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Risco de transmissão da Covid é maior entre membros de uma família

 

Covid tem separado famílias, levando entes queridos para o leito da morte

Enquanto a covid-19 avança para mais de 100 mil casos confirmados no mundo, especialistas em saúde pública estão correndo para tentar entender como o vírus se espalha e encontrar a cura e formas de se evitar mais mortes. Somente no Brasil mais de 460 mil pessoas já morreram por causa da doença.

Embora não exista uma estatística oficial sobre o assunto, médicos consultados pela agência BBC News apontam que não há nenhum mistério nesse aumento de casos entre aqueles que compartilham o mesmo teto. Trata-se de local perfeito para a transmissão de vírus respiratórios, uma vez que quase todos em casa acabam relaxando os cuidados e tomando poucas medidas de precaução dentro da residência do que quando estão fora. Existe até a desconfiança de que bebês e crianças, que não são imunes à doença, podem ajudar na transmissão.

Pai e filho morrem de covid 

Os comerciantes Neto e Adnan, o Turcão, faleceram na mesma semana por covid


Na cidade de Sales, três pessoas de uma mesma família acabaram se contaminando e pai e filho faleceram na semana passada.  Adnan Mikhail Nahra,75 anos, e Miguel Nahra Neto, 46 anos, ambos conhecidos como “turco” em razão de serem proprietários da famosa rede de lojas Turcão, que possui unidades em Irapuã, Sales e Rio Preto, faleceram. A esposa de Adnan e mãe de Neto,   Anedir Aparecida Alessio, também contraiu a doença e se encontra internada em um hospital de São José do Rio Preto.

 O farmacêutico e comerciante Adriano Nahra, irmão de Neto e filho de Adnan, conta que seu irmão do nada começou a sentir-se mal no último dia 10. “Levamos ele para o hospital, os médicos disseram que o vírus está mais letal. Se agravou, dando comprometimentos nos pulmões e sistema respiratório com lesões graves. E meu pai ficou 11 dias no hospital”, contou Adriano, que também foi contaminado e se tornou notícia nacional em outubro por ter sido o primeiro caso de recontaminação na região de Rio Preto. “Fui contaminado duas vezes”.

“Nossa família está em luto”, afirma o bancário Fernando Alessio, morador em Sales, que perdeu o tio e um primo. “Outro primo meu, o Junior de 40 anos, recentemente se curou da covid, porém ficou com sequelas”, informou. “É muito triste esse momento que estamos passando. Essa covid mata, desestrutura famílias”.

 Família Tavares

A mãe Donância, as filhas Léia e Alessandra, com o filho Leandro, o genro, e o marido Romildo, durante recente passeio da família Tavares. Todos agora contraíram o vírus e precisaram ser hospitalizados  (foto Álbum de Família) 

 

O jornalista Leandro Tavares, colaborador deste jornal, também contraiu a doença e se encontra internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital de Base. Ele é formado em Jornalismo pela Unorp. Trabalhou nas prefeituras de Sales, Adolfo e Itapevi, além da Folha do Povo e em jornais em Rio Preto. Cursa há três anos Medicina em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. É pessoa conhecidíssima na região.

Na semana passada, Leandro teve de vir às pressas para Adolfo para socorrer a mãe, Donância, que contraiu covid e não conseguiu, mesmo com a intercedência da direção da Folha do Povo junto aos hospitais rio-pretenses, encontrar vaga em nenhuma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) dos hospitais.

A mãe precisou ser internada no hospital da Unimed em Catanduva. Na semana passada o pai, Romildo Tavares, também precisou ser internado, também por covid. Recuperado já se encontra em casa. Mas Leandro e suas duas irmãs, Léia e Alessandra, segundo o pai, que conversou com dificuldades e praticamente chorando com a reportagem da Folha do Povo, também se encontram hospitalizados para tratamento da covid. “Essa doença é muito silenciosa e traiçoeira. Chega de uma vez e derruba a gente”, lamentou o pai Romildo, pedindo orações para a recuperação dos familiares.

