Folha2

Manivela, o maior violonista de todos os tempos

Diogo Sanches, o aluno que se tornou companheiro de palco do mestre Manivela

Diogo Sanches tinha 39 anos e já era gerente da Cutrale, a maior empresa produtora de suco de laranja no mundo, quando resolveu se matricular num curso para aprender a tocar violão. O objetivo era encontrar alguma atividade para relaxar nas horas vagas. O professor era Joaquim Pereira dos Santos, tocador de sete instrumentos e músico de orquestra, batizado como Manivela pelo maestro Roberto Farath (1933-2009) com quem tocou por 17 anos no Rio Preto Automóvel Clube.

“Eu nunca tinha segurado sequer um violão nas mãos”, lembra Diogo, hoje com 76 anos, e pai do instrumentista Diogo Junior, 34 anos, que também herdou, desde a infância, o gosto e talento pela música. “Em pouco tempo eu aprendi a tocar e me tornei depois um dos solistas, junto com o Manivela, de um grupo musical”. 

O grupo musical que Diogo Sanches se refere é o “Ensaios de Terças – Cordas & Vozes”, integrado por ele, pelo filho, sob a batuta do mestre Manivela e outros dois integrantes famosos: o médico Oswaldo Miura e o juiz de Direito Alexandre Gonzaga. Mais tarde o grupo também foi integrado por outros instrumentistas como o Junior, filho do Diogo, Emílio Antonio Semden e pelo jovem Henrique Borges de Carvalho.

O Grupo "Ensaios de Terças - Cordas & Vocal" participou das comemorações dos 65 anos do Mercadão de São José do Rio Preto


Médico no grupo

Durante oito anos a rotina corrida do médico, entre consultas e cirurgias, e do juiz, entre audiências e elaboração de sentenças, dava também lugar para a música. O grupo realizou dezenas de apresentações beneficentes e culturais em asilos, associações, escolas e eventos filantrópicos promovidos pelo Rotary e Lions em cidades como José Bonifácio, Rio Preto, Monte Aprazível, Votuporanga, Fernandópolis, Jales e Três Lagoas (MS). 

Diogo Sanches e o médico Miura em apresentação com o grupo "Ensaios de Terças - Cordas e Vocal"

O grupo gravou dois CDs e chegou a se apresentar, como convidado especial, em um programa musical da TV Justiça, de Brasília. Entre as canções que integram os dois CDs estão “Falando de Amor”, de Antônio Carlos Jobim, e “Chalana”, de Mário Zan e Arlindo Pinto.

O grupo chegou a gravar pelo menos dois CDs e um DVD


Manivela também lançou alguns discos solo, que são verdadeiras obras de arte para os ouvidos de quem gosta de uma boa música

Com o objetivo de levar os diversos gêneros musicais com instrumentalização e vozes, o grupo tocava bossa-nova, valsas, chorinhos, valsas, boleros, guarânias e memoráveis canções brasileiras, italianas, francesas e inglesas. E foi matéria na revista "Veja".


Manivela, maior violonista do Brasil

Manivela, durante apresentação na TV Justiça de Brasília

O violão é um dos instrumentos mais tocados no mundo. No Brasil sua importância é ainda maior. Embora não seja um instrumento genuinamente brasileiro ele é considerado como “o melhor amigo” dos melhores compositores da Música Popular Brasileira (MPB). Sua versatilidade é grande. É companheiro tanto nas rodas de samba, como na música erudita. 

A origem do violão, segundo estudiosos, vem da Babilônica, há 2.000 anos antes de Cristo. Assim como beleza não se compara, não se mede a arte da música e do violão. Mas é indiscutível quando encontramos alguém que sabe tocar esse instrumento. E nesse aspecto são poucos músicos que tiveram o talento de Joaquim Pereira dos Santos, o popular Manivela.

