Em razão do grande número de empresas e jornais criados de última hora para a divulgação de pesquisas eleitorais suspeitas, autoridades estudam mudanças na legislação para incriminar ainda mais os eventuais infratores fraudadores
Nelson Gonçalves
Existe um verdadeiro mercado clandestino por trás de muitas pesquisas eleitorais. Há de se ressaltar que existem empresas sérias e tradicionais, como o Ibope (instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), uma das maiores empresas de pesquisas da América Latina. Fundado em 1942 e atuando em mais de 14 países com cerca de 4 mil funcionários, o nome da empresa virou gíria e se tornou verbete oficial dos dicionários como sinônimo de audiência e prestígio.
Atuando de forma quase clandestina, nos bastidores da política, existem algumas dezenas de empresas recém criadas. Sem credibilidade para que suas pesquisas sejam divulgadas pelos veículos de comunicação algumas montaram seus próprios jornais. E tentam acharcar os políticos com objetivo de faturar alto em cima de resultados que privilegiam candidatos.
Um dos candidatos a prefeito de uma das cidades da região de Rio Preto, pedindo para manter-se, por ora, no anonimato, contou à reportagem da Folha do Povo ter sido procurado por um intermediário de uma dessas empresas. Disse que o sujeito pediu R$ 20 mil para lhe vender uma pesquisa com resultado favorável a ele. Diante da negativa, ele voltou mais tarde, pedindo R$ 10 mil para que não oferecesse a mesma proposta para o candidato adversário.
Poucos estatísticos
Levantamento da Folha do Povo constatou que existem funcionando no Brasil apenas 35 cursos de Estatística. O número é ínfimo se comparado, por exemplo, aos 305 de Medicina, aos 549 de Engenharia Civil ou os mais de 1.500 cursos de Direito espalhados por todas as regiões brasileiras. Por isso nessas horas faltam profissionais habilitados para assinar como estatístico responsável pela elaboração da pesquisa, como exige a Justiça Eleitoral.
De acordo com o Conselho Regional de Estatística em São Paulo, o Conre-3, o maior Estado da federação possui cerca de 600 estatísticos habilitados. Em todo o Brasil não passa de 6 mil profissionais, que tem que pagar uma anuidade em torno de R$ 300 para poder trabalhar legalmente.
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Doris Satie Fontes, presidente do Conre-3
Segundo Doris Satie Fontes, presidente do Conre 3, que abrange os 645 municípios paulistas, o salário do estatístico varia entre R$ 4 mil a R$ 60 mil, para aqueles mais especializados e com doutorado na área. É uma profissão em crescimento e com grande perspectiva de mercado. |
Apreensões
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As imagens acima mostram apreensões de jornais, feitas nesta semana pela Polícia, com pesquisas supostamente falsas em Cedral e Sales
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Na última semana o Ministério Público de Goiás desencadeou uma operação que deverá se estender por outros lugares. Em Goiânia e na vizinha Aparecida de Goiânia a Polícia cumpriu quatro mandados de busca e apreensão contra a empresa que “produziu e divulgou 349 pesquisas suspeitas em 191 dos 246 municípios goianos”. Em Sales e Cedral, na região de Rio Preto, a Polícia Civil também realizou apreensão de jornais com pesquisas supostamente fraudulentas da empresa Publi QC. A empresa realizou pesquisas suspeitas em mais de 100 cidades da região.
A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep) elaborou e entregou à Polícia lista com nomes e endereços de empresas que informaram ter realizado pesquisas eleitorais com recursos próprios. O número de pesquisas autofinanciadas em todo o país levanta suspeitas. Até o dia 1º de novembro, das 7.334 pesquisas registradas, 4.741 indicavam ter financiamento próprio (64%).
Foi a proporção inédita de pesquisas com recursos próprios que chamou a atenção da Abep, informou João Francisco Meira, presidente do Conselho de Opinião Pública da Abep, à Agência Brasil. A maioria das empresas foi constituída há cerca de um ano, não tendo, portanto, experiência ou credibilidade no mercado de pesquisas e estatísticas. “As fraudes consistem em produzir pesquisas que não refletem a realidade das intenções de voto dos eleitores, com desobediência dos requisitos exigidos na legislação eleitoral, em bairros inexistentes e com oferta criminosa de manipulação de dados em favor de candidatos”, descreve a nota do Ministério Público.
Pesquisas duvidosas
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Juiz e advogado colocam em dúvida o autofinanciamento das pesquisas pelas próprias empresas recém-criadas
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“Qual é a intenção de um instituto de pesquisa, que sobrevive de fazer pesquisa, fazer centenas de pesquisas por conta própria e divulga-las?”, pergunta a advogada Ana Raques Gomes Pereira, especialista em Direito Eleitoral, ao questionar a prática da pesquisa autofinanciada. “A gente vê institutos de pesquisas e jornais que nunca se ouviu falar. Foram juridicamente constituídos recentemente e estão fazendo e divulgando pesquisas com resultados questionáveis”.