Leandro Tavares e a mãe Donância, ambos se encontram hospitalizados
(foto: Álbum de Família)
 

Como se contamina

 O vírus que causa a covid-19 é transmitido, segundo os médicos, por meio de gotículas geradas quando uma pessoa infectada tosse, espirra ou exala. Essas gotículas são muito pesadas para permanecerem no ar e são rapidamente depositadas em pisos ou superfícies. Qualquer pessoa pode ser infectada ao inalar o vírus se estiver próxima de alguém que tenha covid-19 ou ao tocar em uma superfície contaminada e, em seguida, passar as mãos nos olhos, no nariz ou na boca.

 

Tragédia no Brasil

A tragédia do coronavírus levou o Brasil ao segundo lugar como o país com maior número de mortes por covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, onde mais de 544 mil pessoas já morreram pela doença. O tamanho da população de ambos países poderia explicar parcialmente a liderança em números absolutos. Entretanto, a posição do Brasil em termos relativos também é significativa. Até a semana passada o Brasil estava em 23º na taxa de total de mortes por um milhão de habitantes, segundo a plataforma Our World in Data.

 Para médicos e cientistas ouvidos pela BBC News, ignorar e subestimar a realidade foram os fatores que estão na raiz de todos os problemas que levaram o país a entrar em colapso por causa da covid-19.

Negacionistas atrapalham

Ethel Maciel, durante entrevista à televisão, fala que o negacionismo das autoridades comprometeu o trabalho preventivo dos médicos
 (Foto: Reprodução da TV)


 Essa negação da doença, desde o começo pelo governo federal, encontrou ressonância em alguns gestores públicos e em parte da própria população brasileira. “O negacionismo é o eixo central que permitiu a sucessão de erros e a total ausência de preparação para um momento como este”, analisa a doutora Ethel Maciel, doutora em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Para a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a médica Gulnar Azevedo e Silva, a falta de atuação do governo federal no começo da pandemia foi uma posição errada. “Um ano já era suficiente para se ter aprendido alguma coisa para a gestão da pandemia, mas a descoordenação foi deliberada; não uma preocupação do governo para resolver essa crise”. O presidente da República, segundo médicos, insiste em dar maus exemplos em relação à prevenção da doença. Anda constantemente sem máscara, ajuda a promover aglomerações, faz criticas às vacinas e disse, por mais de uma vez, que não iria toma-la.

Para presidente da ABRASCO, depois de um ano de pandemia governo não aprendeu e insiste nos mesmos erros cometidos no começo (foto: UFRJ)


O médico Márcio Sommenr Bitencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), chama a atenção para a falta de medidas de prevenção contra o vírus no Brasil. “O pouco que fizemos, em grande extensão, foi minado pelas lideranças federais, que nem sequer estimularam as medidas mais básicas de proteção”, disse à BBC.

Desde que a pandemia começou, o Brasil teve quatro ministros da saúde diferentes: os médicos Luiz Henrique Mandetta (até 16 de abril de 2020) e Nelson Teich (de 17 de abril a 15 de maio de 2020); o general Eduardo Pazuello ( de 2 de junho de 2020 a 15 de março de 2021) e Marcelo Queiroga (atual ocupante do cargo).

“Que pais aguenta isso, quatro ministros da saúde em um ano durante uma pandemia?”, critica a médica Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abraco e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Essa troca de ministros foi um atraso enorme, pois este é um momento em que todo mundo precisava estar trabalhando em plena capacidade. O ministro precisa conhecer todo mundo, os processos internos. Mas tivemos pessoas erradas no lugar errado. E não precisa ser médico para ser um bom gestor. Mas tem que conhecer o funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde), valorizar as experiências anteriores, ter competência”, afirmou, mencionando a falta de competência do militar Pazuello a frente do Ministério da Saúde.

