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Covid tem separado famílias, levando entes queridos para o leito da morte |
Enquanto a covid-19 avança
para mais de 100 mil casos confirmados no mundo, especialistas em saúde pública
estão correndo para tentar entender como o vírus se espalha e encontrar a cura
e formas de se evitar mais mortes. Somente no Brasil mais de 460 mil pessoas já
morreram por causa da doença.
Embora não exista uma
estatística oficial sobre o assunto, médicos consultados pela agência BBC News
apontam que não há nenhum mistério nesse aumento de casos entre aqueles que
compartilham o mesmo teto. Trata-se de local perfeito para a transmissão de
vírus respiratórios, uma vez que quase todos em casa acabam relaxando os
cuidados e tomando poucas medidas de precaução dentro da residência do que
quando estão fora. Existe até a desconfiança de que bebês e crianças, que não
são imunes à doença, podem ajudar na transmissão.
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Os comerciantes Neto e Adnan, o Turcão, faleceram na mesma semana por covid |
Na cidade de Sales, três
pessoas de uma mesma família acabaram se contaminando e pai e filho faleceram
na semana passada. Adnan Mikhail Nahra,75
anos, e Miguel Nahra Neto, 46 anos, ambos conhecidos como “turco” em razão de
serem proprietários da famosa rede de lojas Turcão, que possui unidades em
Irapuã, Sales e Rio Preto, faleceram. A esposa de Adnan e mãe de Neto, Anedir Aparecida Alessio, também contraiu a
doença e se encontra internada em um hospital de São José do Rio Preto.
“Nossa família está em
luto”, afirma o bancário Fernando Alessio, morador em Sales, que perdeu o tio e
um primo. “Outro primo meu, o Junior de 40 anos, recentemente se curou da
covid, porém ficou com sequelas”, informou. “É muito triste esse momento que
estamos passando. Essa covid mata, desestrutura famílias”.
O jornalista Leandro
Tavares, colaborador deste jornal, também contraiu a doença e se encontra
internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital de Base. Ele é
formado em Jornalismo pela Unorp. Trabalhou nas prefeituras de Sales, Adolfo e
Itapevi, além da Folha do Povo e em jornais em Rio Preto. Cursa há três anos
Medicina em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. É pessoa conhecidíssima na região.
Na semana passada, Leandro
teve de vir às pressas para Adolfo para socorrer a mãe, Donância, que contraiu
covid e não conseguiu, mesmo com a intercedência da direção da Folha do Povo junto aos hospitais rio-pretenses, encontrar vaga em nenhuma UTI (Unidade de Tratamento
Intensivo) dos hospitais.
A mãe precisou ser
internada no hospital da Unimed em Catanduva. Na semana passada o pai, Romildo
Tavares, também precisou ser internado, também por covid. Recuperado já se
encontra em casa. Mas Leandro e suas duas irmãs, Léia e Alessandra, segundo o
pai, que conversou com dificuldades e praticamente chorando com a reportagem da Folha do Povo, também se
encontram hospitalizados para tratamento da covid. “Essa doença é muito
silenciosa e traiçoeira. Chega de uma vez e derruba a gente”, lamentou o pai Romildo, pedindo
orações para a recuperação dos familiares.
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Leandro Tavares e a mãe Donância, ambos se encontram hospitalizados (foto: Álbum de Família) |
Como se contamina
Tragédia no Brasil
A tragédia do coronavírus
levou o Brasil ao segundo lugar como o país com maior número de mortes por
covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, onde mais de 544 mil pessoas já
morreram pela doença. O tamanho da população de ambos países poderia explicar
parcialmente a liderança em números absolutos. Entretanto, a posição do Brasil
em termos relativos também é significativa. Até a semana passada o Brasil
estava em 23º na taxa de total de mortes por um milhão de habitantes, segundo a
plataforma Our World in Data.
Negacionistas atrapalham
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Ethel Maciel, durante entrevista à televisão, fala que o negacionismo das autoridades comprometeu o trabalho preventivo dos médicos (Foto: Reprodução da TV) |
Para a presidente da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a médica Gulnar Azevedo e
Silva, a falta de atuação do governo federal no começo da pandemia foi uma
posição errada. “Um ano já era suficiente para se ter aprendido alguma coisa
para a gestão da pandemia, mas a descoordenação foi deliberada; não uma
preocupação do governo para resolver essa crise”. O presidente da República,
segundo médicos, insiste em dar maus exemplos em relação à prevenção da doença.
Anda constantemente sem máscara, ajuda a promover aglomerações, faz criticas às
vacinas e disse, por mais de uma vez, que não iria toma-la.
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Para presidente da ABRASCO, depois de um ano de pandemia governo não aprendeu e insiste nos mesmos erros cometidos no começo (foto: UFRJ) |
O médico Márcio Sommenr Bitencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), chama a atenção para a falta de medidas de prevenção contra o vírus no Brasil. “O pouco que fizemos, em grande extensão, foi minado pelas lideranças federais, que nem sequer estimularam as medidas mais básicas de proteção”, disse à BBC.