“É muito suspeito”, afirmou Júlio Trecenti, ex-presidente do Conre 3, em entrevista a um jornal paulistano. “Provavelmente são os partidos ou políticos que estão pagando, mas não estão querendo mostrar”
Para se registrar uma pesquisa na Justiça Eleitoral não existe nenhum custo. Mas exige-se que seja empresa constituída para essa finalidade e que tenha estatístico assinando como responsável. Funciona mais ou menos da mesma maneira com as imobiliárias e farmácias. Para estarem com as portas abertas essas empresas necessitam de pelo menos um corretor de imóveis e um farmacêutico assinando como responsáveis pelo estabelecimento.
Exercício ilegal da profissão
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Exercício ilegal de qualquer profissão regulamentada é crime, passível de multa e detenção
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A presidente do Core3 informa que a instituição na qualidade de ente de disciplina e fiscalização da profissão, que é regulamentada desde 1965, não comenta casos individualizados. Mas informa que o Conselho dispõe de um canal de denúncia para quem deseja indicar empresas ou profissionais que estejam produzindo material fraudulento. Para isso, basta acessar o link
http://www.conre3.org.br/portal/comunique-irregularidades-profissionais/
Além disso, por tratar-se de profissão regulamentada, a denúncia do “exercício ilegal da profissão” pode ser feita à Polícia Federal ou ao Ministério Público do Trabalho. As multas previstas, dependendo da gravidade das infrações, variam entre R$ 620,60 a R$ 21.485,04. A pena pode acarretar detenção de dois meses a três anos.
“Esse é um tema muito delicado e estamos focados em detectar se, de fato, há estatísticos adotando atitudes profissionais antiéticas”, afirma a presidente do Core3. “Algumas atitudes mancham a imagem dos estatísticos sérios e provocam danos graves à nossa área”.
Quantidade compromete a qualidade
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A grande quantidade de pesquisas feitas por um único estatístico coloca em duvida a qualidade e pode comprometer os resultados
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O estatístico Alexandre Vasconcelos assina algumas poucas pesquisas feitas pela empresa Opnet na região. Ele realizou trabalho para a Marinha e Ministério da Saúde. Em entrevista por telefone à Folha do Povo, disse, entretanto, que tem procurado reduzir sua atuação no mercado de pesquisas eleitorais. Disse que é um campo "minado", muito complicado e desgastante. “O trabalho do estatístico é fazer um bom planejamento para a coleta de dados. E pode ser feito remotamente”, explicou. Já fiz planejamento e o instituto, que não era tão ético, não cumpriu. Simplesmente não trabalho mais com essas empresas”.
Alexandre explica que a pesquisa é uma amostragem do momento e jamais o resultado das urnas poderá ser comparado com uma pesquisa feita um mês antes. “A população não é homogênea. É heterogenia e existe movimentação constante na tendência do eleitorado”.
Sem citar nomes, Alexandre critica os colegas que acumulam a responsabilidade por uma grande quantidade de pesquisas eleitorais. Muita quantidade faz perder a qualidade e compromete o trabalho do estatístico, ressalta.
Região de Rio Preto
A empresa Publi QC, criado a menos de quatro meses por Flávio Henrique da Silva, registrou cerca de 100 pesquisas eleitorais. E informou à Justiça Eleitoral que seria a própria empresa que estaria custeando, com recursos próprios, cada pesquisa, estimada em R$ 2 mil. O nome do estatístico Augusto da Silva Rocha aparece em todas elas como sendo o profissional técnico responsável pelo trabalho.
O juiz Vinicius Nunes Abbud, da 207ª Zona Eleitoral da comarca de Urupês, sentenciou, atendendo representação de candidatos, proibindo a empresa de Flávio de realizar pesquisas, sob pena de ser multada em R$ 100 mil. Em sua sentença, o juiz questionou, como uma empresa, aberta em julho deste ano, com capital inferior a R$ 60 mil, estaria financiando R$ 200 mil em pesquisas com recursos próprios. O mesmo entendimento ocorreu em outras comarcas da região.
Estatístico assina pesquisas em 18 Estados brasileiros
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O estatístico Augusto da Silva Rocha assume como sendo responsável por 100 pesquisas na região de Rio Preto e aparece atuando também na realização de pesquisas em cidades de 18 Estados brasileiros (foto: Edilson Dantas/Agência O Globo)
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A reportagem da Folha do Povo não conseguiu localizar o estatístico Augusto da Silva Rocha, que assina como responsável pelas pesquisas da empresa de Flávio Henrique. A revista "Época" conseguiu localizá-lo em Americana, onde mora e é pai de dois filhos. Ele foi entrevistado pela revista em restaurante por quilo, onde almoçou com um guarda-chuva pendurado no braço, para não correr o risco de perder o objeto.