Mandetta e Teich foram demitidos após divergências com Jair Bolsonaro. Um dos principais motivos da discórdia era a defesa intransigente do presidente para adoção do uso de drogas como hidroxicloroquina e azitromicina como “tratamento precoce” contra a covid-19.

Por um lado, Bolsonaro via e continua vendo esses remédios como uma possível solução para a pandemia, apesar das evidências cientificadas mostrarem justamente ao contrário. Por outro lado, os dois ministros com formação médica, resistiram ao chamado “kid-covid” defendido pelo presidente e acabaram deixando o cargo após intenso processo de desgaste.

O general Pazuello se manteve nove meses na liderança e foi efetivado sob o argumento de que tinha experiência em logística. Mas, na prática, aconteceu ao contrário com a falta de oxigênio em Manaus (AM) e a demora para a compra e distribuição das vacinas. Foi então substituído pelo médico Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

 Na contramão da história


Na contramão da maioria dos dirigentes mundiais, Bolsonaro chegou a lançar dúvidas sobre muitos cuidados validados cientificamente e que contam com o respaldo de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Um dos alvos mais contumazes do discurso de Bolsonaro foi contra o uso de máscaras.

Numa live no dia 25 de fevereiro deste ano, ele disse que um estudo numa universidade alemã falou que as máscaras eram prejudiciais às crianças e que poderiam provocar irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, entre outras coisas. “Então começam a parecer aqui os efeitos colaterais das máscaras, tá ok?”. E ele faz questão de não usar máscaras em suas aparições públicas, quando provoca aglomerações com seus passeios a cavalo e de moto para atrair a atenção de seguidores.

 Críticas

“No primeiro semestre de 2020, até fazia sentido ter dúvidas e esperanças sobre o efeito benéfico de remédios como hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida contra a covid-19”, afirma o médico Carlos Maciel. “Mas com mais de um ano de pandemia, esse já é um assunto superado na maior parte do mundo. Porém no Brasil continua a render”. Gente que não entende nada de Medicina e nem de Ciência se transformam em especialistas anônimos pelas redes sociais. E ainda ousam em dar conselhos e receitas sem eficácia comprovada de cura.

Em março deste ano, Bolsonaro tornar a gravar live para defender o uso desses medicamentos. “No meu prédio, as informações que tenho é que mais de 200 pessoas pegaram, fizeram algum tipo de tratamento inicial e deu certo”, disse, incentivando as pessoas fazerem o tratamento que ele recomenda.

 “Esse é um tema cansativo. Não existe tratamento precoce contra a covid-19. Se existisse, todos os países do mundo estavam agora anunciando essa descoberta com a maior felicidade do mundo”, supõe Maciel.

 Vacinas retardadas

Em pleno surto da segunda onda da pandemia o ex-ministro Pazuello, passeia, dando mal exemplo, sem máscara em shopping de Manaus (reprodução Facebook)


Em agosto e setembro de 2020, a farmacêutica Pfizer entrou em contato com o governo federal para negociar a venda de 70 milhões de doses de sua vacina, que naquele momento estava caminhando para a fase final dos estudos clínicos. A empresa, porém, não recebeu nenhuma resposta.

No segundo semestre de 2020, Bolsonaro lançou dúvidas, por várias vezes, sobre a eficácia dos imunizantes e até “comemorou” a interrupção momentânea dos testes da Coronavac, da Sinovac e do Instituto Butantan, em novembro, após a morte de um voluntário.

“Morte, invalidez, anomalia. Esta é uma vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la”, disse Bolsonaro. Ele não só disse como também escreveu e publicou em suas redes sociais: “O presidente disse que a vacina jamais poderia ser comprada. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha” .

 Para o médico da USP, a situação gravíssima da pandemia deixa o Brasil numa espécie de “cobertor curto”, em que não há recurso e tempo suficiente para lançar mão de tantas medidas que seriam essenciais. “Na nossa atual circunstância, ainda vamos ver muita gente se infectar, ser internada e morrer pela doença antes de começarmos a ver alguma melhora”

 

 

 

 

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