Retrato do desembarque de imigrantes no porto de Santos feito pelo artista Marco Agellis
Nelson Gonçalves,
Excetuando-se os portugueses, durante três séculos do período colonial o Brasil era pobre e isolado totalmente do mundo. Portugal não permitia que estrangeiros desembarcassem em território brasileiro para aqui fixarem moradia. Impediu, de todas as formas, que outros europeus viessem a se estabelecer no Brasil.
Com sangue na ponta da espada os portugueses expulsaram os franceses (1555 no Maranhão) e os holandeses (1630 em Pernambuco). Somente em 1808, com a abertura dos portos e da chegada da família imperial no Rio de Janeiro foi autorizada a permanência de imigrantes.
Os primeiros a chegar foram os chineses. Vindos de Macau, mais de 300 chineses foram trazidos pelo rei Dom João 6º para a plantação e cultivo de ervas nas lavouras para a produção de chás.
Por volta de 1847, o senador Nicolau de Campos Vergueiro trouxe centenas de famílias imigrantes de países europeus para trabalhar em suas fazendas, no interior paulista. Nessa fase ele adotava o sistema de parceria, que funcionava da seguinte maneira: o fazendeiro pagava a passagem de navio do imigrante para o Brasil, mas este tinha que trabalhar de graça, por um determinado período para reembolsar o valor da passagem. Além disso, quaisquer despesas que o fazendeiro tivesse com alimentação e subsistência do imigrante, era convertida em dívida, com incidência de juros de 6% a 12% ao ano. Os imigrantes acumulavam dívidas impagáveis.
O sistema do senador Vergueiro (nome hoje de uma importante via na capital paulista) fracassou. Os imigrantes viviam mal, endividados e em situação de semiescravidão, sem receber pelo trabalho. Em 1856, imigrantes suíços revoltaram-se contra as deploráveis condições de trabalho nas fazendas de café, resultando no episódio conhecido como Revolta de Ibicaba, nome de uma das fazendas do senador no município de Cordeirópolis. Essa revolta teve péssima repercussão na Europa, gerando crise diplomática entre o Império brasileiro e a Suíça. Em razão disso, a Alemanha proibiu a imigração de seus cidadãos ao Brasil.
Auge da imigração
Hospedaria em Santos, porta de entrada para a maioria dos imigrantes que chegavam para trabalhar no Brasil
O período entre o final do Império, com a abolição da escravidão, e início do governo republicano foi quando ocorreram os maiores números de imigrantes ao Brasil. Os primeiros censos mostram que entre 1820 e 1903, desembarcaram no Brasil cerca de 1,2 milhão de italianos, 549 mil portugueses, 212 mil espanhóis e 89 mil alemães. O Censo de 1920 registrava que dos 1.565.961 imigrantes vivendo no Brasil, mas de 90% estavam concentrados nos estados do Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. E 77,3% deles eram provenientes de apenas três países Itália (35,66%), Portugal (27,69%) e Espanha (13,99%),seguidos de alemães (3,88%) e japoneses (1,79%). Os imigrantes não europeus eram oriundos do Japão, Siria, Líbano e países limítrofes sul-americanos.
No começo o governo brasileiro incentivava a imigração. A passagem do navio era subsidiada pelo governo e os imigrantes recebiam de graça um lote de terra para o cultivo. Posteriormente as terras poderiam ser pagas em suaves prestações.
Italianos os primeiros a chegar
Família de imigrantes italianos trabalhando em lavoura de café
Os italianos foram os primeiros a chegar em massa. Em 1874 desembarcava no porto de Santos, 388 famílias provenientes da Itália. Um pouco antes chegava no Paraná e Santa Catarina os alemães. Os poloneses em 1869 e os ucraniacos em 1891. Também chegavam em grupos menores imigrantes de outras partes da Europa.
A realização desse projeto não foi fácil, por diversos motivos. A imagem do Brasil lá fora não era das melhores. Era visto como um país escravocrata, atrasado e de clima quente, com problemas políticos, militares e econômicos.
Quando os imigrantes chegavam suas terras ainda não estavam demarcadas. Passaram os primeiros anos sob as condições precárias, em ranchos improvisados, suscetíveis a doenças, atrasando o início das plantações que garantiriam seu sustento. Em decorrência, muitos imigrantes abandonavam os assentamentos. Das 96 colônias criadas entre 1846 e 1860, 66 desapareceram sem deixar sinais.
Interesses políticos dos fazendeiros
As sedes das fazendas de café eram obras megalomaníacas e até parecia que existia disputa entre um fazendeiro e outro para ver quem construía a sede maior entre eles
A formação de novas colônias dependia de aprovação do Parlamento brasileiro. E os políticos, maioria cafeicultores, impunham obstáculos, visando garantir o fluxo da mão de obra imigrante apenas para as suas propriedades. As vantagens dadas aos imigrantes, que recebiam propriedades agrícolas, casas e auxílio pecuniário enquanto a agricultura não produzisse o sustento causou comoção entre os brasileiros, que nunca tiveram essas facilidades por parte do governo.
Os colonos estrangeiros continuaram a falar suas línguas e a preservar diversos hábitos que remetiam à terra natal, mesmo depois de várias gerações. Ainda hoje, nas colônias mais isoladas, seus habitantes falam línguas e dialetos de origem germânica, italiana ou eslava, dependendo de onde vieram os primeiros colonizadores.