Manivela nasceu em Jales. Filho do lavrador Otaviano e da dona de casa Minervina. A família era grande, dez filhos. A morte prematura da mãe fez o pai distribuir os filhos para os compadres. Então o garoto, com 8 anos, foi criado pelo padrinho Firmino e se extasiava vendo tocar viola. Aprendeu sozinho a tocar o instrumento. Aos poucos foi evoluindo para o violão e cavaquinho. Começou a trabalhar no comércio, e o dinheiro que recebia guardava para levar para o pai, que continuava a morar no sitio. Caminhava oito quilômetros, do centro da cidade ao sitio, para visitar o pai, aos finais de semana.

Apresentação do grupo comandado por Manivela em clube de Jaboticabal

Apresentação de Manivela e do grupo na cidade matogrossense de Três Lagoas

Apresentação do grupo "Ensaios de Terças" no Rio Preto Automóvel Clube


Ainda adolescente foi tentar a vida no Rio de Janeiro. Lá ganhou de presente de um médico um violão. Uma tia lhe trouxe para Rio Preto. Se estabilizou financeiramente e conseguiu juntar pai e irmãos, arrumou emprego para todos. Trabalhava de dia e de noite tocava nas emissoras de rádio Difusora e Piratininga. Dava aulas em conservatório e particulares.


Clube dos Bambas

Manivela é considerado pelos colegas instrumentistas como um dos melhores músicos do Brasil


Manivela se tornou músico profissional tocando baixo na orquestra do Lourival, inicialmente no Clube Monte Libano e depois no Automóvel Clube. Tocou por vários anos no Clube dos Médicos. Fez parte do Clube dos Bambas, grupo informal que o advogado e ex-deputado estadual José Eduardo Rodrigues reunia no quintal do seu escritório para altas sessões de seresta, chorinho e MPB.

Faz anos, numa entrevista ao jornal "Diário da Região", José Eduardo Rodrigues, hoje presidente do Rio Preto Esporte Clube, rasgou elogios ao mestre Manivela. “É um homem despojado, bondoso e tranquilo, um fenômeno da simplicidade e do virtuosismo”, disse José Eduardo. “Seu canto afinado, os sete instrumentos bem tocados, sua harmonia inigualável são motivos de encantamento para uma legião de amigos e admiradores. Sem contar de tratar-se de um músico exemplar que acompanhou Agostinho dos Santos, Miltinho, Gonzaguinha, Elza Soares e outros tantos ícones da música brasileira”.

O juiz de Direito Alexandre Gonzaga Baptista Santos foi um dos
alunos de Manivela e depois se tornou companheiro de palco
 e das apresentações do mestre Manivela


Paralelo as apresentações Manivela nunca parou de dar aulas. Ele tentava ensinar o muito do que sabia para diversas personalidades. O médico Fred Navarro da Cruz, cantor no grupo Tangolero, e a empresária Benny Haddad, do grupo Rodobens, chegaram a fazer aulas de canto com ele.

 Músico genial

Integrantes do grupo "Ensaios de Terças - Cordas & Vocal" em foto tirada pouco antes de uma das apresentações no Rio Preto Automóvel Clube


Para o músico e produtor cultural Fernando Marques, Manivela é um músico genial. “É um sinônimo do instrumento na cidade”, afirmou Fernando, em uma entrevista, referindo ao violão tocado com maestria por Manivela. “Os violões praticamente eram tocados somente nas rodas boêmias e nos concertos de José Rastelli. Manivela veio para mudar esta história”.

Manivela também estudou e ensinou canto. Formou corais e deu aulas de canto na cidade de Santa Barbara D’Oeste. Tocou no Tangolero, ao lado de Nenê Homsi, Fred Navarro e do dentista Orlando Mendonça, de Marília. 

Manivela com um dos alunos em encontro memorável no Rio Preto Automóvel Clube

Boas lembranças

Apresentação do grupo "Ensaios de Terças - Cordas & Vozes", na beira das piscinas do Automóvel Clube em São José do Rio Preto


O músico Henrique Borges de Carvalho, 32 anos, que trabalha hoje na área de telecomunicações, fala com carinho do mestre Manivela. “Ele foi meu professor de violão quando eu tinha 14 anos e depois foi meu mestre e companheiro de palco”, afirma, revelando que tem ótimas lembranças dos tempos de convivência com Manivela, com o qual tocou junto por quase seis anos.