Desde que a pandemia
começou, o Brasil teve quatro ministros da saúde diferentes: os médicos Luiz
Henrique Mandetta (até 16 de abril de 2020) e Nelson Teich (de 17 de abril a 15
de maio de 2020); o general Eduardo Pazuello ( de 2 de junho de 2020 a 15 de março
de 2021) e Marcelo Queiroga (atual ocupante do cargo).
“Que pais aguenta isso,
quatro ministros da saúde em um ano durante uma pandemia?”, critica a médica
Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abraco e professora da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Essa troca de ministros foi um atraso enorme,
pois este é um momento em que todo mundo precisava estar trabalhando em plena
capacidade. O ministro precisa conhecer todo mundo, os processos internos. Mas
tivemos pessoas erradas no lugar errado. E não precisa ser médico para ser um
bom gestor. Mas tem que conhecer o funcionamento do SUS (Sistema Único de
Saúde), valorizar as experiências anteriores, ter competência”, afirmou,
mencionando a falta de competência do militar Pazuello a frente do Ministério
da Saúde.
Mandetta e Teich foram
demitidos após divergências com Jair Bolsonaro. Um dos principais motivos da
discórdia era a defesa intransigente do presidente para adoção do uso de drogas
como hidroxicloroquina e azitromicina como “tratamento precoce” contra a
covid-19.
Por um lado, Bolsonaro via
e continua vendo esses remédios como uma possível solução para a pandemia,
apesar das evidências cientificadas mostrarem justamente ao contrário. Por
outro lado, os dois ministros com formação médica, resistiram ao chamado
“kid-covid” defendido pelo presidente e acabaram deixando o cargo após intenso
processo de desgaste.
O general Pazuello se
manteve nove meses na liderança e foi efetivado sob o argumento de que tinha
experiência em logística. Mas, na prática, aconteceu ao contrário com a falta
de oxigênio em Manaus (AM) e a demora para a compra e distribuição das vacinas.
Foi então substituído pelo médico Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade
Brasileira de Cardiologia.
Na contramão da maioria
dos dirigentes mundiais, Bolsonaro chegou a lançar dúvidas sobre muitos
cuidados validados cientificamente e que contam com o respaldo de entidades
como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centro de Controle e Prevenção
de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Um dos alvos mais contumazes do discurso
de Bolsonaro foi contra o uso de máscaras.
Numa live no dia 25 de
fevereiro deste ano, ele disse que um estudo numa universidade alemã falou que
as máscaras eram prejudiciais às crianças e que poderiam provocar
irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, entre outras
coisas. “Então começam a parecer aqui os efeitos colaterais das máscaras, tá
ok?”. E ele faz questão de não usar máscaras em suas aparições públicas, quando
provoca aglomerações com seus passeios a cavalo e de moto para atrair a atenção
de seguidores.
“No primeiro semestre de
2020, até fazia sentido ter dúvidas e esperanças sobre o efeito benéfico de
remédios como hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida
contra a covid-19”, afirma o médico Carlos Maciel. “Mas
com mais de um ano de pandemia, esse já é um assunto superado na maior parte do
mundo. Porém no Brasil continua a render”. Gente que não entende nada de
Medicina e nem de Ciência se transformam em especialistas anônimos pelas redes
sociais. E ainda ousam em dar conselhos e receitas sem eficácia comprovada de
cura.
Em março deste ano,
Bolsonaro tornar a gravar live para defender o uso desses medicamentos. “No meu
prédio, as informações que tenho é que mais de 200 pessoas pegaram, fizeram
algum tipo de tratamento inicial e deu certo”, disse, incentivando as pessoas
fazerem o tratamento que ele recomenda.
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Em pleno surto da segunda onda da pandemia o ex-ministro Pazuello, passeia, dando mal exemplo, sem máscara em shopping de Manaus (reprodução Facebook) |
Em agosto e setembro de
2020, a farmacêutica Pfizer entrou em contato com o governo federal para
negociar a venda de 70 milhões de doses de sua vacina, que naquele momento
estava caminhando para a fase final dos estudos clínicos. A empresa, porém, não
recebeu nenhuma resposta.
No segundo semestre de
2020, Bolsonaro lançou dúvidas, por várias vezes, sobre a eficácia dos imunizantes
e até “comemorou” a interrupção momentânea dos testes da Coronavac, da Sinovac
e do Instituto Butantan, em novembro, após a morte de um voluntário.
“Morte, invalidez,
anomalia. Esta é uma vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos a
tomá-la”, disse Bolsonaro. Ele não só disse como também escreveu e publicou em
suas redes sociais: “O presidente disse que a vacina jamais poderia ser
comprada. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha” .