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Uma história de amor que virou música para Vicente Celestino

 

 

O brasileiro João Pedro Paz e a italiana Iole Trevizi vivenciaram uma história de amor durante a Segunda Guerra Mundial e se transformou em umas das músicas mais cantadas


Um amor em tempo de guerra entre um brasileiro e uma italiana já foi retratado em versos e prosas inúmeras vezes por diversos jornais, revistas, em programas de rádio e televisão e originou a composição da música "Mia Gioconda", gravada por Vicente Celestino e Agnaldo Rayol. A história do casal virou até tema de estudo para o Trabalho de Conclusão de Curso para o acadêmico Raimundo Francisco Gutterres Nunes, no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

 O Brasil permaneceu neutro durante o período inicial da Segunda Guerra Mundial. Somente depois de muita pressão internacional e interna é que o governo de Getúlio Vargas resolveu enviar, no início de 1940, para o campo de batalha, na Itália, um total de 25.334 homens, divididos em cinco contingentes de aproximadamente cinco mil soldados, a maioria voluntários. Foi criada então a FEB (Força Expedicionária Brasileira) que deslocou 186 profissionais de saúde, entre eles, 67 enfermeiras.

Entre os combatentes estava o atirador de elite João Pedro Vaz que durante um dia de folga foi participar de um baile na cidade de Pescia, quando cruzou olhares com uma bela "ragazza" chamada Iode Trevizi, de apenas 17 anos. Ele dançou com ela a valsa “Danúbio Azul”. Os dois se apaixonaram. A guerra acabou e houve a inevitável separação entre eles.

Amor na Itália

O soldado foi obrigado a vir embora, chorando por deixar sua amada no porto com as mãos acenando até o navio se perder no horizonte. Ao chegar no Brasil a tropa brasileira foi recebida com festa no Cassino da Urna, no Rio de Janeiro. Entre os convidados para animar a festa estava o cantor Vicente Celestino, que entre goles de uísque e champagner deliciava-se com as histórias de heroísmo reveladas pelos chamados “pracinhas” da guerra.

Vicente Celestino se encantou com um relato, que não tinha nada a ver com a bravura ou abnegação no campo de batalha. Era a história do soldado João Pedro Paz que contou as razões de sua tristeza, servindo de inspiração para o cantor compor uma das mais belas melodias de sua autoria: “Mia Gioconda”, que italiana significa garota de sorriso cativante.

Numa entrevista para a RBS, o gaúcho de Cachoeira do Sul, protagonista dessa história, lembrou, com detalhes, da conversa com Vicente Celestino. Segundo ele, depois do show no Cassino da Urca, o cantor, muito alegre, com um copo de uísque na mão, fazendo brindes, saudando a todos, ia perguntando para um e para outro: “E aí, como foi você na Itália, arrumou alguma namorada por lá?”. “E quando perguntou para mim eu quase chorando – as lágrimas vinham aos olhos sem querer – disse: senhor Celestino, o meu caso foi completamente diferente. Eu não casei e não pude trazer a minha amada, porque deram ordens para nós virmos embora e ela ficou no cais napolitano, abanando com a mão até o navio desaparecer no horizonte...”

Paz contou que sua história impressionou Vicente Celestino que a ouviu com muita atenção. Mais ou menos um ano depois, João Pedro Paz ouviu no rádio a música pela primeira vez e não teve dúvida de que a letra representava, de forma detalhada em versos a sua bela história com Iole Trédice, que conheceu em Pescia, no norte da Itália.

“Eu a havia deixado, com a promessa de que voltaria para buscá-la”, contou, em entrevista para diversos jornais. “Meu desespero maior era porque sabia que jamais poderia cumprir essa promessa, mas ela tinha certeza de que eu cumpriria a promessa. Depois de um tempo, recebi uma carta dela, dizendo que estava grávida e eu aqui no Brasil sem um tostão furado no bolso, dormindo nos bancos da Praça da Alfandega. Fui aconselhado a procurar o jornal ‘Correio do Povo’. Quase chorando mostrei a carta que tinha recebido dela para o repórter Cândido Norberto, da ‘Folha da Tarde’, que Deus dê bom céu para ele (falecido em 2009). Daí contei toda a minha história, que saiu na primeira página. Daí todos os jornais me procuraram e até abriram uma conta no banco para mim recebe doações de todos os lugares e eu nasci de novo, podendo ir buscar minha amada”.

Iode, sempre falante, vivaz, clara ao expressar seus sentimentos, orgulhando-se do seu passado, sua história e da família constituída, também concedeu diversas entrevistas ao lado do marido. Ficaram juntos mais de setenta anos, até João Pedro Paz falecer em setembro de 2020.

Na década de 1990, a história do casal ainda despertava interesse e emoção e foi um dos episódios relatados no programa “Em Nome do Amor”, apresentado por Silvio Santos, na edição do dia 26 de novembro de 1995. Respondendo as perguntas de Silvio Santos, Iole Tredice, entrou primeiro no palco e contou que estava num baile na sua cidade natal quando cruzaram os olhares com “um soldadinho lá do outro lado do mundo”. “Alias foi ele quem olhou primeiro”, afirmou, sob os risos do auditório. “Daí ele veio me pedir para dançar. Naquela época, cinquenta anos atrás,  usava-se dizer, a segunda dança, a terceira dança...”. Nisso, o marido João Pedro Paz entra no palco e, ao som da valsa “Danúbio Azul”, a mesma que tocara no baile da Itália, e o casal dança e se declaram apaixonados.

Livro contou história do casal

Quando soube que sua amada estava grávida, João Pedro Paz procurou o Consulado Italiano e casou-se por procuração. Naquela época tudo era muito mais difícil. Ainda não havia aviões de linha e as viagens, por navio, além de demoradas custavam muito caras. Uma grande campanha de arrecadação de recursos, feitas por jornais daqueles tempos, possibilitou trazer Iole para o Brasil. Em 26 de outubro de 1946, ela chegou a Porto Alegre com o filho nos braços, conforme noticiava os jornais.

A história desse casal também virou tema de um livro, escrito por John Frolich, onde consta que João Pedro Paz procurou, durante vários anos, Vicente Celestino, para contar-lhe que Gioconda estava com ele no Brasil. Uns 20 anos depois destes fatos, em agosto de 1968, foi procura-lo em um hotel onde estava hospedado para um show em Porto Alegre, deixando-lhe uma carta. Entretanto, o músico morreria naquela noite sem que ambos pudessem se falar. O filho do casal gerado na Itália faleceu em um acidente com a idade de 12 anos. O casal ainda teve a filha Ana Maria. João Pedro Paz faleceu em setembro de 2020, em Porto Alegre.

 

O casal João Pedro Paz e Iode Trevizi em 1946


O casal em 2010, durante entrevista para um jornal gaúcho

Documentário feito pelo canal da TV Cachoeira Novo Tempo


Vídeo editado por José Luis Pecole


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