“Ele era uma pessoa incrível. Como músico não tem igual. Para mim é um dos três melhores do mundo. E uma pessoa de um coração fantástico, sem maldade e ensina tudo o que sabia”, relembra Henrique, contando que não esquece da Caravan Comodoro que os levava para apresentações em cidades da região. “Era uma aventura, pois a gente nunca sabia se ia chegar, pois o carro costumava quebrar no meio do caminho ou faltava combustível”.

Momentos marcantes

Henrique disse que ainda tem vivo na memória o dia em que o grupo musical se apresentou na abertura do Festival Internacional de Teatro (FIT). Se apresentaram para cerca de 10 mil pessoas. “Tive o prazer de ter Manivela como professor, mestre, companheiro de palco e amigo”.

Henrique também lembra do dia em que encontrou com o produtor musical de Cauby Peixoto e contou a história que ele já sabia: como Manivela pode acompanhar o cantor sem nenhum ensaio. “O Cauby Peixoto chegou na cidade para se apresentar e precisa de um guitarrista experiente para acompanhar e foram atrás do Manivela”. lembra. “E o empresário disse que Manivela precisaria ensaiar e passar as músicas que seriam apresentadas. Manivela disse que não, pois sabia tocar de cor todas as músicas do Cauby. O cara não acreditou e quando Manivelou pegou o violão e deu os primeiros acordes o empresário ficou convencido na hora”.

 Outro momento marcante para Henique foi quando o grupo viajou quase 600 quilômetros para tocar no casamento do juiz Alexandre Gonzaga, que também era integrante do conjunto. “Foi uma festa numa cahcara numa cidade do interior de Minas Gerais e cheio de gente rica, mas simples como a gente. E tocamos até altas horas da noite”.

"Melhor do mundo"

Diogo Sanches Junior, 33 anos, atuando hoje como economista afirma que Manivela era considerado como se fosse membro de sua família, dado à amizade de seu pai e ele com o mestre. “Tudo nele me impressionava muito: a maneira como ele tocava e harmonizava as músicas e a paciência que tinha conosco, seus alunos”.

 Para Junior, Manivela foi, sem dúvida, o "melhor violonista do mundo" que ele já conheceu. “Se teve melhor que ele eu não conheci. Além de músico seguro de si, ele era uma pessoa modesta e humilde. E sabia respeitar nossas limitações como músico”.

O bancário Emílio Antônio Semden era o único do grupo que não sabia ler partituras. Mas tocava percussão com facilidade ímpar. “Sou apaixonado por música. Gosto de percussão e ‘arranho’ um pouco no cavaquinho”, diz Emílio, ressaltando ter vivenciado momentos maravilhosos ao lado de Manivela e sua turma de músicos. “Não tenho nem palavras para expressar a alegria e emoção que foi tocar ao lado dessas ‘feras’ importantes”.

Manivela’s Bar

Na década de 90 montou, junto com a família, o Manivela’s Bar, na avenida José Munia. O local era ponto de encontro de jornalistas, políticos e boêmios. Fernando, um dos filhos de Manivela, que a exemplo do pai também é instrumentista e dá aulas de música, lembra que o bar chegou a ser citado em matéria na revista Veja como o único a apresentar chorinho.

Com ambições diferentes de outros músicos, Manivela e nunca se rendeu a modismos para faturar dinheiro. “Sempre viveu da música e para a música, de forma honesta e leal”, contou Iara, professora de História e sua segunda mulher, numa entrevista, anos atrás, para um jornal.

Manivela e seu inseparável amigo de longas datas, Diogo Sanches


O próprio Manivela disse, numa entrevista, que para o prazer de tocar e ouvir uma boa música “não tem dinheiro que pague”. “Sou feliz pelo consegui. Estudei, fiz muita gente aprender música. Não adianta abrir a boca e cantar só asneira, essas coisinhas...”, disse Manivela, com o cuidado de não mencionar nomes de artistas e compositores. “Meu repertório é em cima de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Lupicínio Rodrigues, Cartola...”.

