Zé Carioca foi lançado há 80 anos pela Disney como uma forma de promover a Política da Boa Vizinhança dos EUA |
Nascido no Copacabana Palace, hotel histórico
localizado de frente para a praia do mesmo nome no Rio de Janeiro, o Zé
Carioca, que representa o Brasil nos desenhos da Disney, completa 81 anos em
2023. Retratado como o típico malandro carioca, sempre escapando dos problemas
com o “jeitinho” característico do brasileiro, o personagem é pouco conhecido
nos Estados Unidos. Mas no Brasil ele ganhou fama e até uma revista exclusiva
em quadrinhos, publicada mensalmente durante 57 anos pela Editora Abril.
"A viagem de Walt Disney ao Brasil tinha duplo objetivo: estratégico e econômico", afirmou o professor Mário Sérgio Brum, em entrevista para o jornal "O Povo", de Fortaleza (CE). "Ele precisava criar personagens latino-americanos para aprofundar o mercado e a parceria, fazendo os latinos se reconhecerem num filme estadunidense e apresentando ao público dos Estados Unidos o que era a América Latina".
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Walt Disney conversa com Getúlio Vargas durante sua
visita ao Brasil
Os esforços americanos para atrair apoio para a guerra contra Japão, Alemanha e Itália não se limitavam ao Brasil. Os acenos também foram dirigidos para vários países latinos com a criação de personagens de desenhos animados. Assim, além do Zé Carioca para o Brasil, foram criados pelos estúdios Disney, que recebiam subvenção do governo americano, os personagens Gauchinho Voador, para a Argentina, e Panchito, para o México, além de incursões desses personagens pela Bolívia, Peru e outros países latinos.
Quando Disney criou o personagem, que não era um
pobre favelado, sequer um caloteiro, mas apenas um entusiasta defensor das
tradições brasileiras.
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Cena do filme "Saludos Amigos" em que Zé Carioca aparece pela primeira vez e contracena com o Pato Donald, convidando-o para tomar cachaça |
Sua primeira aparição foi no filme “Saludos Amigos’,
como amigo do Pato Donald. Na época do lançamento do filme, Zé Carioca foi
descrito pela revista “Time” como “um papagaio brasileiro elegante, que é tão
superior ao Pato Donald, quanto o Pato era do Mickey Mouse”.
“O Pato Donald, o Pato Donald”, diz repetidas
vezes Zé Carioca, enquanto pula de alegria. Por fim, abre os braços e
aproxima-se. “Ora venha de cá dar um abraço”, diz, em característica linguagem
dos anos 40: “um abraço bem carioca, bem amigo, um daqueles de quebrar as
costelas”. E abraça o Pato Donald com efusão. Zé Carioca nesta cena não é bem o
malandro. É o homem cordial, que oferece até a cachaça, bebida genuinamente
brasileira, para o Pato Donald experimentar.
Revistas em quadrinhos
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Zé Carioca se tornou personagem preferido da criançada brasileira |
Pinta de malandro
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O boa pinta Zé Carioca fez sucesso no cinema e nas histórias em quadrinhos |
Se o papagaio lembrava o Brasil, na mente dos estrangeiros,
e se é uma ave identificada com um comportamento folgazão, ou malandro, podendo
chegar ao obsceno, pode-se daí concluir que o Brasil era identificado, até
pouco tempo atrás, com essas caraterísticas de folgazão e malandro. E talvez
até obsceno. Para o cronista holandês Gaspar Barléu, que viveu até 1648, não
existia pecado abaixo da linha do Equador. O Brasil, escreveu Barléu, era
identificado, tanto na visão dos estrangeiros como na dos próprios brasileiros
como um país obsceno.
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Portugueses se encantaram com a quantidade de papagaios encontrados nas novas terras |
A presença e a representatividade do papagaio com
o Brasil são tão fortes que quando Pedro Alvares Cabral aqui aportou com a sua
expedição de desbravadores na primeira carta, escrita por Pero Vaz de Caminha,
para o rei Dom Manoel, o nome dessa ave é citado pelo menos cinco vezes na
carta.
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Quadro do artista Pierre Thomas, de 1778, mostra como os papagaios faziam parte da nobreza francesa |
Não foram somente os holandeses e espanhóis que
por aqui aportaram em buscas das riquezas e dos papagaios. Os franceses, que
por anos andaram empenhados em surrupiar o possível das novas terras, também
demonstraram enorme interesses pelos papagaios. Prova disso é que um precioso
documento, datada de 1538, relativo à intercepção do navio francês La Pelérine
pelos portugueses, revela que os franceses faziam o transporte de 600 papagaios
para a França. Para se ter ideia de que esses bichos eram valorizados, apenas um
exemplar de papagaio custava o equivalente a 30 quilos de madeira do pau-brasil.
Jean de Léry, integrante da comitiva de
Villegagnon na aventura da França Antártica, conta nos relatos que deixou sobre
“Viagem à Terra do Brasil”, em 1578, que ganhou de um interprete um papagaio
que “pronunciava tão perfeitamente as palavras da língua selvagem e da francesa
que não era possível distinguir a sua voz da de um homem”.
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O fato dos papagaios imitarem a voz humana e pronunciar algumas frases é um fenômeno estudado há séculos pelos cientistas |
A bela plumagem e a fala dos papagaios foram e são,
até hoje, o deslumbre para muitos europeus. Cientistas e zootecnistas estudam
várias hipóteses para explicar a habilidade do papagaio em imitar a falar
humana. A primeira delas está no formato da língua e do bico arredondado,
bastante diferentes das outras aves. Outra característica é que os papagaios
tem o cérebro maior do que outras aves do mesmo porte, o que seria uma explicação
para a sua inteligência superior.
Um estudo da USP (Universidade de São Paulo) concluiu
que os papagaios, quando na natureza, vivem em bandos que gritam ao voar, mas
ficam quietos quando em repouso, sobre os galhos das árvores. Quando parados
são difíceis de localizá-los. Ficam quase camuflados. O verde de suas penas
confunde com o verde das árvores. E ficam silenciosos como um vegetal.
Os papagaios apegam-se também aos seres humanos. Sabe-se que em Chapada Diamantina que quando o dono morreu o papagaio entrou em depressão e não interagiu com mais ninguém. Esses bichos são, assim como os cachorros, fieis aos seus parceiros, capazes de afundar na depressão e alegrar-se quando seus donos estão alegres.
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Zé Carioca, Pato Donald e Champito, representantes do Brasil, EUA e do México |
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Walt Disney, o criador do Zé Carioca |
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Zé Carioca na revista lançada pela Editora Culturama |