Vários historiadores relataram em livros que também havia resistência, após o fim da escravidão, de muitos brasileiros, alguns descendentes de ex-escravos, para trabalhar como assalariados nas fazendas de café. Consideravam ser “trabalho de escravo”. Segundo Jorge Balan, “os trabalhadores livres ou escravos libertos se recusavam a trabalhar como assalariados, preferindo a miséria à desqualificação social que isso implicava”.
De acordo com a historiadora Emília Viotto da Costa, o brasileiro que tinha acesso à terra, de onde tirava seu sustento se recusava a trabalhar nas fazendas. “Só o faria se a isso fosse forçado”, escreveu. O antropólogo Darcy Ribeiro também explicou que, mesmo havendo no Brasil milhões de pessoas desocupadas, havia um estigma em trabalhar nas fazendas de café. “Mesmo depois de abolida a escravidão (1888), permanece esse critério valorativo, que considera humilhante o trabalho com horário marcado por toque de sino e dirigido por um capanga autoritário”.
Imigração italiana
Os colonos estrangeiros viviam em casas simples nas fazendas
Apesar de as condições de trabalho nas fazendas de café eram precárias, os imigrantes italianos se submetiam a esse tipo de trabalho porque vinham com o sonho de fazer poupança. E muitos conseguiam e libertavam-se do colonato. Com o dinheiro acumulado compravam o próprio lote de terra e tornavam-se proprietários rurais ou investiam em pequenos negócios nas cidades.
Entre 1880 e 1896, a Itália passou pela maior crise econômica de sua história. Houve devastação nas lavouras e não restaria outra alternativa, a não ser atravessar o oceano para tentar vivenciar outra forma de vida. Contudo, em 1902, em resposta às péssimas condições de trabalho e mão de obra explorada nas fazendas de café, o governo italiano editou o Decreto Prinetti, que proibiu a imigração subsidiada de italianos para o Brasil. Os cafeicultores brasileiros estavam acostumados a lidar com escravos, e não trabalhadores livres, o que gerava diversas reclamações e denuncias de maus tratos por parte dos imigrantes.
Para o pesquisador Lúcio Kowarick, o incentivo à imigração europeia deu-se por razões estritamente econômicas. O excesso na oferta de trabalhadores permitiu aos fazendeiros manter os salários em níveis mais baixos possíveis, favorecendo a dominação da classe subalterna pela elite e ainda minando a organização política dos trabalhadores.
O historiador Michael M.Hall segue na mesma linha de explicação e afirma que os cafeicultores brasileiros estimularam a imigração estrangeira para aumentarem seus lucros. “Com o fluxo contínuo de trabalhadores estrangeiros conseguiram manter os salários em índices baixíssimos” . Entre 1880 e 1896, foram registrados altos preços do café e elevada lucratividade para os cafeicultores. Mas a reciproca não foi a mesma para a renda dos imigrantes, que declinava cada vez mais.
Conflitos de classes
A primeira greve geral no Brasil, em 1917, foi deflagrada e liderada por imigrantes italianos que trabalhavam no país
Foi aí, segundo os historiadores, que surgiram os conflitos de classe. Os principais grupos de imigrantes, como italianos e espanhóis, já tinham na Europa contato muito próximo com os movimentos socialistas, anarquistas e sindicais, trazendo para o Brasil suas ideais. Não é por acaso que a maioria dos primeiros líderes sindicais do Brasil eram italianos.
Ao estudar o processo de industrialização em São Paulo e cidades interioranas como Campinas e Ribeirão Preto, Marco Antônio Brandão, constatou que entre 1890 a 1930, a maior parte ddos industriais paulistas eram originalmente imigrantes italianos. Muitos chegaram ao Brasil sem recursos financeiros, mas souberam aproveitar de outros recursos que tinham: mão de obra familiar ou contratada em pequeno número e o saber fazer o necessário com pouco.
Na década de 1930, o governo de Getúlio Vargas tomou medidas que visavam diminuir o número de imigrantes que chegavam ao Brasil. Vargas instituiu a “Lei de Cotas”, a qual estabeleceu que a entrada de imigrantes no Brasil não podia exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total dos respectivos italianos fixados no país durante os últimos cinquenta anos. Para conter o desemprego também institui a “Lei dos 2/3” que impunha número mínimo de brasileiros a serem contratados pelas fábricas, empresas e instituições.
Haiti
Soldados brasileiros em missão no Haiti, em 2004, estreitaram laços de amizade com os haitianos
Em 2004 com a presença dos brasileiros na Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti ampliou-se as relações entre esses dois países. E uma das consequências foi a imigração de vários haitianos ao Brasil.
A rota aberta pelos haitianos no Acre é também usada desde 2008 por imigrantes do Senegal, que descolam em especial rumo ao Rio Grande do Sul. E, desde 2017, devido à diáspora Venezuela, mais de 40 mil refugiados venezuelanos procuraram abrigo em Boa Vista, no estado de Roraima, no norte do país, causando uma crise de refugiados venezuelanos no Brasil.
Em junho de 2019, um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que o Brasil é o sexto maior receptor de pedidos de refúgio, atrás apenas dos Estados Unidos, Peru, Alemanha, França e Turquia. O Brasil conta com mais de 150 mil pedidos de refúgio de imigrantes vindos principalmente da Venezuela, do Haiti e da Siria, com participação também expressiva de países como Cuba, Angola e Colômbia.
Em 2020, o Brasil aprovou 24.800 processos para solicitação de reconhecimento de refugiados. As nacionalidades que mais fizeram esses pedidos foram venezuelanos (24.030), sírios (479),cubanos (114), iraquianos (35) e afegãos (28).
Venezuelanos atravessam a fronteira em Roraima em busca de dias melhores no Brasil