma das principais ruas da cidade. As duas possuem filhos e netos nascidos em Borá. “Nós nascemos aqui e daqui não pretendemos sair”, afirma Maria, informando que além dos seus filhos também ajudou a criar a filha da irmã Lena quando ela faleceu.
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Pedreiro José Luiz diz que se sente no paraíso, morando em Borá |
História
O início do povoamento de Borá se deu por volta de 1918. O lugar foi batizado como Borá em razão do córrego que leva esse nome e vivia circundado com a presença de grande quantidade de abelhas com o mesmo nome.
Integrantes da família Vedovatti atravessavam, com carros de boi, as águas do córrego Borá para ir até Sapezal, na época importante centro comercial para a venda de gêneros alimentícios. Muito provavelmente vinham de Conceição de Monte Alegre, que entre 1893 e 1933 foi município sede de uma pujante região, que abrangia como distritos Presidente Prudente, Martinópolis, Rancharia, Quatá, Paraguaçu Paulista, Maracaí, entre outras hoje imponentes cidades. Em 1933 Conceição de Monte Alegre perdeu a condição de município e se tornou distrito da então emancipada Paraguaçu Paulista.
Em 1919, chegaram no bairro do Campinho as famílias portuguesas de Manuel Antônio de Souza, Antônio Caldas, Faustino Gonçalves e Antônio Troncoso. Construíram suas residências no acampamento da fazenda de propriedade de Dionísio Zirondi e aos poucos foram também formando suas próprias fazendas. A eles, o município deve a abertura das primeiras picadas ligando-o ao distrito de Sapezal e ao município de Paraguaçu Paulista.
Em fins de 1923, José da Costa Pinto doou um alqueire de terras, que se situavam no centro das propriedades, para que fosse erguida a capela de Santo Antônio de Borá. Em 31 de agosto de 1934, foi criado com a denominação de Borá, por meio do Decreto Estadual nº 6.638, o distrito, que pertencia à Paraguaçu Paulista. Em 31 de março de 1965, Borá foi elevada a categoria de município.
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Bairro do Campinho onde as famílias portuguesas se estabeleceram em 1919 |
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Na praça central, defronte da igreja, existe uma pia com uma torneira de metal reluzente |
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Ruas tranquilas, onde é possível ver carroças transitando entre os carros |
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Como ainda tem muitos animais silvestres pela região é comum ver placas alertando sobre a presença desses animais atravessando as estradas |
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Sede do Paço Municipal, onde funciona a Prefeitura e a Câmara. E é o único prédio de dois andares da cidade |
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A imagem de Santo Antônio, santo padroeiro da cidade, ao lado da única igreja católica do local |
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O nome é curto assim como o tamanho da cidade |
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Logo na entrada a imagem de Jesus Cristo com os braços abertos e um letreiro de boas vindas |
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O repórter Fábio Rosa, da TV Record, esteve em Borá para fazer um documentário sobre a cidade |
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As irmãs Maria e Aparecida Merci nasceram e foram criadas em Borá |