O amigo Diogo Sanches, companheiro de palco e longas horas, afirma que o grupo “Ensaios de Terças – Cordas & Vozes” não tinha como objetivo ganhar dinheiro. “Com exceção do Manivela, ninguém do grupo vivia da música. Então nós, quando não tínhamos cachê, é que nos quotizávamos para dar alguma coisa para ele, pois Manivela o tempo todo sobreviveu da música”.

Acometido pelo mal de Alzheimer, doença degenerativa que afeta a memória, Manivela praticamente não lembra hoje de quase nada. Nem da fama e do talento enorme que possuía como o maior violonista de todos os tempos. Está internado numa clínica, depois de passar sob os cuidados de quase todos os filhos e filhas. “Infelizmente ele está nesse estado”, comenta m dos seus genros, o jornalista Jessé Fernandes. Manivela pode não lembrar. Mas ninguém que o viu tocando jamais esquecerá desse grande instrumentista e pessoa de grande coração, que encantou e ajudou muita gente.

Um juiz no grupo

 O “Ensaios de Terças – Cordas & Vozes” era um grupo tão heterogêneo, que reunia profissionais com conhecimentos e experiências distintas. Entre os integrantes ilustres, além do médico Miura, estava também o juiz de direito Alexandre Gonzaga Baptista Santos. Ele iniciou sua carreira na magistratura, ano 2000, em São José do Rio Preto como juiz substituto. Foi depois juiz titular em Nhandeara (2004 a 2008), juiz da 3ª vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude de Jaboticabal (2009 a 2016), juiz auxiliar na Comarca de Ribeirão Preto (2017 a 2019) e atualmente é juiz da 1ª Vara Cível de Batatais, desde o ano 2020.

 E é o próprio juiz que nos conta sua experiência com a música e com o grupo. “A música sempre esteve presente na minha vida, como fonte de aprendizado, cultura, sensibilidade e arte”, afirma.

 “Percebo que trouxe benefícios na minha vida profissional porque tanto na música como na atividade jurisdicional exige-se estudo, disciplina, percepção e criatividade num percurso de análise e maturação de ideias para que alcance seus resultados: ou seja, a finalização de um trabalho musical, ou a prolação de uma sentença. Penso que ambas encerram um processo”.

Alexandre fala com alegria chega a se emocionar quando lembra os quase dez anos em que esteve integrando o grupo musical. “Senti alegria e satisfação em todos os lugares que tocamos”. E fala com muito carinho sobre o “mestre” Manivela: “conheci o músico Manivela no início de 2000, quando iniciei minha carreira em Rio Preto como juiz substituto e logo nos tornamos grandes amigos”.

“Desde o início percebi que teria a oportunidade de ser aluno de um profissional de alto nível. O professor e músico Manivela ensinou-me tudo o que sei sobre música, com paciência, dedicação e sempre me incentivando ao estudo e aprimoramento”.

 O juiz ressalta que Manivela, como um grande amigo, ensinou-lhe para que devemos fazer aquilo que conseguimos dentro das nossas limitações com seriedade e humildade. “O velho mestre me dizia: ‘Alexandre, faça o simples, porém de forma correta e com técnica...’ Aprendi a lição e sou muito grato à vida pelos dez anos de convivência que tivemos, tanto na condição de aluno como nas atividades do grupo musical ‘Ensaios de Terças, Cordas & Vozes’ ao lado também dos meus amigos Diogo, Miura, Henrique, Diogo Junior e tantos outros que tocamos juntos por vários palcos. Tenho orgulho de ter conhecido o mestre e amigo Manivela, que sempre estará em meu coração”

  O vídeo abaixo mostra parte da apresentação do grupo "Ensaios de Terças - Cordas e Vozes" no programa "Frente a Frente com a Justiça", apresentado pelo jornalista Luciano Ayres, na TV Justiça, em Brasília. 







Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem

vários

Folha2
Folha2