Em 2018, Rocha foi responsável por 191 pesquisas eleitorais. Foi o segundo colocado, ficando atrás apenas de Márcia Cavallari, diretora do Ibope, que assinou 303. Em terceiro está Renata Nunes César, do Datafolha, com 81.
Rocha relevou à revista que as pesquisas eleitorais era um trabalho que ele faz “por fora”, como frila, há duas décadas. Nas eleições deste ano ele aparece como responsável de pesquisas em cerca de 80 empresas, espalhadas por 18 Estados brasileiros, incluindo Santa Catarina, Paraná, Pará, Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Segundo matéria da revista "Época", dos diversos “clientes” de Rocha, alguns têm fama de um pior que os outros. Uma pesquisa do instituto brasiliense DataPlan, por exemplo, foi suspensa pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito federal por ser considerada enviesada. Várias perguntas se referiam a um único candidato.
A revista revela que o instituto Phoenix, de Rondônia, também contatou os serviços de Rocha. Seu dono, José Juvenil Coelho, já foi condenado a dois anos de prisão por crime eleitoral. Entrevistado pela revista, Coelho se defendeu dizendo ter sido condenado injustamente e afirmou que as impugnações são mais comuns do que deveriam ser. “Se um advogado quiser impedir a divulgação de uma pesquisa, ele consegue. São muitas exigências, e instituto nenhum consegue fazer uma amostra dentro dos padrões exigidos pela lei eleitoral”. Segundo ele, seu trabalho incomoda os políticos.
Pelo fato de estar distante, Rocha garante que não tem nenhuma influência nos resultados das pesquisas. “Sou pago para fazer a minha parte técnica”, disse à Época, sem explicar como consegue contabilizar os dados de centenas de pesquisas, de diferentes regiões do Brasil, ao mesmo tempo. “Faço o planejamento amostral, digo quantas mulheres entrevistar, quantas pessoas de cada região”. Rocha admitiu que já viu pesquisas ser barradas por errarem o nome dos candidatos ou por darem destaque demais a um deles. “Eu oriento os caras, mas muitas vezes não dá tempo de ver o formulário”.
Ações
O nome do estatístico Augusto da Silva Rocha aparece em 19 processos no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em uma delas, porém, ele é vítima. Trata-se de ação de cobrança dele por inadimplência contra a empresa Perfil Pesquisas, com sede em Barretos, que nas eleições passadas também andou realizando centenas pesquisas supostamente fraudulentas pela região.
Rocha ingressou com ação de cobrança por ter sido contratado verbalmente para realizar os serviços de análise das pesquisas nas eleições de 2016. A remuneração acordada, segundo ele, seria de R$ 1 mil por pesquisa realizada. Alegou que a empresa realizou várias pesquisas registradas com seu nome na Justiça Eleitoral e que não recebeu o pagamento que lhe é devido. Ajuizou ação querendo receber R$ 39 mil da empresa, cujos proprietários não foram localizados pela Folha do Povo para comentar sobre o assunto.
TSE
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A multa para os autores de pesquisas comprovadamente falsas é de R$ 106 mil
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Em nota, o TSE informou recentemente ao jornal “O Globo” que não realiza qualquer controle prévio sobre o resultado das pesquisas, tampouco gerencia ou cuida de sua divulgação, atuando sempre que é provocado por meio de representação. De acordo com o tribunal, um sistema com mais segurança para o registro de pesquisa será implementado para as próximas eleições.
Na opinião de Ricardo Costa, do Conselho Federal de Estatística (Confe), o TSE, ao registrar as pesquisas, deveria incluir um campo para informar até onde foi o trabalho do estatístico.
Para a presidente do Conre-3, Doris Fontes, o TSE poderia melhorar o sistema de registro de pesquisas exigindo, de fato, a certificação digital do estatístico para cada pesquisa registrada. “Além disso, quando uma empresa faz seu cadastro, o TSE poderia gerar uma mensagem automática alertando o Confe que uma empresa se cadastrou para verificarmos os dados. Com isso, os CONREs poderão fiscalizar de forma rápida e legalmente uma empresa no campo da estatística e a veracidade dos dados informados, evitando casos de ‘estatísticos falsos’, ou estatísticos citados sem o consentimento dele”.
Doris sugere que uma parceria entre o TSE e o Conselho Federal e Conselhos regionais de Estatística seria bem-vinda para realizar ações conjuntas colaborativa na tentativa de melhorar o nível de pesquisas eleitorais. As multas aplicadas, que podem chegar a R$ 106 mil, contra os autores das pesquisas suspostamente inverídicas não têm inibidos os fraudadores.