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O brasileiro João Pedro Paz e a italiana Iole Trevizi vivenciaram uma história de amor durante a Segunda Guerra Mundial e se transformou em umas das músicas mais cantadas |
Um amor em tempo de guerra entre um brasileiro e
uma italiana já foi retratado em versos e prosas inúmeras vezes por diversos jornais,
revistas, em programas de rádio e televisão e originou a composição da música "Mia Gioconda", gravada por Vicente Celestino e Agnaldo Rayol. A história do casal
virou até tema de estudo para o Trabalho de Conclusão de Curso para o acadêmico
Raimundo Francisco Gutterres Nunes, no Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul).
Entre os combatentes estava o atirador de elite João
Pedro Vaz que durante um dia de folga foi participar de um baile na cidade de
Pescia, quando cruzou olhares com uma bela "ragazza" chamada Iode Trevizi, de apenas
17 anos. Ele dançou com ela a valsa “Danúbio Azul”. Os dois se apaixonaram. A
guerra acabou e houve a inevitável separação entre eles.
Amor na Itália
O soldado foi obrigado a vir embora, chorando por
deixar sua amada no porto com as mãos acenando até o navio se perder no
horizonte. Ao chegar no Brasil a tropa brasileira foi recebida com festa no
Cassino da Urna, no Rio de Janeiro. Entre os convidados para animar a festa
estava o cantor Vicente Celestino, que entre goles de uísque e champagner deliciava-se com as histórias de heroísmo reveladas pelos chamados “pracinhas”
da guerra.
Vicente Celestino se encantou com um relato, que
não tinha nada a ver com a bravura ou abnegação no campo de batalha. Era a
história do soldado João Pedro Paz que contou as razões de sua tristeza,
servindo de inspiração para o cantor compor uma das mais belas melodias de sua
autoria: “Mia Gioconda”, que italiana significa garota de sorriso cativante.
Numa entrevista para a RBS, o gaúcho de Cachoeira
do Sul, protagonista dessa história, lembrou, com detalhes, da conversa com
Vicente Celestino. Segundo ele, depois do show no Cassino da Urca, o cantor,
muito alegre, com um copo de uísque na mão, fazendo brindes, saudando a todos,
ia perguntando para um e para outro: “E aí, como foi você na Itália, arrumou
alguma namorada por lá?”. “E quando perguntou para mim eu quase chorando – as lágrimas
vinham aos olhos sem querer – disse: senhor Celestino, o meu caso foi completamente
diferente. Eu não casei e não pude trazer a minha amada, porque deram ordens
para nós virmos embora e ela ficou no cais napolitano, abanando com a mão até o
navio desaparecer no horizonte...”
Paz contou que sua história impressionou Vicente
Celestino que a ouviu com muita atenção. Mais ou menos um ano depois, João Pedro
Paz ouviu no rádio a música pela primeira vez e não teve dúvida de que a letra
representava, de forma detalhada em versos a sua bela história com Iole Trédice, que conheceu em Pescia, no
norte da Itália.
“Eu a havia deixado, com a promessa de que
voltaria para buscá-la”, contou, em entrevista para diversos jornais. “Meu
desespero maior era porque sabia que jamais poderia cumprir essa promessa, mas
ela tinha certeza de que eu cumpriria a promessa. Depois de um tempo, recebi
uma carta dela, dizendo que estava grávida e eu aqui no Brasil sem um tostão
furado no bolso, dormindo nos bancos da Praça da Alfandega. Fui aconselhado a
procurar o jornal ‘Correio do Povo’. Quase chorando mostrei a carta que tinha
recebido dela para o repórter Cândido Norberto, da ‘Folha da Tarde’, que Deus
dê bom céu para ele (falecido em 2009). Daí contei toda a minha história, que
saiu na primeira página. Daí todos os jornais me procuraram e até abriram uma
conta no banco para mim recebe doações de todos os lugares e eu nasci de novo,
podendo ir buscar minha amada”.
Iode, sempre falante, vivaz, clara ao expressar
seus sentimentos, orgulhando-se do seu passado, sua história e da família constituída,
também concedeu diversas entrevistas ao lado do marido. Ficaram juntos mais de
setenta anos, até João Pedro Paz falecer em setembro de 2020.
Na década de 1990, a história do casal ainda despertava
interesse e emoção e foi um dos episódios relatados no programa “Em Nome do
Amor”, apresentado por Silvio Santos, na edição do dia 26 de novembro de 1995.
Respondendo as perguntas de Silvio Santos, Iole Tredice, entrou primeiro no palco
e contou que estava num baile na sua cidade natal quando cruzaram os olhares
com “um soldadinho lá do outro lado do mundo”. “Alias foi ele quem olhou
primeiro”, afirmou, sob os risos do auditório. “Daí ele veio me pedir para
dançar. Naquela época, cinquenta anos atrás, usava-se dizer, a segunda dança, a terceira
dança...”. Nisso, o marido João Pedro Paz entra no palco e, ao som da valsa “Danúbio
Azul”, a mesma que tocara no baile da Itália, e o casal dança e se declaram
apaixonados.
Livro contou história do casal
Quando soube que sua amada estava grávida, João
Pedro Paz procurou o Consulado Italiano e casou-se por procuração. Naquela
época tudo era muito mais difícil. Ainda não havia aviões de linha e as
viagens, por navio, além de demoradas custavam muito caras. Uma grande campanha
de arrecadação de recursos, feitas por jornais daqueles tempos, possibilitou
trazer Iole para o Brasil. Em 26 de outubro de 1946, ela chegou a Porto Alegre
com o filho nos braços, conforme noticiava os jornais.
A história desse casal também virou tema de um
livro, escrito por John Frolich, onde consta que João Pedro Paz procurou,
durante vários anos, Vicente Celestino, para contar-lhe que Gioconda estava com
ele no Brasil. Uns 20 anos depois destes fatos, em agosto de 1968, foi procura-lo
em um hotel onde estava hospedado para um show em Porto Alegre, deixando-lhe
uma carta. Entretanto, o músico morreria naquela noite sem que ambos pudessem
se falar. O filho do casal gerado na Itália faleceu em um acidente com a idade
de 12 anos. O casal ainda teve a filha Ana Maria. João Pedro Paz faleceu em
setembro de 2020, em Porto Alegre.
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O casal João Pedro Paz e Iode Trevizi em 1946 |
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O casal em 2010, durante entrevista para um jornal gaúcho |